Capítulo 3: Princípios e Propriedades Químicas

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Princípios e Propriedades Químicas

Tradutores: Caroline Fabiane Granatto, Felipe Leitzke, Marcos Vinícius, Mateus Edmar Eufrásio de Araújo, Theo Antonio De Jesus, Gabrielle Roveratti, Ulisses Terin, Fabio Pileggi, Ítalo Augusto Carneiro de Santana, Renan Lourenço de Oliveira Silva, Carolina Bittencourt, Débora Toledo, Ana Rios, Carlos Paulino M. Rodriguez, Samba Eduardo André, Karina Cenciani Rebelo; Daniel Marcos Bonotto (líder de capítulo); Rodrigo Lilla Manzione (gerente); Diego Fernandes Nogueira (diagramador); Everton de Oliveira (coordenador).

Os constituintes químicos e bioquímicos das águas subterrâneas determinam a sua utilização residencial, industrial e para a agricultura. Os constituintes dissolvidos na água fornecem pistas sobre sua história geológica, sua influência no solo ou no substrato rochoso pelos quais ela percolou, a presença de depósitos minerais escondidos e sua origem dentro do ciclo hidrológico. Os processos químicos que afetam as águas subterrâneas podem influenciar a resistência de materiais geológicos e, em situações onde não são reconhecidos, podem causar ruptura em encostas artificiais, barragens, escavações mineiras e outros aspectos importantes para o homem. É cada vez mais comum que os resíduos industriais, agrícolas e domésticos sejam armazenados ou dispostos na superfície ou em subsuperfície. Esta pode ser uma prática segura ou perigosa, cujas consequências dependem muito dos processos químicos e microbiológicos que afetam as águas subterrâneas. É comum supor que os processos físicos de erosão mecânica, expansão e contração térmica, congelamento e movimentos de massa são influências dominantes na evolução da paisagem, porém, num exame mais minucioso, verifica-se que frequentemente os processos químicos que ocorrem nas águas subterrâneas são os maiores controladores.

O objetivo deste capítulo é descrever as propriedades geoquímicas e os princípios que controlam o comportamento dos constituintes dissolvidos nas águas subterrâneas. Hem (1970) e Stumm & Morgan (1970) fornecem uma abordagem mais abrangente do estudo e da interpretação das características químicas das águas naturais. A maioria dos princípios geoquímicos descritos neste capítulo baseia-se em conceitos de equilíbrio. Exemplos descritos no Capítulo 7 indicam que muitos processos hidroquímicos nas águas subterrâneas avançam lentamente em direção ao equilíbrio químico, com alguns raramente atingindo o equilíbrio. Às vezes, o leitor pode duvidar da utilidade das abordagens de equilíbrio. No entanto, os conceitos ou modelos de equilíbrio têm grande valor, devido à sua capacidade de estabelecer condições de contorno em processos químicos. As diferenças entre as condições hidroquímicas observadas e as condições de equilíbrio calculadas podem fornecer uma visão sobre o comportamento do sistema e, no mínimo, um enquadramento quantitativo no âmbito do qual podem ser estabelecidas questões apropriadas.

3.1 Água Subterrânea e Seus Constituintes Químicos

Água e Eletrólitos

A água é formada pela união de dois átomos de hidrogênio com um átomo de oxigênio. O átomo de oxigênio está ligado aos átomos de hidrogênio de forma não simétrica, com um ângulo de ligação de 105°. Esta disposição assimétrica dá origem a uma carga elétrica desequilibrada que transmite uma característica polar à molécula. A água no estado líquido, embora tenha a fórmula H2O ou HOH, é composta por grupos moleculares onde as moléculas HOH de cada grupo são mantidas unidas por pontes de hidrogênio. Estima-se que cada grupo ou conjunto molecular tenha em média 130 moléculas a 0 °C, 90 moléculas a 20 °C e 60 moléculas a 72 °C (Choppin, 1965). H180090 é uma fórmula aproximada para o grupo a 20 °C.

A água é incomum na medida em que a densidade da fase sólida, gelo, é substancialmente inferior à densidade da fase líquida, água. Na fase líquida, a densidade máxima é alcançada a 4 °C. Com um resfriamento adicional abaixo desta temperatura existe uma diminuição significativa de densidade.

Todos os elementos químicos têm dois ou mais isótopos. Neste livro, no entanto, nos preocuparemos apenas com os isótopos que fornecem informações hidrológicas ou geoquímicas úteis. A fórmula H2O é uma simplificação grosseira do ponto de vista estrutural e é também uma simplificação do ponto de vista atômico. A água natural pode ser uma mistura dos seis nuclídeos listados na Tabela 3.1. A natureza atômica dos isótopos de hidrogênio é ilustrada na Figura 3.1. Dezoito combinações de H-0-H são possíveis usando estes nuclídeos. 2H216O, 1H218O, 3H217O são alguns exemplos das moléculas que compreendem a água, que, na sua forma mais comum, é 1H216O. Dos seis isótopos de hidrogênio e oxigênio na Tabela 3.1, cinco são estáveis e um, 3H, conhecido como trítio, é radioativo, com meia-vida de 12,3 anos.

Tabela 3.1 Isótopos naturais de hidrogênio, oxigênio e carbono radioativo e sua abundância relativa no ciclo hidrológico da água

Isótopo Abundância Relativa
(%)
Tipo
1H Prótio 99,984 Stable
2H Deutério 0,016 Estável
3H Trítio 0 – 10–15 Radioativo
Meia vida de 12,3 anos
16O Oxigênio 99,76 Estável
17O Oxigênio 0,04 Estável
18O Oxigênio 0,20 Estável
14C Carbono <0,001 Radioativo
Meia vida de 5730 anos

Figura 3.1 Isótopos de hidrogênio.

A água pura contém hidrogênio e oxigênio na forma iônica, bem como na forma molecular combinada. Os íons são formados pela dissociação da água, onde os sinais positivo e negativo indicam a carga das espécies iônicas.

\ce{H_2O <=> H + OH-} (3.1)

O hidrogênio pode ocorrer em formas muito diferentes, como ilustrado na Figura 3.2. Embora a forma iônica do hidrogênio na água seja expressa geralmente em equações químicas como H+, ele normalmente se encontra na forma H3O+, que denota um núcleo do hidrogênio circundado por oxigênio, com quatro pares de nuvem eletrônica. Nas discussões das interações das águas subterrâneas com os minerais, um processo conhecido como transferência de prótons denota a transferência de um H+ entre componentes ou fases.

Figura 3.2 Quatro formas de hidrogênio desenhadas em escala relativa. (a) O átomo de hidrogênio, um próton com um elétron. (b) A molécula de hidrogênio, dois prótons separados em uma nuvem de dois elétrons. (c) O núcleo de hidrogénio, ou H+, um próton (d) O íon hidrônio, o oxigênio com quatro pares de nuvem eletrônica, três dos quais são protonados em H3O+.

A água é um solvente para muitos sais e alguns tipos de matéria orgânica. A água é eficaz na dissolução de sais porque tem uma constante dielétrica muito alta e porque suas moléculas tendem a se combinar com íons para formar íons hidratados. A agitação térmica de íons em muitos materiais é grande o suficiente para superar a atração de cargas relativamente fracas que existem quando cercada por água, permitindo assim que um grande número de íons dissocie em solução aquosa. A estabilidade dos íons na solução aquosa é promovida pela formação de íons hidratados. Cada íon carregado positivamente, conhecido como cátion, atrai as extremidades negativas das moléculas polares de água, ligando várias moléculas num arranjo relativamente estável. O número de moléculas de água ligado a um cátion é determinado pelo tamanho do cátion. Por exemplo, o pequeno cátion Be2+ forma o íon hidratado Be(H2O)42+. Íons maiores, tais como Mg2+ ou Al3+, têm formas hidratadas tais como Mg(H2O)62+ e Al(H2O)63+. As espécies carregadas negativamente, conhecidas como ânions, exibem uma menor tendência para a hidratação. Neste caso, os ânions atraem as extremidades positivas das moléculas polares de água. Os tamanhos dos íons na sua forma hidratada são importantes para muitos processos que ocorrem nas águas subterrâneas.

Como resultado das interações químicas e bioquímicas entre as águas subterrâneas e os materiais geológicos através dos quais flui, e em menor grau devido às contribuições da atmosfera e dos corpos de águas superficiais, a água subterrânea contém uma grande variedade de constituintes químicos inorgânicos dissolvidos em diferentes concentrações. A concentração de sólidos totais dissolvidos (STD) na água subterrânea é determinada pesando o resíduo sólido obtido por evaporação até secagem do volume medido da amostra filtrada. O resíduo sólido, quase invariavelmente, consiste em constituintes inorgânicos e pequenas quantidades de matéria orgânica. As concentrações de STD na água subterrânea variam em muitas ordens de grandeza. Uma classificação das águas subterrâneas com base nos STD bastante utilizada é apresentada na Tabela 3.2. As faixas de concentração indicam que água contendo mais de 2.000–3.000 mg/ de STD é geralmente muito salgada para beber. Os STD da água do mar correspondem a cerca de 35.000 mg/.

Tabela 3.2 Classificação das águas subterrâneas com base nos Sólidos Totais Dissolvidos

Categoria Sólidos Totais Dissolvidos
(mg/ ou g/m3)
Água doce 0 – 1.000
Água salobra 1.000 – 10.000
Água salina 10.000 – 100.000
Salmoura Maior que 100.000

A água subterrânea pode ser vista como uma solução eletrolítica porque quase todos os seus principais e menores constituintes dissolvidos estão presentes na forma iônica. Uma indicação geral dos constituintes iônicos dissolvidos totais pode ser obtida pela determinação da capacidade da água de conduzir uma corrente eléctrica aplicada. Esta propriedade é geralmente relatada como condutância elétrica e é expressa em termos da condutância de um cubo de água de 1 cm2 de lado. Corresponde ao recíproco da resistência elétrica e tem unidades conhecidas como siemens (S) ou microsiemens (μS) no sistema SI. No passado, essas unidades eram conhecidas como milimhos e micromhos. Os valores são os mesmos; apenas as designações mudaram. A condutância da água subterrânea varia de várias dezenas de microsiemens para água praticamente não salina como água da chuva até  centenas de milhares de microsiemens para as salmouras em bacias sedimentares profundas.

A classificação das espécies inorgânicas que ocorrem nas águas subterrâneas é apresentada na Tabela 3.3. As categorias de concentração são apenas um guia geral. Em algumas águas subterrâneas, os intervalos de concentração são excedidos. Os constituintes principais na Tabela 3.3 ocorrem principalmente na forma iônica e são comumente referidos como os íons principais (Na+, Mg2+, Ca2+, Cl, \ce{HCO^-_3}, SO42-). A concentração total destes seis íons principais normalmente compreende mais de 90% dos sólidos totais dissolvidos na água, independentemente da água estar diluída ou ter salinidade superior à água do mar.

Tabela 3.3 Classificação dos constituintes inorgânicos dissolvidos nas águas subterrâneas

Principais Constituintes (concentração maior que 5 mg/)
Bicarbonato Silício
Cálcio Sódio
Cloreto Sulfato
Magnésio Ácido Carbônico
Constituintes menores (concentração entre 0,01 e 10,0 mg/)
Boro Fluoreto
Carbonato Nitrato
Estrôncio Potássio
Ferro  
Constituintes traços (concentração menor que 0,1 mg/)
Alumínio Ítrio
Antimônio Lantânio
Arsênio Lítio
Bário Manganês
Berílio Molibdênio
Bismuth Radium
Bismuto Nióbio
Cádmio Ouro
Cério Platina
Césio Prata
Chumbo Rádio
Cobalto Rubídio
Cobre Rutênio
Cromo Selênio
Escândio Tálio
Estanho Titânio
Fosfato Tório
Gálio Vanádio
Iodeto Zinco
Itérbio Zircônio
Fonte: Davis & De Wiest, 1966.

As concentrações dos constituintes inorgânicos maiores, menores e traços nas águas subterrâneas são controladas pela disponibilidade dos elementos no solo e na rocha através dos quais a água circulou, por restrições geoquímicas como solubilidade e adsorção, pelas taxas (cinética) dos processos geoquímicos, e pela sequência na qual a água entrou em contato com os vários minerais que ocorrem nos materiais geológicos ao longo das trajetórias de fluxo. É cada vez mais comum que as concentrações dos constituintes inorgânicos dissolvidos sejam influenciadas pelas atividades humanas. Em alguns casos, as contribuições de fontes artificiais podem fazer com que alguns dos elementos listados como constituintes menores ou traços na Tabela 3.3 ocorram como contaminantes em níveis de concentração que são ordens de grandeza acima dos intervalos normais lá indicados.

Constituintes Orgânicos

Compostos orgânicos são aqueles que têm carbono e geralmente hidrogênio e oxigênio como os principais componentes elementares em sua estrutura. Por definição, o carbono é o elemento-chave. No entanto, as espécies H2CO3, CO2, \ce{HCO^-_3} e CO32-, que são constituintes importantes em todas as águas subterrâneas, não são classificadas como compostos orgânicos.

A matéria orgânica dissolvida é ubíqua na água subterrânea natural, embora as concentrações sejam geralmente baixas comparadas aos constituintes inorgânicos. Pouco se sabe sobre a natureza química da matéria orgânica nas águas subterrâneas. As investigações da água do solo sugerem que a maior parte da matéria orgânica dissolvida nos sistemas de fluxo subterrâneo refere-se ao subterrâneos é o ácido fúlvico e ácido húmico. Estes termos dizem respeito a tipos particulares de compostos orgânicos que persistem em águas subterrâneas porque são resistentes à degradação por microrganismos. Os pesos moleculares destes compostos variam de alguns milhares a muitos milhares de gramas.

O carbono é geralmente cerca de metade do peso da fórmula. Embora pouco se saiba sobre a origem e composição da matéria orgânica na água subterrânea, as análises das concentrações totais de carbono orgânico dissolvido (COD) estão se tornando uma parte comum das investigações de águas subterrâneas. Concentrações no intervalo de 0,1–10 mg/ são as mais comuns, mas em algumas áreas os valores são elevados, atingindo até várias dezenas de miligramas por litro.

Gases Dissolvidos

Os gases dissolvidos mais abundantes na água subterrânea são N2, O2, C2, CH4 (metano), H2S e N2O. Os três primeiros constituem a atmosfera terrestre e, portanto, não é surpreendente a sua ocorrência na água subterrânea. CH4, H2S e N2O podem frequentemente existir nas águas subterrâneas em concentrações significativas porque são o produto de processos biogeoquímicos que ocorrem em zonas subsuperficiais não aeradas. Como será mostrado mais adiante neste capítulo e no Capítulo 7, as concentrações desses gases podem servir como indicadores das condições geoquímicas nas águas subterrâneas.

Os gases dissolvidos podem ter uma influência significativa no ambiente hidroquímico subsuperficial. Eles podem limitar a utilidade das águas subterrâneas e, em alguns casos, podem até causar grandes problemas ou mesmo perigos. Por exemplo, devido ao seu odor, H2S em concentrações superiores a cerca de 1 mg/ tornam a água imprópria para consumo humano. CH4 liberado da solução pode acumular em poços ou edifícios e causar riscos de explosão. Gases que saem da solução podem formar bolhas em poços, telas ou bombas, causando uma redução na produtividade ou eficiência do poço. O Radônio 222 (222Rn), é um constituinte comum das águas subterrâneas, pois, é um produto de decaimento dos elementos radioativos urânio e tório, que são comuns na rocha ou solo, podendo se acumular em concentrações indesejáveis ​​em locais não ventilados. Os produtos de decaimento do Radônio 222 podem ser perigosos para a saúde humana.

Outras espécies de gases dissolvidos ocorrendo em quantidades diminutas nas águas subterrâneas podem fornecer informações sobre fontes de água, idades ou outros fatores de interesse hidrológico ou geoquímico. Destacam-se, neste contexto, Ar, He, Kr, Ne e Xe, cujas utilizações em estudos de águas subterrâneas foram descritas por Sugisaki (1959, 1961) e Mazor (1972).

Unidades de Concentração

Para que se tenha uma discussão plausível dos aspectos químicos da água subterrânea, é necessário especificar as abundâncias relativas do soluto (constituintes químicos orgânicos e inorgânicos dissolvidos) e solvente (água). Tais abundâncias são descritas por meio das unidades de concentração, sendo várias delas apresentadas a seguir.

Molalidade é definida como o número de mols do soluto dissolvido em 1 kg de solvente. Esta é uma unidade no SI, a qual possui símbolo mol/kg. O símbolo no SI derivado para esta quantidade é mB, onde B denota o soluto. Normalmente utiliza-se A para designar o solvente. Um mol de um composto químico é o equivalente a um peso molecular.

Molaridade é o número de mols do soluto em 1 m3 de solução. A unidade no SI para molaridade é definida como mol/m3. É conveniente notar que 1 mol/m3 equivale à 1 mmmol/. A unidade mols por litro, a qual possui o símbolo mmol/, é uma unidade aceita pelo SI e comumente utilizada em estudos sobre água subterrânea.

Concentração em massa é a massa de soluto dissolvido num volume unitário especificado de solução. A unidade no SI para essa quantidade é de quilogramas por metro cúbico, com o símbolo kg/m3. A unidade gramas por litro (g/L) é também aceita no SI. A unidade de concentração em massa mais comumente utilizada na literatura sobre águas subterrâneas é miligramas por litro (mg/). Uma vez que 1 mg/ é igual à 1 g/m3, não há diferença em magnitude desta unidade (mg/) para a aceita pelo SI para concentração (g/m3).

Existem diversas outras unidades para expressar concentração que são utilizadas na literatura sobre água subterrânea mas não são recomendadas pelo SI. Equivalentes por litro (epL) é o número de mols de soluto multiplicado pela sua valência, em 1 litro de solução:

\text{ep}\ell = \frac{\text{mols de soluto} \times \text{val\^encia}}{\text{1 litro de solu\c{c}\~{a}o}}

Equivalentes por milhão (epm) é o número de mols de soluto multiplicado pela sua valência, em 106 g de solução, podendo ser indicado como o número de equivalentes-miligrama de soluto por quilograma de solução:

\text{ep}\epm = \frac{\text{mols de soluto} \times \text{val\^encia}}{10^6 \text{g de solu\c{c}\~{a}o}}

Partes por milhão (ppm) é o número de gramas de soluto em 1 milhão de gramas de solução:

\text{ppm} = \frac{\text{gramas de soluto}}{10^6 \text{g de solu\c{c}\~{a}o}}

Para águas não salinas, 1 ppm equivale à 1g/m3 ou 1 mg/. A fração molar (XB) é a razão entre o número de mols de um dado soluto e o número total de mols de todos os componentes na solução. Se nB é a quantidade de mols de soluto, nA o número de mols de solvente, e nC, nD, . . . o número de mols de outros solutos, a fração molar do soluto B é:

X_B = \frac{n_B}{n_\text{A} + n_\text{B} + n_\text{C} +n_\text{D} + ...}

ou XB, para soluções aquosas, pode ser expressa como

X_B = \frac{m_B}{55.5 + \sum m_{\text{B, C, D}}...}

onde m denota molalidade.

Em procedimentos de análise química, as quantidades são mais convenientemente obtidas utilizando-se balões volumétricos de vidro. As concentrações são, portanto, normalmente expressas no laboratório em termos de massa de soluto num dado volume d’água. A maioria dos laboratórios químicos relata resultados analíticos em miligramas por litro ou em quilogramas por metro cúbico, a qual é a unidade recomendada pelo SI. Quando os resultados das análises químicas são utilizados num contexto geoquímico, é geralmente necessário utilizar dados expressos em molalidade ou molaridade, uma vez que os elementos químicos se combinam para formar compostos de acordo com as relações entre mols de substância ao invés das suas quantias em massa ou peso. Para converter entre molaridade e quilogramas por metro cúbico ou miligramas por litro, a seguinte relação é utilizada:

\text{molaridade} = \frac{\text{miligramas por litro ou gramas por metro c\'{u}bico}}{1000 \times \text{massa molecular}}

Se a água não possuir elevadas concentrações de sólidos totais totais, e se a temperatura for próxima a 4 °C, 1 litro de solução equivale à 1 kg e, neste caso, molalidade e molaridade são equivalentes, sendo 1 mg/ = 1 ppm. Para a maioria dos fins práticos, a água que possui menos de cerca de 10.000 mg/ de sólidos totais totais e encontra-se a temperaturas abaixo de cerca de 100 °C, pode ser considerada como tendo uma densidade suficientemente próxima à 1 kg/ para a utilização dos equivalentes unitários descritos. Se a água tiver salinidade ou temperatura mais elevada, devem ser utilizadas correções de densidade ao se realizar a conversão entre unidades com denominadores de massa e de volume.

3.2 Equilíbrio químico

A Lei de Ação das Massas

Uma das relações mais úteis na análise de processos químicos em águas subterrâneas é a lei de ação das massas. Sabe-se há mais de um século que a força motriz de uma reação química está relacionada com as concentrações dos constituintes que estão reagindo e as concentrações dos produtos da reação. Considere os constituintes B e C reagindo para produzir os produtos D e E,

b\text{B} + c\text{C} \ce{<=>} d\text{D} + e\text{E} (3.2)

onde b, c, d e e são o número de mols dos constituintes químicos B, C, D, E, respectivamente.

A lei de ação das massas expressa a relação entre os reagentes e os produtos quando a reação está em equilíbrio,

K = \frac{[D]^d[E]^e}{[B]^b[C]^c} (3.3)

onde: K é um coeficiente, conhecido como constante de equilíbrio termodinâmico ou constante de estabilidade. Os colchetes especificam que a concentração do constituinte é a concentração termodinamicamente efetiva, normalmente referida como atividade. A Equação (3.3) indica que, para qualquer condição inicial, a reação expressa na Equação (3.2) prosseguirá até os reagentes e produtos atingirem suas atividades de equilíbrio. Dependendo das atividades iniciais, a reação pode ter que prosseguir para a esquerda ou para a direita a fim de atingir essa condição de equilíbrio.

A lei de ação das massas não contém parâmetros que expressam a taxa na qual a reação prossegue, e, portanto, não nos diz nada sobre a cinética do processo químico. Ela é estritamente uma ratificação do equilíbrio. Por exemplo, considere a reação que ocorre quando a água subterrânea flui através de um aquífero calcário composto do mineral calcita (CaCO3). A reação que descreve o equilíbrio termodinâmico da calcita é

\ce{CaCO3 <=> Ca^{2+} + CO3^{2-}} (3.4)

Esta reação prosseguirá para a direita (dissolução do mineral) ou para a esquerda (precipitação do mineral) até que o equilíbrio pela lei de ação das massas seja atingido. Isto pode levar anos ou até mesmo milhares de anos para acontecer. Após uma perturbação no sistema, tais como a adição de reagentes ou remoção de produtos, ele continuará a avançar em direção à condição de equilíbrio. Se a temperatura ou a pressão mudar, o sistema buscará um novo estado de equilíbrio, porque muda a magnitude de K. Se os distúrbios são frequentes em comparação com a taxa de reação, então, o equilíbrio nunca será alcançado. Como veremos no Capítulo 7, algumas interações químicas entre a água subterrânea e os materiais hospedeiros nunca alcançarão o equilíbrio.

Coeficientes de Atividade

Na lei de ação das massas, as concentrações de soluto são expressas como atividades. Atividade e molalidade estão relacionadas por

a_i = m_i \gamma_i (3.5)

onde: ai é a atividade do soluto i, mi a molalidade e γi o coeficiente de atividade. A dimensão de γ corresponde ao recíproco da molalidade (kg/mol) e, portanto, ai é adimensional. Exceto para águas extremamente salinas, γi é menor que 1 para espécies iônicas. Na seção anterior, a atividade foi referida como a concentração termodinamicamente eficaz, pois, é conceitualmente conveniente considerá-la como a parte de mi que realmente participa da reação. O coeficiente de atividade é, portanto, apenas um fator de ajuste que pode ser usado para converter as concentrações, com base na termodinâmica, numa forma apropriada para uso na maioria das equações.

O coeficiente de atividade de um determinado soluto é o mesmo em todas as soluções que possuem a mesma intensidade iônica. A intensidade iônica é definida pela relação

I = \frac{1}{2} \sum m_i z_i ^2 (3.6)

onde: mi é a molalidade da espécie i e zi é a valência, ou carga, daquele íon. Para a água subterrânea, considerando os seis principais íons mais comuns como os únicos constituintes iônicos, é possível escrever,

I = \ce{\frac{1}{2}[(Na+) + 4(Mg^{2+}) +4(Ca{2+}) + (HCO^-_3) + (Cl-) + 4(SO^{2-}_4)]} (3.7)

onde as quantidades entre parênteses são molalidades. Para obter valores para γi as relações gráficas de γ versus I ilustradas na Figura 3.3 podem ser usadas para os constituintes inorgânicos comuns, enquanto que, para soluções diluídas, uma relação expressa pela equação de Debye-Hückel pode ser usada (Apêndice IV). Para intensidades iônicas abaixo de 0,1, os coeficientes de atividade para muitos dos íons menos comuns podem ser estimados pela tabela Kielland, que também está incluída no Apêndice IV. Para uma discussão sobre a base teórica para as relações do coeficiente de atividade, o leitor deve consultar Babcock (1963). Comparações entre os valores calculados e experimentais dos coeficientes de atividade são realizadas por Guenther (1968).

Figura 3.3 Coeficiente de atividade em função da intensidade iônica para constituintes iônicos comuns na água subterrânea.

Equilíbrio e Energia Livre

Do ponto de vista termodinâmico, o estado de equilíbrio é aquele de máxima estabilidade na direção do qual um sistema físico-químico fechado prossegue devido a processos irreversíveis (Stumm & Morgan, 1970). Os conceitos de estabilidade e instabilidade para um sistema mecânico simples servem para ilustrar o conceito de equilíbrio termodinâmico. Exemplos semelhantes têm sido usados por Guggenheim (1949) e outros. Considere três diferentes “posições de equilíbrio” de uma caixa retangular sobre uma superfície horizontal [Figura 3.4 (a)]. A posição 3 é a posição mais estável que a caixa pode alcançar. Nesta posição, a energia potencial gravitacional é mínima e se a posição for ligeiramente perturbada, ela retornará para a condição de equilíbrio estável. Na posição 1, a caixa está também em uma posição de equilíbrio para a qual irá retornar se for apenas ligeiramente perturbada. Mas, nesta posição, a energia potencial não é mínima, sendo referida como uma condição de equilíbrio metaestável. Se a caixa na posição 2 é perturbada apenas ligeiramente, a caixa se moverá para uma nova posição. A posição 2, portanto, é uma condição de equilíbrio instável.

Uma analogia entre o sistema mecânico e o sistema termodinâmico é ilustrada na Figura 3.4 (b). De acordo com Stumm & Morgan (1970), um perfil hipotético e generalizado de energia ou entropia é mostrado como uma função de estado do sistema. As condições de equilíbrio estável, metaestável e instável são representadas por depressões e picos na função energia ou entropia. Se o sistema químico existe em condições fechadas de temperatura e pressão constantes, sua resposta à mudança pode ser descrita em termos de uma função de energia em particular, conhecida como energia livre de Gibbs, em homenagem a Willard Gibbs, o fundador da termodinâmica clássica. Esta direção de possíveis alterações em resposta a mudanças numa variável de composição é acompanhada por uma diminuição na energia livre de Gibbs. O estado C é o mais estável porque tem uma mínima energia livre absoluta de Gibbs sob condições de sistema fechado a pressão e temperatura constantes. O estado A é estável em relação a estados de sistemas infinitesimalmente próximos, mas é instável em relação a uma mudança finita em direção ao estado C. Os processos naturais prosseguem em direção a estados de equilíbrio e nunca para longe deles. Portanto, o equilíbrio termodinâmico é encontrado em condições de equilíbrio metaestáveis e estáveis, mas não de equilíbrio instável.

Figura 3.4 Conceitos no equilíbrio mecânico e químico. (a) Equilíbrio metaestável, instável e estável num sistema mecânico. (b) Metaestabilidade, instabilidade e estabilidade para diferentes estados energéticos de um sistema termodinâmico (conforme Stumm & Morgan, 1970).

A força motriz em uma reação química é comumente representada pela energia livre de Gibbs da reação, denotada como ΔGr. Para sistemas a temperatura e pressão constantes, ΔGr representa a variação da energia interna por unidade de massa e é uma medida da capacidade da reação em realizar trabalho não-mecânico. Uma vez que neste texto nosso objetivo na utilização de dados termodinâmicos consiste em determinar as direções para as quais as reações prosseguirão e na obtenção de valores numéricos para as constantes de equilíbrio, há pouca necessidade de considerar diretamente os componentes termodinâmicos que compõem ΔGr. Para um desenvolvimento da teoria da termodinâmica química, o leitor deve consultar o texto de Denbigh (1966), enquanto que uma discussão abrangente sobre a termodinâmica de sistemas de solo foi realizada por Babcock (1963).

A condição de equilíbrio químico pode ser definida como:

∑ energia livreproductos – ∑ energia livrereagentes = 0 (3.8)

O próximo passo neste desenvolvimento é relacionar as mudanças de energia livre das reações com suas constantes de equilíbrio. Para fazer isso, é necessário um conveniente sistema de contabilidade da energia livre. A energia livre padrão de formação, \Delta G^0_f, é definida como a energia livre da reação para produzir 1 mol de uma substância a partir dos elementos estáveis ​​em condições que são especificadas como condições de estado-padrão. Por convenção, é atribuído à energia livre padrão de elementos em seu estado químico puro mais estável um valor igual a zero. Similarmente, é conveniente tomar como zero o \Delta G^0_f do íon hidrogênio. Por exemplo, o carbono como grafite e oxigênio como 02 têm valores de \Delta G^0_f iguais a zero, mas 1 mol de dióxido de carbono gasoso tem um valor de \Delta G^0_f de –386,41 kJ (–92,31 kcal), que é a energia liberada quando o CO2 se forma a partir dos elementos estáveis em seu estado padrão. O estado padrão de água pura é definido como unitário à temperatura e pressão da reação e para solutos o estado padrão é uma concentração unimolar em uma condição hipotética onde o coeficiente de atividade é unitário ou, em outras palavras, em uma condição onde a atividade é igual à molalidade. Para os gases, o estado padrão é o gás puro (ideal) a uma pressão total de 1 bar à temperatura da reação. Esse sistema de estados-padrão definidos arbitrariamente pode, a princípio, parecer desnecessariamente complexo, mas na prática conduz a um sistema consistente de contabilidade. Uma discussão mais detalhada dos estados-padrão é fornecida por Berner (1971).

A mudança da reação de energia livre padrão, \Delta G^0_r, é a soma das energias livres de formação dos produtos em seus estados-padrão menos as energias livres de formação dos reagentes em seus estados-padrão:

\Delta G_r^0 = \sum \Delta G_f^0 \hspace{1mm} \text{productos} - \sum \Delta G_f^0 \hspace{1mm} \text{reagentes} (3.9)

Para a reação geral na Eq. (3.2), a mudança na energia livre da reação está relacionada à mudança de energia livre padrão e às atividades de cada um dos reagentes e produtos, medidos à mesma temperatura, pela expressão:

\Delta G_r = \Delta G_r^0 + RT \hspace{1mm}\text{ln} \frac{[D]^d[E]^e}{[B]^b[C]^c} (3.10)

onde: R é a constante universal dos gases e T é a temperatura em graus Kelvin. A 25 °C, R = 8,314 J/K • mol ou 0,001987 kcal/K • mol. A conversão das temperaturas na escala de Celsius para aquelas na escala de Kelvin é feita através da relação K = °C + 273,15. Para que uma reação química prossiga espontaneamente conforme escrita, ΔGr deve ser menor que zero, ou, em outras palavras, deve haver uma diminuição na energia livre final. Se ΔGr > 0, a reação só pode proceder da direita para a esquerda. Se ΔGr = 0, a reação não irá prosseguir em qualquer direção, pois, nesse caso, a condição de equilíbrio foi alcançada. De acordo com a nossa definição de estados padrão para solutos (condição unimolal onde γ = 1), \Delta G^0_r = ΔGr no estado padrão porque [D]d[E]e/[B]b[C]c = 1 e, portanto, o logaritmo natural desse termo é zero. A substituição da relação de equilíbrio constante [Eq. (3.3)] na Eq. (3.10) produz, para as condições de equilíbrio,

\Delta G_r^0 = - RT \hspace{1mm}\text{ln} K (3.11)

Para condições de estado padrão, a constante de equilíbrio pode ser obtida a partir de dados de energia livre por meio das relações

\log K = -0.175 \Delta G_r^0 (\text{para} \hspace{1mm} \Delta G_r^0 \hspace{1mm} \text{in kJ/mol})
(3.12)

\log K = -0.733 \Delta G_r^0 (\text{para} \hspace{1mm} \Delta G_r^0 \hspace{1mm} \text{in kcal/mol})

onde: \Delta G^0_r pode ser obtido a partir da Eq. (3.9) usando dados de \Delta G^0_f. Os valores de \Delta G^0_f a 25 °C e 1 bar foram calculados para milhares de minerais, gases e espécies aquosas que ocorrem nos sistemas geológicos (Rossini et al., 1952; Sillen & Martell, 1964, 1971). Tabelas menos abrangentes que são convenientes para uso por parte dos estudantes estão incluídas nos textos de Garrels & Christ (1965), Krauskopf (1967), e Berner (1971).

Em comparação com a abundância de dados de \Delta G^0_f para condições de 25 °C e 1 bar de pressão total, há uma escassez de dados para outras temperaturas e pressões. A pressão tem apenas um ligeiro efeito sobre os valores de \Delta G^0_f e, consequentemente, tem pouca influência sobre a constante de equilíbrio. Para fins práticos, despreza-se a variação em K nas pressões dos fluidos encontradas normalmente a centenas de metros da superfície da crosta terrestre. Contudo, mudanças de vários graus podem causar alterações significativas na constante de equilíbrio. Para obter estimativas de valores de K em outras temperaturas, pode ser usada para a compreensão do comportamento da solução uma expressão conhecida como relação de van’t Hoff, em homenagem ao físico-químico holandês por suas contribuições importantes no final do século 19 e início do século 20:

\log K_T = \log K_{T^*} - \frac{\Delta H_{T^*}}{2.3 R}\left( \frac{1}{T} - \frac{1}{T^*} \right) (3.13)

onde: T* é a temperatura de referência, geralmente 298,15 K (25 °C), T é a temperatura da solução, e ΔHT é a entalpia. Os dados de entalpia para muitos dos minerais, gases e espécies dissolvidas de interesse estão expressos nas tabelas referenciadas acima. Como a equação de van’t Hoff considera apenas duas temperaturas e assume uma relação linear entre elas, apenas valores aproximados são produzidos. A melhor abordagem consiste em desenvolver relações de interpolação específicas a partir de dados de energia livre numa ampla gama de temperaturas, caso tais dados estejam disponíveis.

Para ilustrar o uso de dados de \Delta G^0_f para obter constantes de equilíbrio, considere a reação de dissolução da calcita como expressa na Eq. (3.4). Os valores de \Delta G^0_f para CaCO3 puro, Ca2+ e CO32- são –1129,10, 553,04 e –528,10 kJ, respectivamente, a 25 °C e 1 bar. Portanto, a energia livre padrão da reação é

\Delta G^0_r = (-553.04 - 528.10) - (-1129.10)

Da Eq. (3.12) obtemos, para 25 °C e 1 bar,

\log K_{\text{calcite}} = -8.40 \hspace{0.5cm} \text{ou} \hspace{0.5cm} K_c = 10^{-8.40}

Gases Dissolvidos

Quando a água é exposta a uma fase gasosa, estabelece-se um equilíbrio entre o gás e o líquido através da troca de moléculas na interface gás-líquido. Se a fase gasosa for uma mistura de mais de um gás, será estabelecido um equilíbrio para cada gás. A pressão que cada gás exerce na mistura é a sua pressão parcial, que é definida como a pressão que o componente específico do gás iria exercer se ocupasse o mesmo volume sozinho. A lei de pressões parciais de Dalton afirma que, numa mistura de gases, a pressão total é igual à soma das pressões parciais. A pressão parcial de um vapor é também referida como a pressão de vapor.

A água subterrânea contém gases dissolvidos como resultado de (1) exposição à atmosfera terrestre antes da infiltração no ambiente subsuperficial, (2) contato com gases do solo durante a infiltração através da zona não saturada, ou (3) ou produção de gases abaixo do nível d´água por reações químicas ou bioquímicas envolvendo a água subterrânea, minerais, matéria orgânica e atividade bacteriana.

Provavelmente o mais importante dos gases dissolvidos na água subterrânea é o CO2. Duas reações que descrevem a interação entre CO2 gasoso e suas espécies dissolvidas são,

\ce{CO2 (g) + H2O <=> CO2(aq) + H2O} (3.14)

\ce{CO2(g) + H2O <=> H2CO3(aq)} (3.15)

onde os sufixos (g) e (aq) denotam espécies gasosas e dissolvidas, respectivamente. A razão CO2(aq)/H2CO3 é muito maior do que a unidade em soluções aquosas; contudo, é habitual designar todo o CO2 dissolvido em água como H2CO3 (ácido carbônico). Este uso não resulta em perda de generalidade, desde que seja mantida a consistência no tratamento desta espécie molecular dissolvida. Esses assuntos são discutidos em detalhes por Kern (1960).

A pressão parcial de um gás dissolvido é a pressão parcial na qual o gás dissolvido estaria em equilíbrio se a solução estivesse em contato com uma fase gasosa. É prática comum referir-se à pressão parcial de um soluto tal como H2CO3 ou O2 dissolvido mesmo que a água possa estar isolada da fase gasosa. Por exemplo, podemos nos referir à pressão parcial de CO2 dissolvido em água subterrânea mesmo que a água esteja isolada da atmosfera terrestre e dos gases nos espaços dos poros vazios acima do nível d´água.

Em soluções diluídas, a pressão parcial de um soluto, expressa em bars (1 bar = 105 N/m2), é proporcional à sua molalidade. Esta é uma consequência da lei de Henry. É aplicável a gases que não são muito solúveis, como CO2, O2, N2, CH4 e H2S. Da aplicação da lei de ação de massas à Eq. (3.15),

K_\ce{CO2} = \ce{\frac{[H2CO3]}{[H2O][CO2(g)]}} (3.16)

Como a atividade de H2O é unitária, exceto para soluções muito salinas, e uma vez que a pressão parcial de CO2 em bars é igual à sua molalidade, a Eq. (3.16) pode ser expressa como

K_\ce{CO2} = \frac{\ce{[H2CO3]}}{\gamma_\ce{CO2} \cdot P_\ce{CO2}} (3.17)

onde: γCO2 é o coeficiente de atividade para CO2 dissolvido e PCO2 é a pressão parcial em bars. Com esta expressão, pode ser calculada a pressão parcial de CO2 que existiria em equilíbrio numa solução com determinada atividade de H2CO3. Os coeficientes de atividade para espécies solutas neutras tais como os gases dissolvidos (CO2, O2, H2S, N2, etc.) são maiores que a unidade. A solubilidade destes gases na água, portanto, diminui com o aumento da intensidade iônica. Este efeito é conhecido como extração salina.

Além da sua dependência da intensidade iônica, o coeficiente de atividade pode ser influenciado pelo tipo de eletrólito presente na água. Por exemplo, a uma dada intensidade iônica, CO2 é menos solúvel (isto é, tem um maior coeficiente de atividade) numa solução de NaCl do que numa solução de KCl. A maioria dos problemas geoquímicos de interesse na hidrologia das águas subterrâneas envolve soluções com intensidades iônicas inferiores a 0,1 ou 0,2. É prática comum, portanto, que o coeficiente de atividade do gás dissolvido seja aproximado como um valor unitário.

Consequentemente, nestas condições, a Eq. (3.17) se reduz à relação

K_\ce{CO2} = \frac{\ce{[H2CO3]}}{P_\ce{CO2}} (3.18)

3.3 Associação e Dissociação de Espécies Dissolvidas

A Condição de Eletroneutralidade

Antes de prosseguir com a discussão dos processos e consequências das interações químicas entre as águas subterrâneas e os materiais geológicos percolados, será considerado o comportamento dos constituintes dissolvidos na fase líquida sem interações com as fases sólidas.

Uma condição fundamental das soluções eletrolíticas é que, em escala macroscópica ao invés de molecular, existe uma condição de eletroneutralidade. A soma das cargas iônicas positivas é igual à soma das cargas iônicas negativas, ou

\sum zm_c = \sum zm_a (3.19)

onde z é a valência iônica, mc a molalidade das espécies catiônicas, e ma a molalidade das espécies aniônicas. Esta é conhecida como a equação de eletroneutralidade ou equação de balanço de carga, sendo usada em quase todos os cálculos envolvendo interações de equilíbrio entre a água e os materiais geológicos.

Uma indicação da precisão dos dados da análise de água pode ser obtida utilizando a equação de balanço de carga. Por exemplo, se uma amostra de água é analisada para os principais constituintes listados na Tabela 3.3, e se os valores de concentração forem substituídos na Equação (3.19) como

\ce{(Na+) + 2(Mg^{2+}) + 2(Ca^{2+}) = (Cl^-) + (HCO^-_3) + 2(SO4^{2-})} (3.20)

as quantidades obtidas nos lados esquerdo e direito da equação devem ser aproximadamente iguais. O silício não está incluído nessa relação porque ocorre preferencialmente em forma neutra ao invés da forma carregada. Se ocorrer desvio significativo da igualdade, deve ter havido (1) erros analíticos nas determinações das concentrações ou (2) espécies iônicas em concentrações significativas não foram incluídas na análise. A prática comum é expressar o desvio da igualdade na forma

E = \frac{\sum zm_c - \sum zm_a}{\sum zm_c + \sum zm_a} \times 100 (3.21)

onde E é o erro do balanço de carga expresso em percentagem e os outros termos como já definidos.

Os laboratórios de análise de água normalmente consideram aceitável um erro no balanço de carga menor que 5%, embora para alguns tipos de águas subterrâneas muitos laboratórios consistentemente alcançam resultados com erros muito menores que este. Deve-se ter em mente que um erro aceitável no balanço de carga pode ocorrer em situações onde erros consideráveis nas análises de íons específicos se equilibram entre si. A avaliação do erro do balanço de carga não pode, portanto, ser utilizada como único meio de detecção de erros analíticos.

Para efeitos de cálculo do erro de balanço de carga, os resultados das análises químicas são às vezes expressos em miliequivalentes por litro. Quando estas unidades são utilizadas, os termos de valência são omitidos da Eq. (3.20).

Dissociação e Atividade da Água

No estado líquido, a água sofre a dissociação de equilíbrio,

\ce{H2O <=> H+ + OH-} (3.22)

a qual, a partir da lei de ação das massas, pode ser expressa como

K_w = \ce{\frac{[H]^+[OH^-]}{[H2O]}} (3.23)

onde os colchetes indicam atividades. Será considerado que a atividade da água pura tem o valor unitário nas condições do estado padrão. Será considerada a condição de referência correspondendo a 25 °C e 1 bar. Uma vez que o vapor d´água a pressões baixas ou moderadas se comporta como gás ideal, a atividade da água em solução aquosa pode ser expressa como

\ce{[H2O]} = \frac{P_\ce{H2O}}{P^*_\ce{H2O}} (3.24)

onde P^*_{\ce{H2O}} é a pressão parcial de vapor para a água pura e PH2O é a pressão parcial de vapor para a solução aquosa. A 25 °C e 1 bar, a atividade da água é 0,98 numa solução de NaCl a uma concentração semelhante à da água do mar, que é aproximadamente 3%, enquanto que é 0,84 numa solução de NaCl a 20%. Assim, exceto para águas altamente concentradas, como as salmouras, a atividade da água pode ser considerada como unitária. Neste caso

K_w = \ce{[H+][OH^-]} (3.25)

Os valores de Kw para temperaturas entre 0 e 50 °C estão listados na Tabela 3.4. Uma vez que o efeito da pressão do fluido tem pouca influência, esta expressão é também aceitável para pressões até cerca de 100 bars. Para pressões de 1000 bars e a 25 °C, a atividade da água é 2,062 (Garrels & Christ, 1965).

Tabela 3.4 Constantes de equilíbrio para a dissociação da água, 0–60 °C

t (°C) Kw × 10–14
0 0,1139
5 0,1846
10 0,2920
15 0,4505
20 0,6809
25 1,008
30 1,469
35 2,089
40 2,919
45 4,018
50 5,474
55 7,297
60 9,614
Fonte: Garrels & Christ, 1965.

Uma vez que o pH é definido como o logaritmo negativo da atividade do íon hidrogênio, a água a 25 °C e pH igual a 7 tem atividades iguais de H+ e OH ([H+] = [OH] = 1,00 × 10–7). A temperaturas mais baixas, a igualdade das atividades de H+ e OH ocorre em valores mais altos de pH e vice-versa para temperaturas mais elevadas. Por exemplo, a 0 °C a igualdade ocorre a um pH de 7,53 e, a 50 °C, num pH de 6,63.

Ácidos Polipróticos

O ácido mais importante nas águas subterrâneas naturais e em muitas águas subterrâneas contaminadas é o ácido carbônico (H2CO3), que se forma quando o dióxido de carbono (CO2) combina com a água [Eq. (3.15)]. O ácido carbônico pode se dissociar em mais de uma etapa a partir da transferência de íons hidrogênio (prótons) através das reações

\ce{H2CO3 <=> H+ + HCO^-_3} (3.26)

\ce{HCO^-_3 <=> H+ + CO3^{2-}} (3.27)

Como os íons hidrogênio são comumente chamados de prótons por químicos e porque há a dissociação de mais de um íon hidrogênio, o ácido carbônico é conhecido como um ácido poliprótico. Outro ácido poliprótico que ocorre na água subterrânea, embora em concentrações muito menores do que o ácido carbônico, é o ácido fosfórico, que se dissocia em três etapas:

\ce{H3PO4 <=> H2PO^-_4 + H+} (3.28)

\ce{H2PO^-_4 <=> HPO4^{2-} + H+} (3.29)

\ce{HPO4^{2-} <=> PO4^{3-} + H+} (3.30)

Uma vez que as equações de dissociação para todos os ácidos polipróticos envolvem H+, é possível calcular a fração do ácido na sua forma molecular ou em qualquer uma das suas formas aniônicas como função do pH. Por exemplo, para o ácido carbônico, as constantes de dissociação para as Equações (3.26) e (3.27) podem ser expressas de acordo com o balanço de massa como

K_\ce{H2CO3} = \ce{\frac{[H+][HCO^-_3]}{[H2CO3]}} (3.31)

K_\ce{HCO^-_3} = \ce{\frac{[H+][CO3^{2-}]}{[HCO^-_3]}} (3.32)

Uma expressão do balanço de massa para o carbono no ácido e sua forma aniônica dissociada, expressa em molalidade, é

\text{DIC} = \ce{(H2CO3) + (HCO^-_3) + (CO3^{2-})} (3.33)

onde CID é a concentração de carbono inorgânico dissolvido total nestas espécies. Se selecionarmos um valor arbitrário de 1 para CID, e reescrevemos a Equação (3.33) em termos de pH, \ce{HCO^-_3}, KH2CO3 e K_{\ce{HCO^-_3}}, e, então, em termos de pH, CO32- e constantes de dissociação, são obtidas equações para a concentração relativa de H2CO3, \ce{HCO^-_3} e CO3 em função do pH. Elas são expressas graficamente na Figura 3.5 (a).

Figura 3.5 Distribuição de espécies predominantes de (a) carbono inorgânico dissolvido e (b) fósforo inorgânico em água a 25 °C.

Em pH mais baixo, H2CO3 é a espécie dominante e, em pH elevado, CO32- é a espécie dominante. Na maior parte do intervalo normal do pH das águas subterrâneas (6–9), \ce{HCO^-_3} é a espécie dominante. É por isso que \ce{HCO^-_3}, ao invés de CO32- ou H2CO3, é listado na Tabela 3.3 como um dos principais constituintes inorgânicos dissolvidos na água subterrânea. Seguindo uma análise semelhante, são obtidas as concentrações relativas das espécies de fósforo dissolvidas, conforme ilustradas na Figura 3.5 (b). Na faixa de pH normal das águas subterrâneas, \ce{H2PO^-_4} e HPO42– são as espécies dominantes.

Íons Complexos

Análises químicas dos constituintes dissolvidos na água subterrânea indicam a concentração total dos constituintes, mas não a forma na qual eles ocorrem na água. Alguns constituintes estão presentes quase que totalmente na forma iônica. Por exemplo, o cloro está presente como o íon cloreto, Cl. Cálcio e magnésio, entretanto, estão presentes na forma iônica livre, Ca2+ e Mg2+, em associações iônicas inorgânicas como as espécies descarregadas (valência-zero), \ce{CaSO^{\circ}_4}, \ce{CaCO^{\circ}_3} \ce{MgSO^{\circ}_4} e \ce{MgCO^{\circ}_3}, e as associações carregadas, \ce{CaHCO^{+}_3} e \ce{MgHCO^{+}_3}. Estas associações carregadas e descarregadas são conhecidas como complexos ou, em alguns casos, como pares de íons. Os complexos são formados pelas forças de atração elétrica entre os íons de cargas opostas. Algumas espécies inorgânicas, como o alumínio, ocorrem dissolvidas na forma de Al3+, como o complexo positivamente carregado ou par de íons, [Al(OH)]2+, e os complexos com ligações covalentes como [Al2(OH)2]4+, [Al6(OH15)]3+, e [Al(OH)4]. A concentração total dissolvida de uma espécie inorgânica Ci pode ser expressa como

C_i = \sum C_{\text{ions livre}} + \sum C_{\text{complexos inorg\^{a}nicos}} + \sum C_{\text{complexos org\^{a}nicos}} (3.34)

A ocorrência de íons complexos pode ser tratada usando a lei de ação de massas. Por exemplo, a formação de \ce{CaSO^{\circ}_4}  pode ser expressa como

\ce{Ca^{2+} + SO4^{2-} <=> CaSO^o_4} (3.35)

com a relação de equilíbrio

K_{\ce{CaSO4^o}} = \ce{\frac{[Ca^{2+}][SO4^{2-}]}{[CaSO^o_4]}} (3.36)

onde K_{\ce{CaSO^{\circ}_4}} é a constante de equilíbrio termodinâmico, algumas vezes referida como constante de dissociação, e os termos entre parênteses são as atividades. Os valores de concentração para os íons livres estão associados com a atividade por intermédio da relação entre a intensidade iônica e o coeficiente da atividade, conforme descrito na Seção 3.2. O coeficiente de atividade para o complexo neutro, \ce{CaSO^{\circ}_4}, é tido como unidade. Valores para o K_{\ce{CaSO^{\circ}_4}} e constantes de equilíbrio para outros pares inorgânicos e complexos podem ser estimados usando a Eq. (3.12).

A Tabela 3.5 mostra os resultados das análises químicas de águas subterrâneas expressas tanto em miligramas por litro (ou gramas por metro cúbico) quanto molalidade. As concentrações de íons livres e complexos iônicos inorgânicos foram calculadas a partir das concentrações analíticas totais, conforme descrito  abaixo. Nesta amostra (Tabela 3.5), os únicos complexos que ocorrem em concentrações apreciáveis são os de sulfato; 18% do sulfato total está complexado. Quando a água subterrânea possui grande concentração de sulfato, os complexos de sulfato são normalmente importantes. O procedimento pelo qual as concentrações de complexos de íons livres na Tabela 3.5 foram calculadas é descrito por Garrels & Christ (1965) e Truesdell & Jones (1974).

Constituintes inorgânicos em águas subterrâneas também podem formar complexos dissolvidos com compostos orgânicos como os ácidos fúlvicos e húmicos. Em águas subterrâneas naturais, as quais raramente possuem carbono orgânico dissolvido com concentrações maiores que 10 mg/, a complexação dos íons principais com a matéria orgânica dissolvida é provavelmente insignificante. Entretanto, em águas subterrâneas contaminadas, a migração de compostos inorgânicos perigosos como complexos orgânicos pode ser muito importante.

Tabela 3.5 Análise química de água subterrânea expressa como resultados analíticos e como espécies dissolvidas estimadas

  Resultados analíticos do laboratório Espécies dissolvidas estimadas
Constituinte Dissolvido mg/ ou g/m3 Molalidade × 10–3 Concentração
de íons livres
(molalidade × 10–3)
SO42–
ion pairs*
(molalidade × 10–3)
\ce{HCO}^-_3
ion pairs†
(molalidade × 10–3)
CO32–
ion pairs‡
(molalidade × 10–3)
Ca 136 3,40 2,61 0,69 0,09 0,007
Mg 63 2,59 2,00 0,47 0,12 0,004
Na 325 14,13 14,0 0,07 0,06 0,001
K 9.0 0,23 0,23 0,003 <0,0001 <0,0001
Cl 40 1,0 1,0      
SO4 640 6,67 5,43      
HCO3 651 10,67 10,4      
CO3 0,12 0,020 0,0086      
DIC 147,5 12,29 CO32–, CID calculado a partir de HCO3 e pH
Temp. = 10 °C, pH = 7,20, pressão parcial de CO2 (calculada) = 3,04 × 10–2 bar
∑ cátions (analíticos) = 26,39 meq/ \hspace{1cm} \sum ânions (analíticos) = 25,17
∑ cátions (estimados) = 23,64 meq/ \hspace{1cm} \sum ânions (estimados) = 22.44
Erro no total de cátions-ânions (erro no balanço de carga) (analítico) = 2,9%
Erro no total de cátions-ânions (erro no balanço de carga) (estimado) = 2,7%


*\text{SO}_4^{2-} complexos = CaSO^{\text{o}}_4, MgSO^{\text{o}}_4, NaSO^{\text{o}}_4, Na_2, SO^{\text{o}}_4, KSO^-_4.
\ce{HCO^-_3} complexos = CaHCO^-_3, MgHCO^-_3, NaHCO^{\text{o}}_3.
\text{CO}_3^{2-} complexos = CaCO^{\text{o}}_3, MgCO^{\text{o}}_3, NaCO^-_3.

Cálculo de Espécies Dissolvidas

Dependendo do método de análise usado no laboratório, os resultados da análise de carbono inorgânico podem ser expressos como total de carbono inorgânico dissolvido (CID) ou como \ce{HCO^-_3}. Cada um desses tipos de dados podem ser usados, juntamente com valores de pH, para calcular as concentrações de H2CO3, CO32-, \ce{HCO^-_3} ou CID, e a pressão parcial de CO2. As Equações (3.18), (3.20), (3.31), (3.32) e (3.33) servem como base para os cálculos. Se a água não é salina, a atividade de H2O e os coeficientes das atividade de CO2 e H2CO3 são assumidos como unidade. Deve-se ter em mente que as Eqs. (3.18), (3.31) e (3.32) são expressas em atividade, enquanto que as Eqs. (3.20) e (3.33) em molalidade. Se na análise química da água a concentração de \ce{HCO^-_3} e o pH são determinados, a Eq. (3.31) pode ser utilizada, bem como a Eq. (3.5) para a conversão entre concentrações e atividades, de maneira a obter a atividade e concentração de H2CO3. A substituição da atividade de H2CO3 na Eq. (3.18) gera a pressão parcial de CO2 em bars. A atividade de CO32- pode ser calculada pela Eq. (3.32) e então convertida para concentração pela Eq. (3.5). Substituindo os valores da concentração na Eq. (3.33), obtém-se a concentração do CID. A precisão do resultado calculado é fortemente dependente da precisão da medida do pH. Para se obter um dado de pH confiável, é necessário realizar a sua medida no campo. Isto é discutido posteriormente na Seção 3.9.

Na ilustração seguinte do método para cálculo da concentração dos íons-livres e complexos, será assumido que apenas os complexos cátion-sulfato ocorrem em concentrações significantes. As relações de equilíbrio de interesse são, portanto,

K_{\ce{CaSO4^o}} = \ce{\frac{[Ca^{2+}][SO4^{2-}]}{[CaSO^o_4]}} (3.37)

K_{\ce{MgSO4^o}} = \ce{\frac{[Mg^{2+}][SO4^{2-}]}{[MgSO^o_4]}} (3.38)

K_{\ce{NaSO4^-}} = \ce{\frac{[Na^{2+}][SO4^{2-}]}{[NaSO^-_4]}} (3.39)

Do princípio da conservação de massa, pode ser escrito

\ce{Ca(total) = (Ca^{2+}) + (CaSO^o_4)} (3.40)

\ce{Mg(total) = (Mg^{2+}) + (MgSO^o_4)} (3.41)

\ce{Na(total) = (Na+) + (NaSO^-_4)} (3.42)

\ce{SO4(total) = (SO4^{2-}) + (CaSO^o_4) + (MgSO^o_4) + (NaSO^-_4)} (3.43)

As concentrações de Ca(total), Mg(total), Na(total), e SO4(total) são aquelas obtidas em análises laboratoriais. Assim sendo, nós temos sete equações e sete incógnitas  (Na+, Mg2+, Ca2+, SO42-, \ce{NaSO^-_4}, \ce{MgSO^{\circ}_4}, e \ce{CaSO^{\circ}_4}). As equações podem ser resolvidas manualmente usando o método de aproximações sucessivas descrito por Garrels & Christ (1965). Conversões entre atividades e molalidades são obtidas usando a relação entre a intensidade iônica e os coeficientes de atividade indicada na discussão das Eq. (3.5) e (3.6). Em muitos casos, a intensidade iônica calculada a partir dos valores de concentração total possui precisão aceitável. Em soluções salinas, entretanto, a intensidade iônica deve ser ajustada para o efeito dos complexos.

O processo de cálculo de concentrações de íons-livres e complexos pode ser bem tedioso e demorado, particularmente quando os complexos de sulfato, bicarbonato e carbonato estiverem todos incluídos nos cálculos. Atualmente, tornou-se mais comum a realização dos cálculos a partir do uso de computador. Há muitos programas de computador bem documentados e amplamente usados que são disponíveis para esse propósito. Dois dos melhores programas disponíveis para uso são aqueles de Truesdell & Jones (1974), os quais foram empregados  para obter os resultados apresentados na Tabela 3.5, e de Kharaka & Barnes (1973). O processamento de dados químicos de águas subterrâneas usando programas deste tipo está se tornando praticamente um processo padrão quando se deseja interpretar análises químicas num contexto geoquímico.

3.4 Efeitos dos Gradientes de Concentração

A difusão em soluções é o processo pelo qual os constituintes iônicos ou moleculares da solução se movem sob a influência da sua atividade cinética na direção do seu gradiente de concentração. A difusão ocorre na ausência de qualquer movimento hidráulico da solução. Se a solução está fluindo, a difusão é um mecanismo que, juntamente com a dispersão mecânica, causa a mistura de componentes iônicos ou moleculares. A difusão cessa apenas quando os gradientes de concentração se tornam inexistentes. O processo de difusão é referido muitas vezes como auto-difusão, difusão molecular, ou difusão iônica.

A massa do soluto que passa através de uma determinada seção transversal por unidade de tempo é proporcional ao gradiente de concentração. Isso é conhecido como a primeira lei de Fick e pode ser expressa como

F = -D\frac{dC}{dx} (3.44)

onde F, que é o fluxo de massa, corresponde à massa de soluto por unidade de área por unidade de tempo [M/L2T]; D é o coeficiente de difusão [L2/T]; C é a concentração de soluto [M/L3]; e dC/dx é o gradiente de concentração, o qual é negativo na direção da difusão. Os coeficientes de difusão para eletrólitos em soluções aquosas são bem conhecidos. Os principais íons em águas subterrâneas (Na+, K+, Mg2+, Ca2+, Cl, \ce{HCO^-_3}, SO42-) têm coeficientes na faixa de 1 × 10–9 a 2 × 10–9 m2/s a 25 °C (Robinson & Stokes, 1965). Os coeficientes de difusão são dependentes da temperatura. A 5 °C, por exemplo, os coeficientes são cerca de 50% menores. O efeito da intensidade iônica é muito pequeno.

Em meios porosos, os coeficientes de difusão aparentes para estes íons são muito menores do que em água. Isso ocorre porque os íons seguem caminhos de difusão mais longos, causados pela presença de partículas na matriz sólida e pela adsorção nos sólidos. O coeficiente de difusão aparente para espécies não adsorvidas em meio poroso, D*, é representado pela relação

D* = ωD (3.45)

onde ω, que é menor que 1, é um coeficiente empírico que considera o efeito da fase sólida do meio poroso sobre a difusão. Em estudos laboratoriais de difusão de íons não adsorvidos em materiais geológicos porosos, valores de ω entre 0,5 e 0,01 são comumente observados.

A partir da primeira lei de Fick e da equação de continuidade, é possível derivar uma equação diferencial que relaciona a concentração de uma substância difusora ao espaço e ao tempo. Em uma dimensão, esta expressão, conhecida como segunda lei de Fick, é

\frac{\partial C}{\partial t} = D^* \frac{\partial^2C}{\partial x^2} (3.46)

Para obter uma indicação das taxas nas quais os solutos podem difundir em materiais geológicos porosos, consideraremos uma situação hipotética em que dois estratos de solo, contendo diferentes concentrações de soluto, estão em contato. Assume-se que os estratos são saturados com água e que os gradientes hidráulicos são insignificantes. Em um momento inicial, um dos estratos tem uma espécie de soluto i à concentração C0. No outro estrato, a concentração inicial de i é pequena o suficiente para ser aproximada como zero. Devido ao gradiente de concentração através da interface, o soluto difundirá a partir da camada de maior concentração para a camada de concentração mais baixa. Também será assumido que a concentração de soluto na camada de maior concentração permanece constante com o tempo, como seria o caso se a concentração de soluto fosse mantida em equilíbrio por dissolução mineral. Os valores de C na direção x ao longo do tempo tpodem ser calculados a partir da relação (Crank, 1956)

C_i(x,t) = C_0 \text{erfc}(x/2\sqrt{D^*t}) (3.47)

onde erfc é a função de erro complementar (Apêndice V). Assumindo um valor de 5 × 10–10 m2/s para D*, o perfil de concentração do soluto em intervalos de tempo específicos pode ser calculado. Por exemplo, se escolhermos uma concentração relativa C/C0 de 0,1 e uma distância x de 10 m, a Eq. (3.47) indica que o tempo de difusão seria de aproximadamente 500 anos. É evidente, portanto, que a difusão é um processo relativamente lento. Em zonas de fluxo ativo de águas subterrâneas, seus efeitos são geralmente mascarados pelos efeitos do movimento da massa de água. Entretanto, em reservatórios de baixa permeabilidade, como argila ou xisto, em que as velocidades das águas subterrâneas são pequenas, a difusão durante períodos de tempo geológico pode ter uma forte influência na distribuição espacial dos constituintes dissolvidos. Isto é discutido mais adiante nas Seções 7.8 e 9.2.

Investigações laboratoriais mostraram que argilas compactadas podem atuar como membranas semipermeáveis (Hanshaw, 1962). As membranas semipermeáveis ​​restringem a passagem de íons enquanto permitem a passagem, relativamente irrestrita, de espécies eletricamente neutras. Se as águas de estratos de solo separados por uma camada de argila compactada tiverem concentrações iônicas diferentes, a concentração da água nesses estratos também deve ser diferente. Devido ao fato de moléculas de água como espécies não carregadas poderem se mover através de membranas de argila semipermeáveis, segue-se que, sob condições de gradientes hidráulicos insignificantes através da membrana, o movimento da zona de maior concentração de água (zona de menor salinidade) para a zona de menor concentração de água (zona de maior salinidade) ocorreria por difusão. Se a zona de maior salinidade for um sistema fechado, o movimento de difusão da água através da argila para essa zona fará com que a pressão do fluido nela aumente. Se a zona de menor salinidade for um sistema fechado, a pressão de seu fluido diminuirá. Este processo de desenvolvimento de um diferencial de pressão através da argila é conhecido como osmose. A pressão osmótica de equilíbrio através da argila é o diferencial de pressão que existirá quando o efeito da difusão de água é equilibrado pelo diferencial de pressão. Quando isso ocorre, a migração de água através da argila cessa. Em experimentos laboratoriais, a pressão osmótica através de uma membrana semipermeável separando soluções de diferentes concentrações é medida aplicando um diferencial de pressão suficiente para impedir a difusão de água. Nas bacias sedimentares, a osmose pode causar diferenciais de pressão significativos nos estratos argilosos, mesmo que o diferencial de pressão osmótica de equilíbrio não seja alcançado.

Muitas equações têm sido usadas para expressar a relação entre o diferencial de pressão osmótica e a diferença na concentração de soluções através de membranas semipermeáveis. Uma delas, que pode ser derivada de argumentos termodinâmicos (Babcock, 1963), é

P_0 = \frac{RT}{\bar{V}_{\ce{H2O}}} \text{ln} \left( \ce{\frac{[H2O]^I}{[H2O]^{II}}} \right) (3.48)

onde P0 é o diferencial de pressão hidrostática causada pela osmose, R é a constante dos gases ideais (0,0821 litro • bar/K • mol), T é a temperatura em graus Kelvin, \bar{V}_{\ce{H2O}} é o volume molar da água pura (0,018 /mol a 25 °C), e [H20]I e [H2O]II são as atividades da água nas soluções mais salina e menos salina, respectivamente. Os valores para a atividade da água em várias soluções salinas estão listados em Robinson & Stokes (1965). Usando a Eq. (3.48), pode-se demonstrar que as diferenças de salinidade, que não são incomuns em águas subterrâneas de bacias sedimentares, podem causar grandes pressões osmóticas, desde que haja argila ou xisto compactados e sem fraturas que separem as zonas de salinidade. Por exemplo, considere dois aquíferos de arenito, aquífero I e aquífero II, separados por uma camada de argila compactada. Se a água em ambos os aquíferos possuem altas concentrações de NaCl, uma com NaCl a 6% e a outra a 12%, a razão da atividade da água será 0,95, que, após a substituição na Eq. (3.48), produz uma diferença de pressão osmótica entre os dois aquíferos de 68 bars. Este é o equivalente a 694 metros de coluna d’água (expresso em termos de água pura). Este seria certamente um diferencial de pressão impressionante em qualquer bacia sedimentar. No entanto, para que grandes diferenciais de pressão osmótica ocorram, é necessário que as condições hidroestratigráficas sejam tais que a pressão osmótica se desenvolva muito mais rapidamente que a pressão que é dissipada pelo fluxo do fluido da zona de alta pressão para a zona de baixa pressão.

3.5 Dissolução e Solubilidade Mineral

Solubilidade e a Constante de Equilíbrio

Quando a água entra em contato com minerais, a sua dissolução começa e continua até que as concentrações de equilíbrio sejam atingidas na água ou até todos os minerais serem consumidos. A solubilidade de um mineral é definida como a massa de um mineral que se dissolverá num volume unitário de solução sob condições específicas.  As solubilidades dos minerais encontrados nas águas subterrâneas são afetadas por seu fluxo, provocando uma variação em diferentes ordens de magnitude. Assim, dependendo dos minerais com os quais o fluxo da água entrou em contato ao longo do tempo, a água subterrânea pode apresentar uma quantidade ligeiramente maior em sólidos dissolvidos do que as águas provenientes das chuvas, ou se tornar muito mais salgada do que a água do mar.

A Tabela 3.6 indica as solubilidades de diversos minerais sedimentares em água pura a 25 °C e 1 bar de pressão. A tabela também lista as reações de dissolução para esses minerais e as constantes de equilíbrio para reações a 25 °C e 1 bar. A solubilidade de minerais carbonáticos é depende da pressão parcial de CO2. As solubilidades da calcita e dolomita são mostradas na Tabela 3.6, em duas pressões parciais diferentes (10–3 bar e 10–1 bar), como um indicador da gama de valores relevantes para a água subterrânea natural.

A comparação entre as solubilidades minerais e constantes de equilíbrio mostra que as magnitudes relativas das constantes de equilíbrio são uma má aproximação das solubilidades relativas dos minerais, uma vez que nas relações de equilíbrio, as atividades dos íons ou moléculas são aumentadas exponencialmente pelo número de mols na expressão de dissociação balanceada. Por exemplo, a solubilidade da calcita em água pura à PCO2 = 10–1 bar é 500 mg/ e a solubilidade da dolomita, sob as mesmas condições, é aproximadamente a mesma (480 mg/), porém, as constantes de equilíbrio diferem em oito ordens de magnitude, pois, o parâmetro [CO3–2] é elevado ao quadrado na expressão Kdol. Outro exemplo é a hidroxiapatita, que apresenta uma solubilidade de 30 mg/ em pH 7 e, ainda assim, possui constante de equilíbrio de 10–55,6, que é um valor que pode transmitir a impressão errônea de que a solubilidade do mineral não é importante.

Tabela 3.6 Reações de dissociação, constantes de equilíbrio e solubilidades de alguns minerais que dissolvem congruentemente em água a 25 °C e 1 bar de pressão total

Mineral Reação de Dissociação Constante de equilíbrio,
Keq
Solubilidade em pH 7 (mg/ ou g/m3)
Gibbsita Al2O3 • 2H2O + H2O = 2Al3+ + 6OH 10–34 0,001
Quartzo SiO2 + 2H2O = Si(OH)4 10–3,7 12
Hidroxiapatita Ca5OH(PO4)3 = 5Ca2+ + 3PO43– +OH 10–55,6 30
Silica amorfa SiO2 + 2H2O = Si(OH)4 10–2,7 120
Fluorita CaF2 = Ca2+ + 2F 10–9,8 160
Dolomita CaMg(CO3)2 = Ca2+ + Mg2+ + 2CO32– 10–17,0 90,* 480†
Calcita CaCO3 = Ca2+ + CO32– 10–8,4 100,* 500†
Gipso CaSO4 • 2H2O = Ca2+ + SO42– + 2H2O 10–4,5 2100
Silvita KCl = K+ + Cl 10+0,9 264.000
Epsomita MgSO4 • 7H2O = Mg2+ + SO42– + 7H2O –– 267.000
Mirabilita Na2SO4 • 10H2O = 2Na+ + SO42– + 10H2O 10–1,6 280.000
Halita NaCl = Na+ + Cl 10+1,6 360.000
*Pressão Parcial de CO2 = 10–3 bar.
†Pressão Parcial de CO2 = 10–1 bar.
Fonte: Dados de solubilidade extraídos de Seidell, 1958.

Todos os minerais listados na Tabela 3.6 normalmente são dissolvidos congruentemente. Isto significa que todos os produtos das reações de dissolução mineral são formas dissolvidas, com ausência de substâncias sólidas. Muitos minerais que exercem influência sobre a evolução química das águas subterrâneas dissolvem de maneira incongruente, ou seja, um ou mais produtos da dissolução podem ocorrer na forma de minerais ou substâncias sólidas amorfas. A maioria dos silicatos aluminosos dissolvem incongruentemente, como feldspato e albita.

{\underbrace{\ce{NaAlSi3O8}\text{(s)}}_\text{albita} + \ce{H2CO3} + \frac{9}{2}\ce{H2O <=>}
(3.49)

\ce{Na+ + HCO^-_3 + 2H4SiO4} + \underbrace{\frac{1}{2} \ce{Al2Si2O5(OH)4}}_\text{caulinita} \text{(s)}

Nesta reação, a albita se dissolve através da lixiviação do ácido carbônico (H2CO3), resultando em produtos dissolvidos e o mineral argiloso caulinita. Essa é uma reação comum em águas subterrâneas situadas em terrenos graníticos. Aplicando a lei de ação das massas,

K_{\text{alb-caul}} = \ce{\frac{[Na+][HCO^-_3][H4SiO4]^2}{[H2CO3]}} (3.50)

onde a constante de equilíbrio K depende da temperatura e pressão. Se a pressão parcial de CO2 é especificada, é evidente nas Eqs. (3.18), (3.31), e (3.32) que [H2CO3] e [\ce{HCO^-_3}] também são especificados. As solubilidades da albita e outros cátions de aluminossilicatos são elevadas conforme o aumento da pressão parcial de CO2.

Efeito da Intensidade Iônica

A comparação de solubilidades dos minerais em água pura e água hipersalina atesta que a salinidade incrementa as solubilidades, sendo resultado do chamado efeito da intensidade (força) iônica, pois, o aumento da solubilidade acontece devido às diminuições nos coeficientes de atividade como resultado do incremento da intensidade iônica. Como exemplo, pode-se escrever a expressão da constante de equilíbrio do gipso

K_{\text{gyp}} = [\gamma_{\ce{Ca^{2+}}} \cdot \gamma_{\ce{SO4^{2-}}}] [\ce{(Ca^{2+})(SO4^{2-})}] (3.51)

onde γ é o coeficiente de atividade e os parâmetros entre parênteses são expressos em molalidade. A Figura 3.3 mostra que, se a intensidade iônica aumenta, então, diminuem os valores de γCa2+ e γSO42-. Em contrapartida, na Eq. (3.51), as concentrações de Ca2+ e SO42- devem aumentar, resultando numa maior solubilidade mineral nas condições de temperatura e pressão dadas. Este efeito é ilustrado na Figura 3.6, pois, a solubilidade do gipso mais que triplica em virtude do efeito da intensidade iônica. Outros exemplos, descritos no Capítulo 7, indicam que o efeito da intensidade iônica pode desempenhar papel importante na evolução química das águas subterrâneas naturais e contaminadas.

Figura 3.6 Solubilidade de gipso em soluções aquosas de diferentes concentrações de NaCl a 25 °C e 1 bar (conforme Shternina, 1960).

O Sistema Carbonato

Estima-se que mais de 99% do carbono da Terra encontra-se em minerais carbonáticos, dos quais calcita, CaCO3, e dolomita, CaMg(CO3)2, são os mais importantes. Em quase todo terreno sedimentar e em muitas áreas de rochas metamórficas e ígneas, a água subterrânea está em contato com minerais carbonáticos durante pelo menos parte da história de seu fluxo. A capacidade da zona de águas subterrâneas em minimizar efeitos adversos de vários tipos de poluentes pode ser dependente de interações que envolvem a água e os minerais carbonáticos. A interpretação de datações por carbono-14 de águas subterrâneas requer um entendimento de como a água interagiu com esses minerais.

No equilíbrio, as reações entre a água e os minerais carbonáticos calcita e dolomita podem ser expressas como

K_{\text{cal}} = \ce{[Ca^{2+}][CO3^{2-}]} (3.52)

K_{\text{dol}} = \ce{[Ca^{2+}][Mg^{2+}][CO3^{2-}]^2} (3.53)

onde as constantes de equilíbrio dependem da temperatura e pressão.

Se os minerais dissolvem-se em água que contém um suprimento abundante de CO2(g), a uma pressão parcial constante, a concentração de CO2 dissolvido (expressa como ácido carbônico, H2CO3) permanece constante, como indicado pela Eq. (3.18). É instrutivo representar o processo de dissolução da calcita como

\ce{CaCO3 + H2CO3 -> Ca^{2+} + 2HCO^-_3} (3.54)

o qual indica que a dissolução é acompanhada do consumo de ácido carbônico. Quanto maior PCO2, maior é a quantidade de H2CO3 disponível para consumo, de modo que a reação desloca-se  para a direita para atingir o equilíbrio.

Um sistema aquoso em que o CO2 dissolvido é constante devido à interação relativamente desobstruída com um ambiente abundantemente gasoso com PCO2 constante, assim como a atmosfera terrestre, é comumente referido no contexto de dissolução mineral como um sistema aberto. Se o H2CO3 consumido por reações água-mineral não é reabastecido a partir de um reservatório gasoso, o sistema é definido como um sistema fechado.

Substituindo as Eqs. (3.18), (3.31) e (3.32) na Eq. (3.52) e rearranjando o produto, tem-se que

\ce{[H+]} = \left\{ \frac{K_{\ce{H2CO3}} \cdot K_{\ce{HCO^-_3}} \cdot K_{\ce{CO2}}}{K_{\text{cal}}} \cdot P_{\ce{CO2}} [\ce{Ca^{2+}}] \right\}^{1/2} (3.55)

Os termos entre colchetes são atividades e PCO2 é expressa em bars. Valores para as constantes de equilíbrio no intervalo 0–30 °C estão listados na Tabela 3.7. A 25 °C, a Eq. (3.55) simplifica para

\ce{[H+]} = 10^{-4.9} \{[\ce{Ca^{2+}}]P_{\ce{CO2}} \}^{1/2} (3.56)

Tabela 3.7 Constantes de equilíbrio para calcita, dolomita e principais espécies de carbonato aquoso em água pura, 0–30 °C, e 1 bar de pressão total

Temperatura
(°C)
\text{p}K_{\text{CO}_2}^* \text{p}K_{\text{H}_2\text{CO}_3}^* \text{p}K_{\text{HCO}_3^-} \text{p}K_{\text{cal}} \text{p}K_{\text{dol}}
0 1,12 6,58 10,62 8,340 16,56
5 1,20 6,52 10,56 8,345 16,63
10 1,27 6,47 10,49 8,355 16,71
15 1,34 6,42 10,43 8,370 16,79
20 1,41 6,38 10,38 8,385 16,89
25 1,47 6,35 10,33 8,400 17,0
30 1,67 6,33 10,29 8,51 17,9
*pK = –log K.
FONTES: Garrels & Christ, 1965; Langmuir, 1971.

Para calcular a solubilidade da calcita sob pressão parcial de CO2 específica, uma outra equação é necessária. Nesta etapa, neste tipo de problema de equilíbrio água-mineral, é apropriado utilizar-se da equação de eletroneutralidade. Para o caso da dissolução da calcita em água pura, a expressão da eletroneutralidade é

\ce{2(Ca^{2+}) + (H+) = (HCO^-_3) + 2(CO3^{2-}) + (OH-)} (3.57)

Os termos nesta equação são expressos em molalidade. Para o intervalo de interesse de PCO2 em estudos de águas subterrâneas, os termos de (H+) e (OH) são desprezíveis quando comparados aos outros termos na mesma equação. As Equações (3.56) e (3.57) podem ser combinadas e com substituições das Eqs. (3.18), (3.31) e (3.32) podem ser expressas como polinômio em termos de duas variáveis e dos coeficientes de atividade. Para uma PCO2 específica, soluções interativas podem ser obtidas por computador. Soluções manuais também podem ser obtidas com pequeno grau de dificuldade por meio do método de aproximações sucessivas delineado por Garrels & Christ (1965) e Guenther (1975). Como uma primeira aproximação, uma abordagem conveniente é assumir que (\ce{HCO^-_3}) é grande comparado a  (CO32-). A Figura 3.5 (a) indica que esta hipótese é válida para soluções com valores de pH inferiores a 9, o que inclui quase todas as águas naturais, desde que as concentrações de cátions que complexam CO32- sejam baixas. A Equação (3.57), portanto, se reduz a

\ce{(Ca^{2+}) = \frac{(HCO^-_3)}{2}} (3.58)

Após a calcita dissolver-se até o equilíbrio a uma determinada PCO2, as espécies dissolvidas na água podem ser obtidas por meio dos seguintes passos: (1) atribuir um valor arbitrário de [H+] para a Eq. (3.55) e então calcular um valor para [Ca2+]; (2) estimar um valor de intensidade iônica utilizando [Ca2+] obtida no passo (1) e um valor de \ce{HCO^-_3} obtido da Eq. (3.58); (3) obter uma estimativa para γCa2+ e \gamma_\ce{HCO^-_3} a partir da Figura 3.3 e então calcular (Ca2+) pela relação (Ca2+) = [Ca2+]/γCa2+; (4) utilizando PCO2 específica e a [H+] escolhida no passo (1), calcular [\ce{HCO^-_3}] utilizando as Eqs. (3.18) e (3.31); (5) converter [\ce{HCO^-_3}] para (\ce{HCO^-_3}) a partir da relação do coeficiente de atividade; e (6) comparar o valor de (Ca2+) obtido pelo passo (1) com o valor calculado de \ce{(HCO^-_3)}/2 no passo (5). Se os dois valores calculados forem iguais ou perto disto, a Eq. (3.57) foi satisfeita e uma solução para o problema foi obtida. Se eles forem desiguais, a sequência de passos computacionais deve ser repetida utilizando uma nova seleção para [H+]. Nestes tipos de problemas, uma solução aceitável pode ser obtida, normalmente, após duas ou três iterações. Os resultados destes tipos de cálculos para a dissolução da calcita em equilíbrio na água pura sob várias condições fixas de PCO2 e temperatura são ilustrados na Figura 3.7, a qual indica que a solubilidade é fortemente dependente de PCO2 e que os valores de equilíbrio de [H+] ou pH variam acentuadamente com PCO2. O procedimento de cálculo não incluiu pares de íons como \ce{CaCO^{\circ}_3} e \ce{CaHCO^{+}_3}, os quais ocorrem em pequenas concentrações em soluções aquosas diluídas saturadas com CaCO3. Da Figura 3.7 fica aparente que as linhas de concentração do Ca2+ e do \ce{HCO^-_3} são paralelas (distantes apenas 0.30 unidades de medida). Isto indica que a reação na Eq. (3.54) representa com precisão o processo de dissolução no intervalo de condições de PCO2 característica do ambiente de água subterrânea, onde a PCO2 é quase invariavelmente maior que 10-4 bar. Isto explica porque o \ce{HCO^-_3}, ao invés do CO32-, constitui a espécie iônica de carbono inorgânico dissolvido dominante em águas subterrâneas.

Se a água ficar carregada com CO2, o que pode ocorrer devido ao contato com a atmosfera terrestre ou da zona do solo, e então interagir com  calcita ou dolomita numa zona isolada da fonte gasosa de CO2, como a zona de água subterrânea, então, a dissolução ocorrerá, porém, a concentração de espécies dissolvidas no equilíbrio será diferente. Neste processo de dissolução, em sistema fechado, o ácido carbônico é consumido, não sendo reabastecido exteriormente ao sistema, na medida em que a dissolução ocorre. Para esta condição, a Eq. (3.18) indica que também deve diminuir na medida em que a reação avança em direção ao equilíbrio.

Os minerais carbonáticos são menos solúveis sob condições de sistema fechado e possuem valores de pH de equilíbrio maiores. No caso de sistema fechado, o carbono inorgânico dissolvido é derivado do CO2 dissolvido presente, na medida em que a dissolução se inicia e quando a calcita e/ou dolomita se dissolvem. No caso de sistema aberto, o CO2 continua a entrar na solução a partir da atmosfera, na medida em que a dissolução avança. Neste caso, o carbono inorgânico dissolvido total consiste do CO2 inicial, do CO2 reabastecido e também dos minerais. Como indicado no Capítulo 7, estas diferenças podem ser cruciais para a interpretação da evolução química da água subterrânea em terreno carbonático e na avaliação de datação por carbono-14.

Figura 3.7 Espécies dissolvidas na água em equilíbrio com calcita em função da dissolução em sistema aberto de PCO2 (segundo Guenther, 1975).

O Efeito do Íon Comum

Em algumas situações, a adição de íons por dissolução de um mineral pode influenciar a solubilidade de outro mineral em maior grau do que o efeito exercido pela mudança de coeficientes de atividade. Se um eletrólito que não contenha Ca2+ ou CO32- for adicionado a uma solução aquosa saturada com calcita, a solubilidade da calcita aumentará por causa do efeito da intensidade iônica. Contudo, se um eletrólito que contenha Ca2+ ou CO32- for adicionado, a calcita precipitará porque o produto [Ca2+][CO32-] deve se ajustar para atingir um valor igual à constante de equilíbrio Kcal. Esse processo é conhecido como o efeito do íon comum.

A água em movimento através de uma zona de água subterrânea contendo Ca2+ e CO32- suficientes para que seu produto de atividade se iguale a Kcal pode encontrar estratos que contenham gipsita. A dissolução da gipsita,

\ce{CaSO4} \cdot 2\ce{H2O -> Ca^{2+} + SO4^{2-} + 2H2O} (3.59)

faz com que  a intensidade iônica e a concentração de Ca2+ aumentem. Expressa em termos de molalidade e coeficientes de atividade, a constante de equilíbrio para calcita é

K_{\text{cal}} = \gamma_{\ce{Ca^{2+}}} \cdot \gamma_{\ce{CO3^{2-}}} \cdot \ce{(Ca^{2+})(CO3^{2-})}

A dissolução da gipsita faz com que o produto do coeficiente de atividade γCa2+ · γCO32- diminua. Porém, devido a contribuição de íons Ca2+ da gipsita dissolvida, o produto (Ca2+)(CO32-) aumenta em uma proporção muito maior. Assim sendo, para que a solução permaneça em equilíbrio com relação à calcita, a precipitação da mesma deve ocorrer.

As solubilidades de calcita e gipsita em água com diferentes concentrações de NaCl são mostradas na Figura 3.8. Para um dado teor de NaCl, a presença de cada mineral, calcita ou gipsita, causa diminuição na solubilidade do outro. Devido ao efeito da intensidade iônica, ambos os minerais aumentam em solubilidade em concentrações mais elevadas de NaCl.

Figura 3.8 Solubilidade de gipsita e calcita em água com diferentes concentrações de NaCl dissolvido, 25 °C, PCO2 = 1 bar (segundo Shternina & Frolova, 1945).

Desequilíbrio e Índice de Saturação

Considerando a Eq. (3.2) numa condição de desequilíbrio, a relação entre os reagentes e os produtos pode ser representada como

Q = \frac{[B]^b[C]^c}{[D]^d[E]^e} (3.60)

onde Q é o quociente da reação e os outros parâmetros são como expressos na Eq.(3.3).

A razão seguinte é uma comparação útil entre o estado de uma reação de dissolução – precipitação mineral num ponto específico no tempo ou espaço e a condição de equilíbrio termodinâmico:

S_i = \frac{Q}{K_{\text{eq}}} (3.61)

onde Si é chamado de índice de saturação. Para calcita em contato com água subterrânea (veja Seção 3.2), o índice de saturação é:

S_i = \frac{\ce{[Ca^{2+}][CO3^{2-}]}}{K_{\text{cal}}} (3.62)

As atividades iônicas no numerador podem ser obtidas por meio de análises de amostras de águas subterrâneas e Eq. (3.32), enquanto que a constante de equilíbrio Kcal pode ser obtida a partir de dados de energia livre, ou diretamente de valores conhecidos da constante de equilíbrio, como na Tabela 3.7.

Se Si > 1, a água contém um excesso de constituintes iônicos. A reação [Eq. (3.4)] deve, portanto, deslocar-se para esquerda, o que requer a precipitação do mineral. Se Si < 1, a reação desloca-se para a direita à medida que o mineral se dissolve. Se Si = 1, a reação está em equilíbrio, o que significa que está saturada com relação ao mineral em questão. Com a relação do índice de saturação, é possível comparar o estado de amostras reais de água com condições de equilíbrio calculadas para reações específicas mineral-água.  Para que o índice de saturação seja de interesse, o mineral não precisa estar efetivamente presente na zona de água subterrânea. Contudo, o conhecimento da composição mineralógica é necessário caso se queira obter uma compreensão detalhada do comportamento geoquímico e controle da água.

Alguns autores expressam o índice de saturação na forma logarítmica, sendo que, nesse caso, um valor de índice igual a zero indica a condição de equilíbrio. O índice de saturação aparece em algumas publicações como índice de desequilíbrio porque, em algumas situações, a água subterrânea está mais comumente em desequilíbrio do que em equilíbrio com relação aos minerais comuns.

3.6 Processos de Oxidação e Redução

Estados de Oxidação e Reações Redox

Muitas reações que ocorrem no ambiente de águas subterrâneas envolvem a transferência de elétrons entre constituintes dissolvidos, gasosos ou sólidos. Como resultado das transferências de elétrons, há mudanças nos estados de oxidação dos reagentes e produtos. O estado de oxidação, algumas vezes referido como número de oxidação, representa uma carga hipotética que um átomo teria se o íon ou molécula fosse dissociado. Os estados de oxidação que podem ser atingidos pelos elementos de estado de multi oxidação mais importantes que ocorrem na água subterrânea estão listados na Tabela 3.8, que também contém algumas regras que podem ajudar a deduzir o estado de oxidação a partir da fórmula da substância. Algumas vezes existem incertezas na atribuição de perdas ou ganhos de elétrons a um átomo em particular, especialmente quando as reações envolvem ligações covalentes. Neste livro, algarismos romanos são usados para representar estados de oxidação, enquanto que algarismos arábicos representam valências reais.

Tabela 3.8 Regras para atribuição de estados de oxidação e alguns exemplos

Regras para atribuição de estados de oxidação

  1. O estado de oxidação de elementos isolados e substâncias simples é zero.
  2. O estado de oxidação de um elemento na forma iônica simples é igual à carga do íon.
  3. O estado de oxidação do oxigênio em compostos oxigenados é –2. As únicas exceções são O2, O3 (veja regra 1), OF2 (onde é +2), e peróxidos como H2O2 e outros compostos com ligações -O-O-, onde é –1.
  4. O estado de oxidação do hidrogênio é +1, exceto em H2 e em compostos onde H está combinado com elemento menos eletronegativo.
  5. A soma dos estados de oxidação para moléculas é zero, e para íons ou complexos é igual à carga formal nas espécies.

Exemplos:

Compostos de carbono Compostos de enxofre Compostos de nitrogênio Compostos de ferro
Substância Estado de Oxidação (C) Substância Estado de Oxidação (S) Substância Estado de Oxidação (N) Substância Estado de Oxidação (Fe)
\ce{HCO^-_3} +IV S 0 N2 0 Fe 0
CO32– +IV H2S –II SCN +II FeO +II
CO2 +IV HS –II N2O –III Fe(OH)2 +II
CH2O 0 FeS2 –I NH4 +III FeCO3 +II
C6H12O6 0 FeS –II NO^-_2 +V Fe2O3 +III
CH4 –IV SO32– +IV NO^-_3 –III Fe(OH)3 +III
CH3OH –II SO42– +VI HCN –I FeOOH +III
Fonte: Gymer, 1973; Stumm & Morgan, 1970.

Em reações de óxido-redução, que serão referenciadas como reações redox, não existem elétrons livres. Toda oxidação é acompanhada de uma redução e vice versa, de modo que um balanço de elétrons é sempre mantido. Por definição, oxidação é a perda de elétrons e redução é o ganho de elétrons. Isso é ilustrado pela expressão da reação redox para a oxidação do ferro:

\ce{O2 + 4Fe^{2+} + 4H+ = 4Fe^{3+} + 2H2O} (3.63)

Para cada sistema redox, semi-reações podem ser escritas da seguinte forma:

estado oxidado + ne = estado reduzido (3.64)

A reação redox para ferro pode, assim, ser expressa por meio das semi-reações

\ce{O2 + 4H+} +4e = \ce{2H2O} \hspace{1cm} \text{(redu\c{c}\~{a}o)} (3.65)

\ce{4Fe^{2+} = 4Fe^{3+}} + 4e \hspace{1cm} \text{(oxida\c{c}\~{a}o)} (3.66)

Na semi-reação de redução, o estado de oxidação do oxigênio vai de zero (oxigênio como O2) para –II (oxigênio em H2O). Há, dessa forma, uma liberação de quatro elétrons porque 2 mols de H2O se formam a partir de 1 mol de O2 e 4 mols de H+. Na semi-reação de oxidação, 4 mols de Fe(+II) vão para 4 mols de Fe(+III), com um ganho de quatro elétrons. A reação redox completa [Eq. (3.63)] expressa o efeito líquido da transferência de elétron e, portanto, não contém elétrons livres. Ao escrever semi-reações, cuidados devem ser tomados para garantir que elétrons em cada lado da equação estejam balanceados. Estas reações não precisam envolver oxigênio e hidrogênio, embora a maioria das reações redox que ocorrem em zona de água subterrânea envolva pelo menos um desses elementos. O conceito de oxidação e redução, em termos de mudanças nos estados de oxidação, é ilustrado na Figura 3.9.

Uma lista de semi-reações que representam a maioria dos processos redox que ocorrem na água subterrânea é apresentada na Tabela 3.9.

Figura 3.9 Oxidação e redução em relação a estados de oxidação.

Tabela 3.9 Semi-reações redox para muitos constituintes que ocorrem no ambiente das águas subterrâneas

(1) \frac{1}{4}\ce{O2 + H+} + e = \frac{1}{2} \ce{H2O} (18) \frac{1}{8}\ce{SO4^{2-}} + \frac{9}{8}\ce{H+} + e = \frac{1}{8}\ce{HS^-} + \frac{1}{2}\ce{H2O}
(2) \ce{H+} + e = \frac{1}{2}\ce{H2O} (19) \frac{1}{2}\ce{S(s) + H+} + e = \frac{1}{2}\ce{H2S(g)}
(3) \ce{H2O} + e = \frac{1}{2}\ce{H2(g) + OH-} (20) \ce{Fe^{3+}} + e = \ce{Fe^{2+}}
(4) \frac{1}{5}\ce{NO^-_3} + \frac{6}{5}\ce{H+} + e = \frac{1}{10}\ce{N2(g)} + \frac{3}{5}\ce{H2O} (21) \ce{Fe(OH)3(s) + HCO^-_3 + 2H+} + e = \ce{Fe(CO3)(s) + 3H2O}
(5) \frac{1}{2}\ce{NO^-_3 + H+} + e = \frac{1}{2}\ce{NO^-_2} + \frac{1}{2}\ce{H2O} (22) \ce{Fe(OH)3(s) + 3H+} + e = \ce{Fe^{2+} + 3H2O}
(6) \frac{1}{8}\ce{NO^-_3} + \frac{5}{4}\ce{H+} + e = \frac{1}{8}\ce{NH^+_4} + \frac{3}{8}\ce{H2O} (23) \ce{Fe(OH)3(s) + H+} + e = \ce{Fe(OH)2(s) + H2O}
(7) \frac{1}{6}\ce{NO^-_2} + \frac{5}{4}\ce{H+} + e = \frac{1}{6}\ce{NH^+_4} + \frac{1}{3}\ce{H2O} (24) \frac{1}{2}\ce{FeS2(s) + 2H+} + e = \frac{1}{2}\ce{Fe^{2+} + H2S(g)}
(8) \frac{1}{4}\ce{NO^-_3} + \frac{5}{4}\ce{H+} + e = \ce{N2O(g)} + \frac{3}{8}\ce{H2O} (25) \frac{1}{2}\ce{FeS2(s) + S(s)} + e = \frac{1}{2}\ce{FeS2(s)}
(9) \frac{1}{2}\ce{NO^-_2} + \frac{3}{2}\ce{H+} + e = \frac{1}{4}\ce{N2O(g)} + \frac{3}{4}\ce{H2O} (26) \frac{1}{16}\ce{Fe^{2+}} + \frac{1}{8}\ce{SO4^{2-}} + e = \frac{1}{16}\ce{FeS2(s)} + \frac{1}{2}\ce{H2O}
(10) \frac{1}{6}\ce{N2(g)} + + \frac{4}{5}\ce{H+} + e = \frac{1}{3}\ce{NH^+_4} (27) \frac{1}{14}\ce{Fe(OH)2(s)} + \frac{1}{7}\ce{SO4^{2-}} + \frac{9}{7}\ce{H+} + e = \frac{1}{14}\ce{FeS2(s)} + \frac{5}{7}\ce{H2O}
(11) \frac{1}{4}\ce{CH2O} + \ce{H+} + e = \frac{1}{4}\ce{CH2O} +  \frac{1}{4}\ce{H2O} (28) \frac{1}{14}\ce{Fe(CO)3(s)} + \frac{1}{7}\ce{SO4^{2-}} + \frac{17}{14}\ce{H+} + e = \frac{1}{14}\ce{FeS2(s)} + \frac{4}{7}\ce{H2O} + \frac{1}{14}\ce{HCO^-_3}
(12) \frac{1}{4}\ce{CO2(g)} + \ce{H+} + e = \frac{1}{4}\ce{CH2O} +  \frac{1}{4}\ce{H2O} (29) \frac{1}{2}\ce{MnO2(s)} + \frac{1}{2}\ce{HCO^-_3} + \frac{3}{2}\ce{H+} + e = \frac{1}{2}\ce{MnCO3(s)} + \frac{3}{8}\ce{H2O}
(13) \frac{1}{2}\ce{CH2O} + \ce{H+} + e = \frac{1}{2}\ce{CH3OH} (30) \ce{Mn^{2+}} + 2e = \text{Mn(s)}
(14) \frac{1}{4}\ce{CO2(g) + H+} + e = \frac{1}{8}\ce{CH4(g)} \frac{1}{4}\ce{H2O} (31) \frac{1}{2}\ce{MnCO3(s)} + \frac{1}{2}\ce{H+} + e = \frac{1}{2}\text{Mn(s)} + \frac{1}{2}\ce{HCO^-_3}
(15) \frac{1}{2}\ce{CH3OH + H+} + e = \frac{1}{2}\ce{CH4(g)} + \frac{1}{2}\ce{H2O} (32) \text{MnOOH(s)} + \ce{HCO^-_3 + 2H+} + e = \ce{MnCO3 + 2H2O}
(16) \frac{1}{6}\ce{SO4^{2-}} + \frac{4}{3}\ce{H+} + e = \frac{2}{3}\ce{H2O} (33) \ce{MnO2 + H+} + e = \text{MnOOH}
(17) \frac{1}{8}\ce{SO4^{2-}} + \frac{5}{4}\ce{H+} + e = \frac{1}{8}\ce{H2S(g)} + \frac{1}{2}\ce{H2O}    

Consumo de Oxigênio e Matéria Orgânica

Os rios e lagos não poluídos geralmente têm condições oxidantes devido à mistura com oxigênio da atmosfera terrestre. Nos sistemas de águas subterrâneas, no entanto, a tendência é de redução do oxigênio para condições redutoras. A água que circula pela zona de água subterrânea é geralmente isolada da atmosfera terrestre, não sendo reposto o oxigênio que é consumido por reações hidroquímicas e bioquímicas. Para que a redução de constituintes inorgânicos ocorra, outros constituintes devem ser oxidados. O composto geralmente oxidado é a matéria orgânica. As reações são catalisadas por bactérias ou enzimas isoladas, que fornecem energia, facilitando o processo de transferência de elétrons. Nesta discussão, consideraremos que as reações ocorrem termodinamicamente numa direção apropriada, sem preocupação com os processos bioquímicos associados. Para ilustrar o processo de oxidação da matéria orgânica, um carboidrato simples, CH2O, é utilizado como doador de elétrons, embora numerosos outros compostos orgânicos, tais como polissacarídeos, sacarídeos, ácidos graxos, aminoácidos e fenóis, possam ser o composto orgânico envolvido no processo redox.

\ce{\frac{1}{4}CH2O + \frac{1}{4}H2O = \frac{1}{4}CO2(g) + H+} + e (3.67)

Para obter reações completas para os processos redox, a semi-reação para a oxidação da matéria orgânica representada pela Eq. (3.67) pode ser combinada com várias semi-reações para redução de compostos inorgânicos, conforme apresentado na Tabela 3.9. Combinações da Eq. (3.67) e reação (1) na Tabela 3.9 resultam na reação redox

\ce{O2(g) + CH2O = CO2(g) + H2O} (3.68)

a qual representa o processo de oxidação da matéria orgânica na presença de bactérias e oxigênio molecular livre. Este processo redox é a principal fonte de CO2. O CO2 combina com H2O para produzir H2CO3 [Eq. (3.15)], que é um ácido de força considerável, sob o ponto de vista geoquímico.

Como a solubilidade do O2 na água é baixa (9 mg/ a 25 °C e 11 mg/ a 5 °C), e uma vez que a reposição de O2 em ambientes subsuperficiais é limitada, a oxidação de uma pequena quantidade de matéria orgânica pode resultar no consumo de O2 dissolvido. Por exemplo, a partir das relações de conservação de massa inerentes à Eq. (3.68), a oxidação de apenas 8,4 mg/ (0,28 mmmol/) de CH2O consumiria 9 mg/ (0,28 mmmol/) de O2. Isto resultaria numa água sem O2 dissolvido. A água que infiltra no solo está normalmente em contato com a matéria orgânica do solo. O consumo de O2 e a produção de CO2 são, portanto, processos de ampla ocorrência na região mais rasa do ambiente de subsuperfície.

A Tabela 3.10 lista algumas reações redox onde o oxigênio dissolvido é consumido. Nessas reações, os íons H+ são produzidos. Em muitos sistemas de águas subterrâneas, os íons H+ são consumidos por reações com minerais. Portanto, o pH não diminui consideravelmente. No entanto, em alguns sistemas, os minerais que reagem dessa maneira não estão presentes, de maneira que o processo de oxidação promove a acidificação da água.

Tabela 3.10 Alguns processos inorgânicos de oxidação que consomem oxigênio dissolvido na água subterrânea

Processo Reação*  
Oxidação de sulfeto \ce{O2} + \frac{1}{2}\ce{HS-} = \frac{1}{2}\ce{SO4^{2-}} + \frac{1}{2}\ce{H+} (1)
Oxidação de ferro \frac{1}{4}\ce{O2} + \ce{Fe^{2+}} + \ce{H+} = \ce{Fe^{3+}} + \frac{1}{2}\ce{H+} (2)
Nitrificação \ce{O2} + \frac{1}{2}\ce{NH^+_4} = \frac{1}{2}\ce{NO^-_3} + \ce{H+} + \frac{1}{2}\ce{H+} (3)
Oxidação de manganês \ce{O2} + \ce{Mn^{2+} + 2H2O = 2MnO2(s) + 4H+} (4)
Oxidação de sulfeto de ferro† \frac{15}{4}\ce{O2} + \ce{FeS2(s)} + \frac{7}{2}\ce{H2O} = \ce{Fe(OH)3(s) + 2SO4^{2-} + 4H+} (5)
*(s), sólido.
†Expresso como uma reação combinada.

Quando todo o O2 dissolvido é consumido na água subterrânea, a oxidação da matéria orgânica ainda pode ocorrer, mas os agentes oxidantes (isto é, os constituintes que sofrem redução) são \ce{NO^-_3}, MnO2, Fe(OH)3, SO42– e outros, como indicado na Tabela 3.11. Na medida em que estes agentes oxidantes são consumidos, o ambiente da água subterrânea torna-se cada vez mais reduzido. Se os processos prosseguirem suficientemente, o ambiente pode tornar-se tão fortemente reduzido que os compostos orgânicos podem sofrer degradação anaeróbia. Uma equação para este processo, que representa a conversão de matéria orgânica em metano e dióxido de carbono, é mostrada pela reação (5) na Tabela 3.11. A sequência de processos redox representada pelas reações (1) a (5) na Tabela 3.11 procede da oxidação aeróbia até à fermentação com metano, desde que (1) a matéria orgânica na forma consumível continue a estar disponível na água, (2) as bactérias que participam das reações têm nutrientes suficientes para sustentar sua existência, e (3) as variações de temperatura não são suficientemente grandes para interromper os processos bioquímicos. Em muitos sistemas de águas subterrâneas, um ou mais desses fatores é limitante, de modo que a água subterrânea não passa por todos os estágios redox. A evolução da água subterrânea através de vários estágios de oxidação e redução é descrita com mais detalhes no Capítulo 7.

Tabela 3.11 Alguns processos redox que consomem matéria orgânica e reduzem compostos inorgânicos na água subterrânea

Processp Equação*  
Denitrificação† \ce{CH2O} + \frac{4}{5}\ce{NO^-_3} = \frac{2}{5}\ce{N2(g) + HCO^-_3} + \frac{1}{5}\ce{H+} + \frac{2}{5}\ce{H2O} (1)
Redução de manganês (IV) \ce{CH2O + 2MnO2(s) + 3H+ = 2Mn^{2+} + HCO^-_3 + 2H2O} (2)
Redução de ferro (III) \ce{CH2O + 4Fe(OH)3(s) + 7H+ = 4Fe^{2+} + HCO^-_3 + 10H2O} (3)
Redução de sulfato‡ \ce{CH2O} + \frac{1}{2}\ce{SO4^{2-}} = \frac{1}{2}\ce{HS- + HCO^-_3} + \frac{1}{2}\ce{H+} (4)
Fermentação de metano \ce{CH2O} + \frac{1}{2}\ce{H2O} = \frac{1}{2}\ce{CH4} + \frac{1}{2}\ce{HCO^-_3} + \frac{1}{2}\ce{H+} (5)
*(g), forma gasosa ou dissolvida; (s), sólido.
†CH2O representa a matéria orgânica; outros compostos orgânicos também podem ser oxidados.
‡H2S existe como espécies dissolvidas em água: HS + H+ = H2S. O H2S é a espécie dominante em pH < 7.

Condições Redox de Equilíbrio

As soluções aquosas não contém elétrons livres, mas é conveniente, no entanto, expressar processos redox como semi-reações e depois manipulá-las como se ocorressem como processos separados. Neste contexto, um parâmetro conhecido como pE é usado para descrever a atividade relativa de elétrons. Por definição,

\text{p}E = -\log[e] (3.69)

pE, que é uma grandeza adimensional, é análoga à expressão de pH para a atividade do próton (íon hidrogênio). O pE de uma solução é uma medida da tendência de oxidação ou redução da solução. Em paralelo com a convenção de se atribuir arbitrariamente ΔG° = 0 para a hidratação de H+ (ou seja, KH+ = 0 para a reação H+ + H2O = H3O+), a mudança de energia livre para a redução de H+ em H2(g) [H+ + e = \frac{1}{2}H2(g)] é zero. pE e pH são funções da energia livre envolvidas na transferência de 1 mol de prótons ou elétrons, respectivamente.

Para a semi-reação geral

b\text{B} + c\text{C} + n\text{e} = d\text{D} + e\text{E} (3.70)

a lei de ação de massas pode ser escrita como

K = \frac{[\text{D}]^d[\text{E}]^e}{[\text{e}]^n[\text{B}]^b[\text{C}]^c} (3.71)

Por exemplo, considere a oxidação do Fe (II) para Fe (III) pelo oxigênio livre:

\frac{1}{2} \ce{O2 + 2H+} + 2e = \ce{H2O} \hspace{1cm} \text{(redu\c{c}\~{a}o)} (3.72)

\ce{2Fe^{2+} = 2Fe^{3+}} + 2e \hspace{1cm} \text{(oxida\c{c}\~{a}o)} (3.73)

\overline{\ce{\frac{1}{2}O2 + 2Fe^{2+} + 2H+ = 2Fe^{3+} + H2O} \hspace{1cm} \text{(rea\c{c}\~{a}o redox)}} (3.74)

Neste livro, as constantes de equilíbrio das semi-reações são sempre expressas na forma reduzida. As formas oxidadas e os elétrons são escritos na esquerda e os produtos reduzidos na direita. Isto é conhecido como convenção de Estocolmo ou IUPAC (União Internacional de Física e Química Analítica). Expressando as semi-reações [Eq. (3.72) e (3.73)] em termos das constantes de equilíbrio [Eq. (3.71)] a 25 °C e 1 bar, tem-se

K = \frac{1}{P^{1/2}_{\ce{O2}}[\ce{H+}]^2[e]^2} = 10^{41.55} (3.75)

K = \frac{\ce{[Fe^{2+}]}}{[\ce{Fe^{3+}}][e]} = 10^{12.53} (3.76)

Os valores numéricos para as constantes de equilíbrio foram obtidos a partir da Eq. (3.12), usando dados da energia livre de Gibbs a 25 °C e 1 bar. Para obter expressões para as condições redox expressas como pE, as Eqs. (3.75) e (3.76) podem ser rearranjadas para

\text{p}E = 20.78 + \frac{1}{4} \log (P_{\ce{O2}}) - \text{pH} (3.77)

\text{p}E = 12.53 + \log \left(\ce{\frac{[Fe^{3+}]}{[Fe^{2+}]}}\right) (3.78)

Se a reação redox [Eq. (3.74)] está em equilíbrio e se as concentrações de ferro, PO2, e pH são conhecidos, o pE obtido a partir dessas relações é o mesmo. Embora existam muitas espécies dissolvidas na solução envolvida em reações com transferência de elétrons e íons hidrogênio, no equilíbrio há apenas uma condição de pE, assim como há apenas uma condição de pH. Nos sistemas de águas subterrâneas, há uma interdependência de pH e pE. Quase todas as reações listadas na Tabela 3.9 envolvem transferências de elétrons e prótons. Se o equilíbrio for assumido, as reações que incluem o pH podem ser escritas como funções de pE. As representações gráficas das relações pH-pE são descritas abaixo.

Embora a discussão acima tenha sido baseada inteiramente no pressuposto de que os processos redox estão em equilíbrio, em situações de campo, as concentrações de espécies oxidáveis e redutíveis podem estar longe daquelas previstas usando modelos em equilíbrio. Muitas reações redox ocorrem lentamente e muitas são irreversíveis. É possível, portanto, ter vários níveis redox diferentes na mesma localidade. Há também a possibilidade de que as bactérias necessárias para catalisar muitas das reações redox existam em microambientes nos meios porosos que não são representativos do macro ambiente global no qual ocorre o fluxo principal de água subterrânea. As considerações de equilíbrio podem, no entanto, ajudar muito nossos esforços para compreender de uma maneira geral as condições redox observadas nas águas subterrâneas. Stumm & Morgan (1970), em seu texto abrangente sobre a química aquática, sugerem: “Em todas as circunstâncias, cálculos de equilíbrio fornecem condições de contorno para as quais os sistemas devem se dirigir. Além disso, os equilíbrios parciais (aqueles envolvendo alguns, porém, não todos os pares redox) são frequentes mesmo que o equilíbrio total não seja atingido. Percepções valiosas são obtidas mesmo quando diferenças são observadas entre os cálculos e as observações. A falta de equilíbrio e a necessidade de informações adicionais ou de uma teoria mais sofisticada são, então, esclarecidas” (p. 300).

A condição redox para os processos no equilíbrio pode ser expressa em termos de pE (adimensional), Eh (volts), ou ΔG (joules ou calorias). Embora nos últimos anos o pE tornou-se um parâmetro comumente utilizado em estudos redox, o Eh tem sido empregado em muitas investigações, especialmente antes da década de 1970. O Eh é comumente referido como o potencial redox e é definido como a energia ganha na transferência de 1 mol de elétrons de um oxidante para H2. O h no Eh indica que o potencial está na escala de hidrogênio e o E simboliza a força eletromotriz. O pE e Eh estão relacionados por

\text{p}E = \frac{nF}{2.3RT}Eh (3.79)

onde F corresponde à constante de Faraday (9,65 × 104 C • mol–1), R à constante de gás, T à temperatura absoluta e n ao número de elétrons na semi-reação. Para reações a 25 °C nas quais as semi-reações são expressas em termos de transferência de um único elétron, a Eq. (3.79) fica

\text{p}E = 16.9 Eh (3.80)

Eh é definido pela relação conhecida como equação de Nernst,

Eh\text{(volts)} = Eh^\text{o} + \frac{2.3 RT}{nF} \log \left( \frac{\text{[oxidante]}}{\text{[redutor]}} \right) (3.81)

onde Eh° é uma condição padrão ou de referência na qual todas as substâncias envolvidas estão numa atividade unitária e n é o número de elétrons transferidos. Isto é uma convenção termodinâmica. Atividades unitárias somente podem existir em soluções infinitamente diluídas; esta condição é, portanto, hipotética. A equação que relaciona Eh° diretamente à constante de equilíbrio é

Eh^\text{o} = \frac{RT}{nF} \text{ln} \hspace{1mm} K (3.82)

No estudo de sistemas aquosos os mesmos objetivos podem ser alcançados utilizando tanto pE como Eh para representar as condições redox. O parâmetro pE costuma ser mais utilizado por envolver representações simples de semi-reações redox em combinação com a lei de ação de massas. A facilidade em se computar indistintamente pE e Eh é desejável uma vez que as tabelas de dados termodinâmicos para reações redox são comumente expressas como valores de Eh° e também porque, em determinados sistemas aquáticos, o método adequado para a obtenção de indicativos de condição redox envolve medições de potenciais de eletrodos, como voltagem.

Fatores Microbiológicos

Os micro-organismos catalisam grande parte das reações redox que ocorrem na água subterrânea. Isso significa que, embora as reações sejam termodinamicamente espontâneas, elas requerem o efeito catalisador exercido pelos micro-organismos para procederem numa taxa adequada. Embora os micro-organismos não costumam ser considerados componentes fundamentais do ambiente das águas subterrâneas e sua influência seja eventualmente negligenciada, é necessário discutir sua importância a fim de auxiliar na compreensão das causas e efeitos dos processos redox.

Dentre os micro-organismos de maior importância para os processos redox que ocorrem na água subterrânea, estão as bactérias. Outros tipos de micro-organismos, como algas, fungos, leveduras e protozoários são também importantes, porém, em outros tipos de ambientes aquosos. As bactérias normalmente possuem tamanho entre 0,5 e 3 μm, sendo pequenas quando comparadas ao tamanho dos poros de materiais geológicos e grandes em relação ao tamanho de moléculas e íons presentes na água. A capacidade catalítica das bactérias é conferida pela atividade das enzimas que possuem. Estas enzimas são substâncias protéicas produzidas por micro-organismos vivos que possuem a capacidade de aumentar a taxa das reações redox por reduzirem a energia de ativação das reações. Esta capacidade se deve pela forte interação dos micro-organismos com moléculas complexas, representando estruturas moleculares que ocorrem entre o processo de conversão de reagentes em produtos (Pauling & Pauling, 1975). O ambiente molecular das diversas reações enzimáticas é bastante distinto da complexidade do ambiente aquoso.

As bactérias e suas enzimas estão envolvidas no processo redox a fim de adquirir energia para síntese e manutenção celular. Uma importante etapa no processo de crescimento celular bacteriano se refere à formação de moléculas armazenadoras de energia, conhecidas como adenosina trifosfato (ATP). Após a sua formação, estas moléculas de elevado potencial energético podem ser hidrolisadas por meio de reações sequenciais, liberando energia para síntese de material celular. O crescimento bacteriano é, portanto, diretamente relacionado ao número de moles de ATP formado a partir dos substratos disponíveis. Parte da energia obtida nas reações redox é utilizada para manutenção de funções celulares como mobilidade, para prevenção de um fluxo indesejado de solutos tanto para dentro como para fora da célula, ou para nova síntese de proteínas constantemente degradadas (McCarty, 1965).

Para que as bactérias consigam fazer uso do rendimento energético obtido em uma reação redox, é necessária uma troca de energia livre mínima de aproximadamente 60 kJ/mol entre reagentes e produtos (Delwiche, ,1967). A principal fonte de energia para as bactérias na zona de águas subterrâneas é proveniente da oxidação da matéria orgânica.

As bactérias que conseguem sobreviver somente na presença de oxigênio dissolvido são conhecidas como bactérias aeróbias, enquanto que bactérias anaeróbias requerem a ausência de oxigênio para sua sobrevivência. Existem ainda bactérias facultativas que podem sobreviver tanto na ausência como na presença de oxigênio. O limite mínimo de oxigênio dissolvido necessário para a existência da maioria das bactérias aeróbias é de aproximadamente 0,05 mg/, embora algumas espécies sejam capazes de sobreviver em ambientes com concentrações inferiores a esta. Como a maioria dos métodos comumente empregados para analisar oxigênio dissolvido possui limite de detecção próximo de 0,1 mg/, é possível que bactérias aeróbias consigam mediar processos redox que possam parecer anaeróbios, considerando essa limitação dos métodos de análise de oxigênio dissolvido.

Diferentes espécies bacterianas podem tolerar pressões de centenas de bars, faixas de pH de 1 até 10, temperaturas próximas de zero e até mesmo acima de 75 °C, além de salinidades superiores às da água do mar. São capazes também de migrar através dos poros de materiais geológicos e, em ambientes desfavoráveis, podem ativar componentes celulares que lhes conferem resistência em ambientes extremos (Oppenheimer, 1963). Apesar destas características resilientes, existem diversos ambientes subterrâneos em que a matéria orgânica não é degradada na taxa desejada. Consequentemente, esta matéria orgânica acaba persistindo no ambiente apesar de todo o tempo disponível para que estas reações de oxidação ocorram. Quando as reações redox que requerem a atividade catalítica microbiana não ocorrem dentro da taxa esperada, é possível que exista uma limitação nutricional no ambiente, a qual pode estar influenciando negativamente a atividade microbiana. Existem diversos tipos de nutrientes. Alguns compostos de carbono, nitrogênio, enxofre e fósforo, além de diversos metais, são necessários para a composição celular bacteriana. Outros nutrientes podem atuar como doadores de elétrons ou fontes de energia, como água, amônia, glucose e H2S, enquanto outros atuam como receptores de elétrons, como oxigênio, nitrato e sulfato. Macronutrientes são substâncias requisitadas em grandes quantidades para atuarem como elementos de base na construção celular. Já os micronutrientes são necessários em quantidades tão pequenas que dificultam sua detecção. Os macronutrientes demandados pela maioria das bactérias são semelhantes ou idênticos, enquanto que a demanda de micronutrientes costuma variar de espécie para espécie (Brock, 1966).

Embora as bactérias desempenhem um papel fundamental no ambiente geoquímico da água subterrânea, o estudo das bactérias existentes em níveis mais profundos do que o do solo está ainda em seus primórdios. As próximas décadas devem promover avanços interessantes nesta área de pesquisa.

Diagramas pE-pH

Gráficos que representam o equilíbrio de íons ou minerais como domínios relativos ao pE (ou Eh) e pH são conhecidos como diagramas pE-pH ou Eh-pH. Durante a década de 50, estes diagramas foram construídos por M.J.N. Pourbaix e colaboradores no Centro Belga de Estudos de Corrosão, como uma ferramenta prática da química aplicada. Os resultados deste trabalho estão descritos em Pourbaix et al. (1963). Após os métodos desenvolvidos pelo grupo belga, R.M. Garrels e colaboradores realizaram trabalhos pioneiros na aplicação destes diagramas para a análise de sistemas geológicos. Os diagramas pE-pH têm sido amplamente aplicados nas áreas de geologia, limnologia, oceanografia e pedologia. Nas investigações da qualidade da água subterrânea, considerável ênfase tem sido dada para a compreensão dos processos que controlam a ocorrência e mobilidade de elementos minoritários e elementos-traço. Nesse contexto, os diagramas pE-pH se apresentam como uma importante ferramenta. A discussão subsequente destes diagramas se refere apenas a uma breve introdução. A condição redox será representada por pE ao invés de Eh, por conveniência. Discussões aprofundadas sobre este tema estão disponíveis nos trabalhos de Garrels & Christ (1965), Stumm & Morgan (1970) e Guenther (1975). Uma discussão concisa sobre os métodos utilizados para a elaboração de diagramas Eh-pH está disponível em Cloke (1966).

Em virtude do interesse na ocorrência de equilíbrio (estabilidade) de espécies dissolvidas e minerais em ambientes aquosos, a primeira etapa a ser considerada para as relações pE-pH é determinar sob quais condições H2O é estável. A partir das semi-reações redox:

\ce{O2(g) + 4H+ + 4}e = 2 \ce{H2O} (3.83)

\ce{2H+} + 2e = \ce{H2(g)} (3.84)

obtém-se para condições a 25 °C,

\text{p}E = 20.8 - \text{pH} + \frac{1}{4} \log P_{\ce{O2}} (3.85)

\text{p}E = -\text{pH} - \frac{1}{2} \log P_{\ce{H2}} (3.86)

Estas relações estão ilustradas nas linhas 1 e 2 no diagrama pE-pH da Figura 3.10 (a).

Figura 3.10 Diagramas pE-pH, a 25 °C e 1 bar. (a) Campo de estabilidade para água; (b) linhas de construção para o sistema Fe-H2O (ver no texto as equações que representam os números atribuídos às linhas); (c) diagrama completo representando campos de estabilidade para as principais espécies dissolvidas e fases sólidas.

Para exemplificar os domínios de estabilidade de íons e minerais, o sistema Fe-H2O representado na Figura 3.10 será considerado. Na água subterrânea, o ferro em solução está normalmente presente nas formas Fe2+ e Fe3+. Assim, estas são as especiações do ferro que serão consideradas em nossa análise. No caso de uma avaliação mais aprofundada, os complexos como Fe(OH)2+, \ce{Fe(OH)^+_2} e \ce{HFeO^-_2} deveriam também ser considerados. Os compostos sólidos que poderiam ocorrer no sistema Fe-H2O estão listados na Tabela 3.12.  Uma série de reações de redução envolvendo um material sólido (composto de ferro), H+ e e como reagentes, e um composto sólido mais reduzido e água como produtos podem ser descritas para os compostos nesta tabela. Por exemplo,

\ce{Fe(OH)3 + H+} + e = \ce{Fe(OH)2 + H2O} (3.87)

Expressando esta reação na forma de ação de massas, com atividade da água e fases sólidas assumidas como unidade (pelas razões discutidas na Seção 3.2), obtém-se:

K = \frac{1}{[\text{H}][e]} (3.88)

Tabela 3.12 Óxidos e Hidróxidos no Sistema Fe–H2O System

Estado de Oxidação Substâncias Sólidas
0 Fe
II FeO,
Fe(OH)2
II e III Fe3O4
III Fe2O3,
Fe(OH)3,
FeOOH

e na forma logarítimica,

log K – pH – pE = 0 (3.89)

A constante de equilíbrio nessa equação pode ser obtida usando a Eq. (3.12) e tabelas com os valores da energia livre de Gibbs de formação (\Delta G^0_f), como indicado na Seção 3.2. A equação (3.89) é representada como uma linha no diagrama pE-pH apresentado na Figura 3.10 (b) (linha 3). No domínio pE-pH acima desta linha, Fe(OH)3 é estável; abaixo desta linha é reduzido para Fe(OH)2. Estes são conhecidos como os campos de estabilidade destes dois compostos sólidos de ferro. Linhas que representam as demais equações de redução obtidas através da reação dos demais sólidos da Tabela 3.12 com H+ e e para formar compostos ainda mais reduzidos e H2O podem ser construídas nos diagramas de pE-pH. Contudo, estas linhas estão localizadas fora do campo de estabilidade para H2O [isto é, acima e abaixo das linhas (1) e (2)], e, como consequência, não são do interesse do estudo de águas subterrâneas.

Na maior parte dos estudos de águas naturais, o interesse é focado na espécie dissolvida, bem como nas fases minerais. Por isso, a informação sobre as concentrações de equilíbrio é normalmente incluída nos diagramas de pE-pH. Para fins ilustrativos, será considerado adiante o sistema Fe-H2O. O estado de oxidação do ferro em Fe(OH)3 é +III. A dissociação na água do moderadamente cristalino Fe(OH)3 é

\ce{Fe(OH)3 + 3H+ = Fe^{3+} + 3H2O} \hspace{1cm} \Delta G_r^0 = -1.84 \text{kJ} (3.90)

De acordo com a lei de ação de massas temos

K_{\ce{Fe(OH)3}} = \ce{\frac{[Fe^{3+}]}{[H+]^3}} (3.91)

A partir da Eq. (3.12), temos que o valor obtido para logK é +0,32. A relação de ação de massas pode ser expressa como

\log \ce{[Fe^{3+}] = 0.32 - 3 \hspace{1mm} \text{pH}} (3.92)

a qual é traçada como uma linha vertical no diagrama pE-pH. Se o pH é especificado, a reta obtida a partir desta expressão representa a atividade em equilíbrio do Fe3+ que irá existir na solução aquosa em contato com a fase sólida, Fe(OH)3. A Equação (3.92) indica que a atividade do Fe3+ aumenta com a diminuição do pH. Na construção dos diagramas pE-pH, é um procedimento comum escolher um pH no qual a atividade de espécies dissolvidas pode ser desprezada. A escolha desta faixa de pH depende da natureza do problema. Para fins ilustrativos, duas linhas são ilustradas na Figura 3.10 (b) [linhas (4) e (5), que representam as atividades do Fe3+ como sendo 10–5 e 10–6. Embora teoricamente estas linhas representam atividades, e, portanto, são adimensionais, elas apresentam validade para representar a molalidade, pois, em soluções de baixa salinidade, os coeficientes de atividade são quase iguais à unidade.

Sob condições de pE menores, o Fe2+ é a espécie mais importante de ferro dissolvido. A reação de interesse é

\ce{Fe(OH)2 + 3H+ = Fe^{2+} + 2H2O} \hspace{1cm} \Delta G_r^0 = +26.33 \text{kJ} (3.93)

A partir da relação de ação de massas, a expressão pode ser modificada para

\log \ce{[Fe^{2+}] = 10.23 - 2 pH} (3.94)

Para valores de [Fe2+] iguais a 10–5 e 10–6, esta equação é representada na Figura 3.10 pelas linhas (6) e (7), respectivamente. Estas linhas se sobrepõem apenas na área do diagrama onde a fase sólida estável é o Fe(OH)2. Porém, o Fe2+ também existe em alguma atividade no equilíbrio na parte do diagrama na qual o Fe(OH)3 é a fase sólida estável. O Fe2+ e Fe(OH)3 podem ser relacionados pela semi-reação redox

\ce{Fe(OH)3 + 3H+} + e = \ce{Fe^{2+} + 3H2O} \hspace{1cm} \Delta G_r^0 = -76.26 \text{kJ} (3.95)

A partir da relação da ação de massas

\log \ce{[Fe^{2+}]} = \log K_{\ce{Fe(OH)3}} - 3\text{pH} - \text{p}E (3.96)

onde log KFe(OH)3 = 13,30. Na Figura 3.10 (b) esta expressão é representada pelas linhas (8) e (9) para valores de [Fe2+] iguais a 10–5 e 10–6, respectivamente.

A Figura 3.10 (c) é uma versão “limpa” do diagrama pE-pH. Ela ilustra a forma normalmente encontrada na literatura para diagramas pE-pH. É importante não esquecer que as linhas de contorno entre as fases sólida e de espécies dissolvidas baseia-se em valores específicos de atividade, e que a sua validade a partir de condições de equilíbrio termodinamicamente definidas é dependente da confiabilidade dos dados de energia livre usados na construção do diagrama. No exemplo acima, há uma incerteza considerável na posição de alguns contornos, pois, a fase sólida, Fe(OH)3, é uma substância com variações na rede cristalina, possuindo valores diferentes de \Delta G^0_f de acordo com a cristalinidade.

No Capítulo 9, diagramas pE-pH são usados para outros constituintes dissolvidos nas águas subterrâneas. Embora alguns diagramas pE-pH aparentam ser mais complexos, sua construção pode ser feita por procedimentos não muito mais elaborados que os descritos acima.

3.7 Troca de Íons e Adsorção

Mecanismos

Materiais geológicos porosos que são compostos por uma relativa porcentagem de partículas de tamanho coloidal possuem a capacidade de realizar trocas dos constituintes iônicos que estão adsorvidos nas superfícies das partículas. Partículas coloidais possuem um diâmetro no intervalo de 10–3–10–6 mm. São grandes em comparação com o tamanho de pequenas moléculas, mas são pequenas o suficiente para que estas forças entre as superfícies sejam significantes para o seu comportamento. A maior parte dos argilominerais são de tamanho coloidal. Os produtos do intemperismo geoquímico das rochas são frequentemente inorgânicos, colóides amorfos (sem ou com pouca forma cristalina definida) em estado permanentemente metaestável. Esses produtos de intemperismo coloidais podem ocorrer revestindo as superfícies de partículas maiores. Até mesmo um depósito aparentando ser apenas areia limpa ou cascalho pode possuir quantidades consideráveis destes colóides.

Processos de troca de íons são praticamente exclusivos das partículas coloidais porque elas exibem uma grande carga elétrica em comparação com sua área superficial. A carga na superfície é resultado de (1) imperfeições ou substituições iônicas no retículo cristalino ou (2) reações de dissociação química que ocorrem na superfície da partícula. Substituições iônicas causam uma carga líquida positiva ou negativa no retículo cristalino. Esse desequilíbrio é compensado por uma acumulação de íons de carga contrária na superfície da partícula, chamados de contra-íons. Eles consistem numa camada adsorvida de composição variável. Íons nesta camada podem ser trocados por outros íons desde que o desequilíbrio de cargas no retículo cristalino possa ser balanceado.

Nos materiais geológicos, os colóides que apresentam como característica primária uma superfície carregada causada por substituições iônicas são os argilominerais. Os mais comuns podem ser subdivididos em cinco grupos: grupo da caulinita, grupo da montmorilonita (ou das esmectitas), grupo da ilita, grupo da clorita e grupo da vermiculita. Cada grupo inclui alguns ou vários tipos de estruturas, com nomes de minerais distintos. Contudo, todos os cinco grupos são aluminossilicatos com camadas. A estrutura e a composição destes grupos é descrita em detalhes em várias monografias, por exemplo, de Grim (1968) sobre argilominerais e de van Olphen (1963) sobre troca iônica.

Sílica, que é o óxido mais comum na crosta terrestre e um dos óxidos mais simples, é caracterizada por ter superfícies eletricamente carregadas. As superfícies contém íons que não estão completamente coordenados e, portanto, apresentam uma carga desbalanceada. No vácuo, a carga líquida é extremamente pequena. Ao entrar em contato com a água, os locais carregados são convertidos para grupos de hidróxido na superfície, os quais controlam a carga superficial do mineral. A carga na superfície é gerada devido a dissociação dos grupos OHadsorvidos naquela superfície específica. Para neutralizar essa carga, uma camada adsorvida de cátions e ânions forma uma zona adjacente à camada de hidróxidos. Parks (1967) mostra que as condições da superfície com hidróxidos devem ocorrer em todos os materiais óxidos que tiveram a oportunidade de entrar em equilíbrio com o meio aquoso. Dependendo se o  grupo de dissociação das hidroxilas é predominantemente básico ou ácido, a carga líquida na camada com hidróxidos pode ser positiva ou negativa. A carga superficial também pode ser produzida pela adsorção de complexos iônicos carregados.

A natureza da superfície carregada depende do pH. Para valores baixos de pH, prevalece uma carga superficial positiva; para pH elevado, desenvolve-se uma superfície carregada negativamente. Para valores intermediários de pH, a carga será zero, que é uma condição conhecida como ponto de carga zero (pHzpc). Portanto, a tendência para adsorção de cátions ou ânions depende do pH da solução.

Capacidade de Troca Catiônica

A capacidade de troca catiônica (CTC) de um material coloidal é definida por Van Olphen (1963) como o excesso de contra íons na zona adjacente à camada de carga superficial que pode ser trocada por outros cátions. A capacidade de troca catiônica de materiais geológicos é normalmente expressa como o número de miliequivalentes de cátions que podem ser trocados numa amostra com uma massa seca de 100 g. O teste padrão para determinar a CTC desses materiais envolve (1) saturação dos locais de troca com \ce{NH^+_4}, misturando a amostra de solo com uma solução de acetato de amônio, (2) ajuste do pH da água dos poros para 7,0, (3) remoção do \ce{NH^+_4} adsorvido por lixiviação com uma solução forte de NaCl (o Na+ substitui \ce{NH^+_4} nos locais de troca), e (4) determinação do conteúdo de Na+ da solução de lixiviação após o equilíbrio ter sido alcançado. Os valores de CTC obtidos a partir dos testes padrões de laboratório são uma medida da capacidade de troca catiônica nas condições especificadas do teste. Para os minerais que devem sua capacidade de troca às reações de dissociação química em suas superfícies, a real capacidade de troca pode ser fortemente dependente do pH.

O conceito de capacidade de troca catiônica e sua relação com minerais argilosos e substituição isomórfica é ilustrado pelo seguinte exemplo adaptado de Van Olphen (1963). Seja uma argila montmorilonítica em que 0,67 mol de Mg ocorre em substituição isomórfica de Al nos octaedros do retículo cristalino da alumina. A fórmula da célula unitária para o retículo cristalino da montmorilonita pode ser expressa como

Ex\ce{(Si_8)(Al_{3.33}Mg_{0.67})O20(OH)4}

onde Ex denota cátions permutáveis. Será assumido que os cátions permutáveis correspondem apenas a Na+. A partir dos pesos atômicos dos elementos, a fórmula peso desta montmorilonita é 734 g. Desta maneira, a partir do número de Avogadro, 734 g desta argila contém 6,02 × 1023 células unitárias. A célula unitária é a menor unidade estrutural a partir da qual as partículas de argila são montadas. Dimensões típicas de células unitárias para montmorilonita determinadas a partir de análises de difração de raios X são 5,15 Å e 8,9 Å (Angstroms) no plano das folhas octaédricas-tetraédricas. Os espaçamentos entre folhas variam de 9 a 15 Å, dependendo da natureza dos cátions adsorvidos e moléculas de água. A área superfície total de 1 g de argila é

\frac{1}{734} \times 6.02 \times 10^{23} \times 2 \times 5.15 \times 8.9\buildrel _\circ \over {\mathrm{A}}^2\text{/g = 750 m}^2/\text{g}

Para equilibrar a carga negativa causada pela substituição de Mg, 0,67 mol de cátion monovalente, neste caso o Na+, é necessário por 734 g de argila. Expressa nas unidades normalmente utilizadas, a capacidade de troca catiônica é, portanto

\text{CEC} = \frac{0.67}{734} \times 10^3 \times 100 = 91.5 \hspace{1mm} \text{meq/100 g}

a qual é equivalente a 0,915 × 6,02 × 1020 cátions monovalentes por grama.

Uma vez que o número de cátions necessário para equilibrar a carga superficial por unidade de massa de argila e a área superficial por unidade de massa de argila são agora conhecidos, a área superficial disponível para cada cátion monovalente substituível pode ser calculada:

\frac{750 \times 10^{20}}{0.915 \times 6.02 \times 10^{20}} = 132 \buildrel _\circ \over {\mathrm{A}}^2\text{/ion}

O raio hidratado de Na+ é estimado na faixa de 5,6–7,9 Å, correspondendo a áreas de 98,5–196,1 Å2.Comparações destas áreas com a área superficial disponível por cátion monovalente indicam que pouco mais do que uma monocamada de cátions adsorvidos é necessária para equilibrar a carga superficial causada por substituição isomórfica.

Um cálculo semelhante para a caulinita indica que para esta argila a área superficial é de 1075 m2/g (Wayman, 1967). A capacidade de troca catiônica para caulinita está tipicamente na faixa de 1–10 meq/100 g, e, portanto, uma monocamada de cátions adsorvidos corresponderia aos requisitos do  balanço de cargas.

Equações da Ação de Massas

Seguindo a metodologia utilizada em muitos dos outros tópicos abordados no capítulo, desenvolveremos relações quantitativas para os processos de troca de cátions, aplicando a lei da ação de massas. Nesse sentido, assume-se que o sistema de troca consiste em duas fases discretas, a fase da solução e a fase de troca. A fase de troca consiste no meio poroso total ou parcial. O processo de troca iônica é, então, representado simplesmente como uma troca de íons entre estas duas fases,

a\text{A} + b\text{B}(ad) = a\text{A} + b\text{B} (3.97)

onde A e B são os íons trocáveis, a e b são o número de mols, e o sufixo (ad) representa um íon adsorvido. A ausência deste sufixo denota um íon em solução. Da lei da ação de massas,

K_{\text{A-B}} = \frac{[\text{A}_{\text{(ad)}}]^a\text{[B]}^b}{[\text{A}]^a [\text{B}_{\text{(ad)}}]^b} (3.98)

onde as quantidades entre parênteses representam atividades. Para a troca entre Na+ e  Ca2+, a qual é bastante importante em muitos sistemas naturais de águas subterrâneas, a equação de troca é

2Na+ + Ca(ad) = Ca2+ + 2Na(ad) (3.99)

K_{\text{Na-Ca}} = \frac{\ce{[Ca^{2+}][Na_{(ad)}]^2}}{\ce{[Na+]^2[Ca_{(ad)}]}} (3.100)

A razão de atividade dos íons em solução pode ser expressa em termos de molalidade e coeficientes de atividade como

\frac{\text{[B]}^b}{\text{[A]}^a} = \frac{\gamma_{\text{B}}^{b}(\text{B})^b}{\gamma_{\text{A}}^{a}(\text{A})^a} (3.101)

onde os valores dos coeficientes de atividade (γA, γB) podem ser obtidos da forma habitual (Seção 3.2). Para que a Eq. (3.98) seja útil é necessário obter valores para as atividades dos íons adsorvidos na fase de troca. Vanselow (1932) propôs que as atividades dos íons adsorvidos sejam iguais às suas frações molares (a Seção 3.2 inclui uma definição desta quantidade). As frações molares de A e B são

N_{\text{A}} \frac{\text{(A)}}{\text{(A) + (B)}} \hspace{1cm} \text{and} \hspace{1cm} N_{\text{B}} \frac{\text{(B)}}{\text{(A) + (B)}}

onde (A) e (B), expressos em mols, são os constituintes adsorvidos. A expressão do equilíbrio torna-se

\bar{K}_{\text{(A-B)}} = \frac{\gamma_{\text{B}}^{\text{b}}(\text{B})^b}{\gamma_{\text{A}}^{\text{a}}(\text{A})^a} \frac{N_{\text{A(ad)}}^{\text{a}}}{N_{\text{B(ad)}}^{\text{b}}} (3.102)

Vanselow e outros encontraram experimentalmente que, para alguns sistemas de troca envolvendo eletrólitos e argilas, \bar{K} é uma constante. Consequentemente, \bar{K} se tornou conhecido como coeficiente de seletividade. Nos casos em que não é uma constante, ele é mais apropriadamente chamado de função seletividade (Babcock, 1963). Em muitas investigações, os termos do coeficiente de atividade na Eq. (3.101) não estão incluídos. Babcock & Schulz (1963) mostraram, no entanto, que o efeito do coeficiente de atividade pode ser particularmente importante no caso da troca de cátions monovalente-divalente.

Argersinger et al. (1950) ampliaram a teoria de Vanselow para explicar mais apropriadamente os efeitos dos íons adsorvidos. Foram introduzidos coeficientes de atividade para íons adsorvidos numa forma análoga aos coeficientes de atividade do soluto.

\gamma_{\text{A(ad)}} = \frac{[\text{A}_{\text{(ad)}}]}{N_{\text{A(ad)}}} \hspace{1cm} \text{e} \hspace{1cm} \gamma_{\text{B(ad)}} = \frac{[\text{B}_{\text{(ad)}}]}{N_{\text{B(ad)}}} (3.103)

A constante de equilíbrio de ação de massas, KA-B, está, portanto, relacionada com a função seletividade por

K_{\text{A-B}} = \frac{\gamma_{\text{A(ad)}}^{\text{a}}} {\gamma_{\text{B(ad)}}^b} \bar{K}_{\text{(A-B)}} (3.104)

Embora, em teoria, esta equação deve fornecer um método válido para prever os efeitos da troca iónica nas concentrações de cátions nas águas subterrâneas, com as notáveis exceções das investigações feitas por Jensen & Babcock (1973) e por El-Prince & Babcock (1975), geralmente, os estudos de troca de cátions não incluem a determinação de valores de K e γ(ad). A informação sobre os coeficientes de seletividade é muito mais comum na literatura. Para o par de troca Mg2+–Ca2+, Jensen & Babcock e outros observaram que o coeficiente de seletividade é constante em grandes intervalos de razões (Mg2+)(ad)/(Ca2+)(ad) e de intensidade iônica. Os valores de \bar{K}_{\ce{Mg-Ca}} estão tipicamente no intervalo de 0,6–0,9. Isto indica que Ca2+ é adsorvido preferencialmente a Mg2+.

O interesse nos processos de troca de cátions na zona de águas subterrâneas concentra-se na questão do que irá acontecer com as concentrações de cátions nas águas subterrâneas à medida que a água move para uma zona na qual existe uma capacidade de troca catiônica significativa. Estratos que podem alterar a química das águas subterrâneas por troca catiônica podem possuir outras propriedades geoquímicas importantes. Por questões de simplicidade, elas são excluídas desta discussão. Quando a água subterrânea de uma composição particular se move para uma zona de troca catiônica, as concentrações catiônicas irão ajustar-se a uma condição de equilíbrio de troca. As concentrações catiônicas de equilíbrio dependem das condições iniciais, tais como: (1) as concentrações catiônicas da água que entra no espaço poroso em que a troca ocorre e (2) as frações molares de cátions adsorvidos nas superfícies dos poros imediatamente antes da entrada de nova água nos poros. Na medida em que cada novo volume de água se move através do espaço poroso, um novo equilíbrio é estabelecido em resposta ao novo conjunto de condições iniciais. O movimento contínuo das águas subterrâneas através da zona de troca catiônica pode ser acompanhado por uma mudança gradual da química dos poros, embora o equilíbrio de troca na água dos poros seja mantido a todo momento. Esta condição de mudança de equilíbrio é particularmente característica dos processos de troca de cátions na zona de água subterrânea e também está associada a outros processos hidroquímicos onde o fluxo hidrodinâmico provoca a substituição contínua da água dos poros na medida em que ocorrem reações rápidas de água-mineral.

O exemplo a seguir ilustra como as reações de troca podem influenciar a química da água subterrânea. Considere a reação

\ce{(Mg^{2+}) + (Ca^{2+})_{ad} <=> (Ca^{2+}) + (Mg^{2+})_{ad}} (3.105)

que leva a

\bar{K}_{\text{Mg-Ca}} = \frac{\gamma_{\text{Ca}}(\ce{Ca}^{2+})}{\gamma_{\text{Mg}}(\ce{Mg}^{2+})} \frac{N_{\text{Mg}}}{N_{\text{Ca}}} (3.106)

onde \bar{K}_{\ce{Mg-Ca}} é o coeficiente de seletividade, γ denota o coeficiente de atividade, (Ca2+) e (Mg2+) são molalidades, e NMg e NCa são as frações molares de Mg2+ e Ca2+ adsorvidos. Nas baixas e moderadas intensidades iônicas, os coeficientes de atividade de Mg2+ e Ca2+ são semelhantes (Figura 3.3), e a Eq. (3.106) pode ser simplificada para

\bar{K}_{\text{Mg-Ca}} = \frac{(\ce{Ca}^{2+})}{(\ce{Mg}^{2+})} \frac{N_{\text{Mg}}}{N_{\text{Ca}}} (3.107)

Neste exemplo, a troca ocorre quando a água subterrânea de baixa intensidade iônica com molalidades de Mg2+ e Ca2+ de 1 × 10–3 flui através de um estrato argiloso com uma capacidade de troca catiônica de 100 meq/100g. Concentrações de outros cátions na água são insignificantes. Supõe-se que antes da entrada da água subterrânea no estrato de argila, as posições de troca na argila são igualmente compartilhadas por Mg2+ e Ca2+. A condição de adsorção inicial é, portanto, NMg = NCa. Para calcular as concentrações de equilíbrio catiônico, é necessário informação sobre a porosidade ou densidade da massa seca de argila. Supõe-se que a porosidade é 0,33 e que a densidade dos sólidos é 2,65 g/cm3. Uma estimativa razoável para a densidade de massa seca é, portanto, 1,75 g/cm3. É conveniente, neste contexto, expressar as concentrações dos cátions em solução como mols por litro, as quais, nas baixas concentrações, equivalem à molalidade. Uma vez que a porosidade é 0,33, expressa como uma fração, pode-se dizer que cada litro de água no estrato argiloso está em contacto com 2 × 103 cm3 de sólidos que têm uma massa de 5,3 × 103 g. Uma vez que a CTC é de 1 meq/g e desde que 1 mol de Mg2+ ou Ca2+ = 2 equivalentes, então, 5,3 × 103 g de argila terão um total de 5,3 equivalentes, correspondendo a 1,33 mol de Mg e 1,33 mol de Ca2+ adsorvidos. Supõe-se também que a água subterrânea flui para a argila saturada com água, deslocando totalmente a água original dos poros. As concentrações de Ca2+ e Mg2+ na água subterrânea podem agora ser calculadas na medida em que esta entra no estrato argiloso. Um valor de \bar{K}_{\ce{Mg-Ca}} de 0,6 será usado, assumindo-se que o deslocamento da água dos poros ocorre instantaneamente, com dispersão hidrodinâmica insignificante. Uma vez que as condições iniciais são especificadas como NMg = NCa, um litro de água está em contato com argila que tem 1,33 mol de Mg2+ e 1,33 mol de Ca2+ nos locais de troca. Comparada às concentrações de Mg2+ e Ca2+ na água subterrânea, a camada adsorvida nas partículas de argila é um grande reservatório de cátions trocáveis.

A substituição dos valores iniciais no lado direito da Eq. (3.107) produz um valor para o quociente de reação [Eq. (3.60)]:

Q_{\text{Mg-Ca}} = \frac{1 \times 10^{-3}}{1 \times 10^{-3}} \times \frac{0.5}{0.5} = 1

Para que a reação prossiga para o equilíbrio em relação à nova água dos poros, Q_{\ce{Mg-Ca}} deve diminuir para um valor de 0,6 até atingir a condição de Q = K. Isto ocorre por adsorção de Ca2+ e liberação de Mg2+ para a solução. O equilíbrio é alcançado quando Ca2+ = 0,743 × 10–3, Mg2+ = 1,257 × 10–3, NCa = 0,500743 e NMg = 0,499257. A proporção de cátions adsorvidos não é significativamente alterada, mas a razão (Mg2+) / (Ca2+) para as espécies dissolvidas aumentou de 1 para 1,7. Se a água subterrânea continuar a fluir através do estrato argiloso, as concentrações catiônicas de equilíbrio permanecerão como indicado acima até que um número suficiente de volumes de poro faça com que a razão de cátions adsorvidos varie gradualmente. Eventualmente, a razão NMg/NCa diminui para um valor de 0,6, ocasião em que a argila deixará de ser capaz de alterar as concentrações de Mg2+ e Ca2+ da água subterrânea de entrada. Se a química da água de entrada mudar, o equilíbrio de estado estacionário não será atingido.

Este exemplo ilustra a natureza dinâmica dos equilíbrios de troca catiônica. Pelo fato das reações de troca entre cátions e argilas serem normalmente rápidas, pode-se esperar que as concentrações de cátions na água subterrânea estejam em equilíbrio de troca, mas muitos milhares ou milhões de volumes de poros podem ter que passar através do meio poroso antes que a proporção de cátions adsorvidos se ajuste completamente à água de entrada. Dependendo das condições geoquímicas e hidrológicas, podem ser necessários períodos de milhões de anos para que isso ocorra.

A troca envolvendo cátions da mesma valência é caracterizada pela preferência por um dos íons caso o coeficiente de seletividade seja maior ou menor do que a unidade. A ordem normal de preferência para alguns cátions monovalentes e divalentes para a maioria das argilas é

Afinidade por adsorção

Cs+ > Rb+ > K+ > Na+ > Li+

Mais forte \ce{->} Mais fraco

Ba2+ > Sr2+ > Ca2+ > Mg2+

Os íons divalentes têm normalmente uma afinidade de adsorção mais forte do que os monovalentes, embora isto dependa em certa medida da natureza do trocador e da concentração das soluções (Wiklander, 1964). Ambas sequências de afinidade prosseguem na direção do aumento dos raios iônicos hidratados, com adsorção mais forte para os íons hidratados menores e mais fraca para os íons maiores. No entanto, deve ter-se em mente que a direção na qual uma reação de troca catiônica prossegue depende também da razão das frações molares adsorvidas na condição inicial e da razão de concentração dos dois íons em solução. Por exemplo, se considerarmos a condição de troca Mg – Ca usada nos cálculos de equilíbrio apresentados acima, mas alterarmos a condição inicial dos íons adsorvidos para NMg = 0,375 e NCa = 0,625, não haverá alteração nas concentrações de Mg2+ e Ca2+ na medida em que a água subterrânea passa pela argila. Se as condições iniciais de íons adsorvidos fossem tais que a razão NMg/NCa fosse menor que 0,6, a reação de troca iria prosseguir na direção inversa [para a direita na Eq. (3.105)], fazendo com que a razão (Mg2+)/(Ca2+) diminua. Isto indica que para determinar a direção na qual uma reação de troca iônica prosseguirá, é necessário mais informação do que a simples série de afinidade de adsorção apresentada acima.

As reações de troca catiônica mais importantes nos sistemas de água subterrânea são aquelas que envolvem cátions monovalentes e divalentes como Na+–Ca2+, Na+–Mg2+, K+–Ca2+ e K+–Mg2+. Para estas reações,

2A+ + B(ad) = B2+ + 2A(ad) (3.108)

\bar{K}_{\text{A-B}} = \frac{[\text{B}^{2+}]N_{\text{A}}^2}{[\text{A}^+]^2 N_{\text{B}}} (3.109)

A reação de troca Na+–Ca2+ é de especial importância quando ocorre em argilas montmoriloníticas (esmectita), pois, pode causar grandes alterações na permeabilidade. As argilas do grupo montmorilonita podem expandir-se e contrair-se em resposta a alterações na composição do cátion adsorvido entre as plaquetas de argilominerais. Os raios hidratados de Na+ e Ca2+ são tais que dois Na+ hidratados requerem mais espaço do que um de Ca2+. Assim, a substituição de Ca2+ por Na+ nos locais de troca causa um aumento na dimensão da rede cristalina. Isto resulta numa diminuição da permeabilidade, podendo causar degradação da produtividade agrícola dos solos.

3.8 Isótopos Ambientais

Desde o início dos anos 1950, os isótopos que ocorrem naturalmente na água no ciclo hidrológico têm sido usados em investigações de sistemas de águas subterrâneas e superficiais. De importância primordial nestes estudos são o trítio (3H) e o carbono 14 (14C), que são radioativos, e o oxigênio 18 (18O) e o deutério (2H), que são não radioativos (Tabela 3.1). Estes últimos são conhecidos como isótopos estáveis. O trítio e o deutério são muitas vezes representados como T e D, respectivamente. O 3H e o 14C são usados para determinar a idade das águas subterrâneas. O 18O e o 2H servem principalmente como indicadores de áreas fonte de águas subterrâneas e como indicadores de evaporação em corpos de águas superficiais.

Neste texto, estes quatro isótopos são os únicos isótopos ambientais para os quais são descritas aplicações hidrogeológicas. Para discussões da teoria e utilização hidrológica ou hidroquímica de outros isótopos naturais, tais como carbono 13, nitrogênio 15 e enxofre 34, o leitor deve consultar Back & Hanshaw (1965), Kreitler & Jones (1975) e Wigley 1975). Há várias situações em que os dados isotópicos podem fornecer informações hidrológicas valiosas que de outra forma não poderiam ser obtidas. Técnicas sofisticadas para a medição dos isótopos acima mencionados em água estão disponíveis há várias décadas, período durante o qual a utilização destes isótopos nos estudos de águas subterrâneas tem aumentado gradativamente.

Carbono-14

Previamente ao advento dos grandes testes termonucleares acima do solo em 1953, o 14C na atmosfera global era derivado inteiramente do processo natural de transmutação do nitrogênio causado pelo bombardeamento dos raios cósmicos. Esta produção de 14C foi estimada em cerca de 2,5 átomos/s.cm2 (Lal & Suess, 1968). A oxidação para CO2 ocorre rapidamente, seguida da mistura com o reservatório atmosférico de CO2. A concentração em estado estacionário de 14C na atmosfera é de cerca de um átomo de 14C para cada 1012 átomos de carbono comum (12C). Estudos do conteúdo de 14C nos anéis de árvores indicam que esta concentração de 14C variou ligeiramente durante os últimos 7000 anos. Outras evidências sugerem que não houve grandes mudanças nas concentrações atmosféricas de 14C durante as últimas dezenas de milhares de anos.

A lei de decaimento radioativo descreve a taxa na qual a atividade de 14C e todas as outras substâncias radioativas diminuem com o tempo. Isto é expresso como

A = A02t/T (3.110)

onde A0 é o nível de radioatividade em algum instante inicial, A é o nível de radioatividade após um tempo t, e T é a meia-vida do isótopo. Esta lei, em conjunto com medições do conteúdo de 14C na água subterrânea, pode ser usada como estimar a idade da água subterrânea. Neste contexto, o termo idade refere-se ao período de tempo decorrido desde que a água se moveu a zonas profundas de ocorrência de águas subterrâneas, depois de ter se isolado da atmosfera da Terra.

O uso de 14C para a datação de águas subterrâneas foi proposto pela primeira vez por Münnich (1957), seguindo o desenvolvimento de técnicas para a datação por 14C de materiais carbonáticos sólidos conduzidas por W. F. Libby, laureado Nobel em 1950. Quando a água se move abaixo do nível d´água e torna-se isolada do reservatório de CO2 da Terra, o decaimento radioativo faz com que o conteúdo de 14C no carbono dissolvido diminua gradualmente. A expressão para o decaimento radioativo [Eq. (3.110)] pode ser rearranjada, e, após substituição de T = 5730 anos, obtém-se

t = -8270 \hspace{1mm}\text{ln} \left( \frac{A}{A_0} \right) (3.111)

onde A0 é a atividade específica (desintegrações por unidade de tempo por unidade de massa da amostra) do 14C na atmosfera terrestre, A é a atividade por unidade de massa da amostra, e t é a idade de decaimento do carbono. Em investigações de águas subterrâneas, as determinações de 14C são feitas no carbono inorgânico extraído de amostras de águas subterrâneas que geralmente variam em volume de 20 a 200 . A massa de carbono necessária para uma análise precisa por métodos convencionais é cerca de 3 g. Os valores de 14C obtidos deste modo são uma medida dos teores de 14C do CO2(aq), H2CO3, CO32- e \ce{HCO^-_3} na água no momento da amostragem. O 14C também pode estar presente no carbono orgânico dissolvido tais como ácidos fúlvicos e húmicos, porém, esta fonte de 14C é pequena, não sendo normalmente incluída nos estudos de idade das águas subterrâneas.

A atividade específica de 14C no carbono que estava em equilíbrio com a atmosfera da Terra, previamente aos testes na atmosfera de dispositivos termonucleares, é de aproximadamente 10 desintegrações por minuto por grama (dpm/g). Um equipamento moderno para a medição de 14C pode detectar níveis de atividade de 14C tão baixos quanto cerca de 0,02 dpm/g. A substituição dessas atividades específicas na Eq. (3.111) produz uma idade máxima de 50.000 anos. Deve-se enfatizar que esta é uma idade aparente do carbono inorgânico dissolvido. Para obter algumas informações hidrológicas úteis a partir destes dados, é necessário determinar a fonte de carbono inorgânico. Calcita ou dolomita ocorrem em vários ambientes de água subterrânea. O carbono que entra na água subterrânea por dissolução destes minerais pode causar a diluição do teor de 14C em relação ao total de carbono inorgânico na água. Esta é a razão pela qual, na maioria dos sistemas de águas subterrâneas, a calcita e a dolomita são mais antigas que 50.000 anos. O carbono delas é, portanto, desprovido de quantidades significativas de 14C, o qual é referido como carbono “morto”. Para obter estimativas da idade real da água subterrânea a partir de 14C é necessário avaliar o efeito do carbono morto na redução do teor relativo de 14C na água subterrânea. Uma indicação de como isto pode ser feito está descrita no Capítulo 7.

Trítio

A ocorrência de trítio nas águas do ciclo hidrológico decorre de fontes naturais e artificiais. De forma semelhante à produção de 14C, 3H é produzido naturalmente na atmosfera terrestre por interação de raios cósmicos produzidos por nêutrons com o nitrogênio. Lal & Peters (1962) estimaram que a taxa de produção atmosférica é 0,25 átomos/s.cm2. Em 1951, Van Grosse e colaboradores descobriram que o 3H ocorreu naturalmente na precipitação. Dois anos mais tarde, grandes quantidades de trítio artificial entraram no ciclo hidrológico como resultado de testes atmosféricos conduzidos em larga escala com bombas termonucleares. Infelizmente, poucas medições de trítio natural na precipitação foram feitas antes de ter ocorrido a contaminação atmosférica. Estima-se que, antes do início dos testes atmosféricos em 1952, o conteúdo natural de trítio na precipitação correspondia a 5–20 unidades de trítio (Payne, 1972). Uma unidade de trítio equivale a um átomo de trítio para cada 1018 átomos de hidrogênio. Como a meia-vida de 3H é 12,3 anos, espera-se que a água subterrânea que sofreu recarga antes de 1953 possua concentrações de 3H abaixo de 2–4 TU. A primeira fonte importante de 3H artificial entrou na atmosfera durante os testes iniciais de grandes dispositivos termonucleares em 1952. Eles foram sucedidos por testes adicionais em 1954, 1958, 1961 e 1962, antes da moratória dos testes atmosféricos, conforme acordo entre os Estados Unidos e a União Soviética.

Desde o início dos testes termonucleares, o teor de trítio na precipitação tem sido monitorado em vários locais no hemisfério norte e em número menor, mas significativo, no hemisfério sul. Considerando os dados separadamente por hemisférios, existe um forte paralelismo na concentração de 3H com o tempo, embora os valores absolutos variem de um local para outro (Payne, 1972). No hemisfério sul, os valores de 3H são mais baixos devido à maior razão entre a área oceânica e terrestre. O maior registro contínuo de concentrações de 3H na precipitação é o de Ottawa, Canadá, onde a amostragem foi iniciada em 1952. O registro do teor de 3H em função do tempo para este local está ilustrado na Figura 3.11. As tendências apresentadas neste gráfico para o 3H são as mesmas para qualquer local no hemisfério norte. Os dados de trítio obtidos pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a partir de uma rede global de amostragem permitem estimar o 3H no tempo em áreas onde não há estações de amostragem ou onde ocorrem apenas registros de curto prazo. Numa dada latitude, as concentrações de trítio na precipitação nas estações de amostragem próximas à costa são menores do que áreas interiores, devido à diluição do vapor d´água oceânica, que é baixo em trítio.

As medições das concentrações de trítio podem ser um auxílio valioso em muitos tipos de investigações de águas subterrâneas. Se uma amostra de água subterrânea de um local do hemisfério norte contém trítio em níveis de concentração de centenas ou milhares de TU, é evidente que a água, ou pelo menos uma grande fração dela, entrou originalmente na zona de águas subterrâneas depois de 1953. Se a água tem menos que 5–10 TU, então, deve ter se originado antes de 1953. Usando métodos rotineiros para a medição de baixos níveis de trítio em amostras de água, concentrações próximas de 5–10 TU podem ser determinadas. Contudo, utilizando métodos especiais para a concentração de 3H nas amostras de água, valores tão baixos quanto 0,1 TU podem ser obtidos. Se as amostras não contém 3H detectável em medições de rotina, é razoável admitir que quantidades significativas de água pós-1953 não estão presentes. A água pós-1953 é ainda referida como água moderna ou água com trítio de bomba.

Os dados de trítio originados de padrões de amostragem detalhados podem, às vezes, ser usados para distinguir diferentes zonas de idade na parte da água moderna de sistemas de fluxo de água subterrânea. Para este tipo de uso do trítio, o cenário estratigráfico deve ser simples, de forma que os padrões de fluxo complexos não impeçam a identificação das tendências de trítio. Em situações onde as concentrações de 3H de duas zonas de fluxo adjacentes são bem definidas, os dados de trítio podem ser úteis para distinguir as zonas de mistura. A utilidade do trítio em estudos de águas subterrâneas é reforçada pelo fato de que ele não é significativamente afetado por quaisquer reações, exceto o decaimento radioativo.

Figura. 3.11 Variação de trítio na precipitação em Ottawa, Canadá (concentração média mensal, TU).

Oxigênio e Deutério

Com o advento do espectrômetro de massas, tornou-se possível logo no início da década de 1950 a realização de medidas rápidas e precisas das razões isotópicas. As razões dos principais isótopos associados com a molécula de água, 18O/16O e 2H/1H, tem sido de especial interesse para os hidrólogos. As razões isotópicas são expressas em valores delta (), na unidade de partes por mil (‰), correspondendo a diferenças relativas a um padrão arbitrário conhecido como SMOW (água oceânica média padrão):

‰ = [(RRstandard)/Rstandard] × 1000 (3.112)

onde: R e Rpadrão correspondem, respectivamente, às razões isotópicas 2H/1H ou 18O/16O da amostra e padrão. A precisão das medidas é geralmente melhor que ±0,2‰ e ±2‰ para 18O e  2H, respectivamente.

Os vários tipos isotópicos de água possuem pressões de vapor e pontos de congelamento ligeiramente diferentes. Essas duas propriedades causam diferenças nas concentrações de 18O e 2H na água em várias partes do ciclo hidrológico. O processo por intermédio do qual o conteúdo isotópico de uma substância se modifica em virtude da evaporação, condensação, congelamento, fusão, reações químicas ou efeitos biológicos chama-se fracionamento isotópico. Quando a água evapora dos oceanos, o vapor d’água produzido é empobrecido em 18O e 2H relativamente à água dos oceanos, isto é, 12–15‰ em 18O e 80–120‰ em 2H. Quando o vapor d’água condensa, a chuva ou neve formada exibe maior concentração em 18O e 2H do que o vapor d´água remanescente. Uma vez que o vapor d´água desloca-se para áreas interiores em função dos sistemas de circulação atmosférica regional ou continental, e como o processo de condensação e precipitação é repetido muitas vezes, então, a chuva ou neve torna-se caracterizada por baixas concentrações dos isótopos pesados 18O e 2H. A presença de 18O e 2H na precipitação ocorrendo em determinado local numa certa época depende, de uma maneira geral, da sua localização no continente e, mais especificamente, da história de condensação-precipitação do vapor d’água atmosférico. Desde que ambos, a condensação e o fracionamento isotópico, são dependentes da temperatura, a composição isotópica da precipitação é também dependente da temperatura. O efeito combinado desses fatores implica em (1) acentuada tendência da composição isotópica média anual da precipitação nos continentes, (2) acentuada variação sazonal da média temporal da composição isotópica da precipitação numa dada localidade, e (3) bastante variável e não previsível composição isotópica da chuva ou neve durante um evento individual de precipitação. Chuvas ocorrendo em áreas continentais podem apresentar valores entre 0 e –25‰ para 18O e entre 0 e –150‰ para 2H, apesar de que as médias anuais possam exibir pouca variação. Assim, acentuadas variações podem efetivamente ocorrer durante eventos individuais de precipitação em virtude de mudanças de temperatura na zona de condensação atmosférica ou de efeitos de empobrecimento isotópico. Mudanças também podem ocorrer durante a queda das gotas de chuva, principalmente no início de uma tempestade e em regiões áridas ou semiáridas.

Nas zonas mais profundas em subsuperfície, onde as temperaturas estão acima de 50–100 °C, o teor de 18O e 2H na água subterrânea pode ser significativamente alterado em função das interações químicas com a rocha hospedeira. Porém, nas temperaturas inferiores tipicamente associadas a águas subterrâneas circulando a baixa profundidade, ocorrem poucas alterações na concentração desses isótopos devido a processos químicos. Nesses regimes de fluxo, tanto o 18O quanto o 2H são traçadores de ocorrência natural não-reativos cujas concentrações são determinadas tanto pela composição isotópica das águas meteóricas quanto pela quantidade de evaporação que ocorre antes da água penetrar na porção superior da zona de solo. Na medida em que a água move para esta zona, as concentrações de 18O e 2H tornam-se uma propriedade característica da massa d´água em subsuperfície, a qual, em muitos contextos hidrogeológicos, permite que as áreas fontes e padrões de mistura sejam determinados por amostragem e análise desses isótopos.

As concentrações de 2H e 18O obtidas a partir de monitoramentos globais da precipitação estão correlacionadas de acordo com a equação (Dansgaard, 1964)

2H‰ = 818O‰ + 10 (3.113)

a qual é conhecida como reta das águas meteóricas. Correlações lineares com coeficientes ligeiramente diferentes deste são obtidas a partir de estudos envolvendo a precipitação local. Nas condições naturais, quando a água evapora do solo ou corpos d’água superficiais, ela se torna enriquecida em 18O e 2H. O grau relativo de enriquecimento é diferente daquele que ocorre durante a condensação. A razão 18O/2H da precipitação parcialmente evaporada é maior que a razão da precipitação normal obtida a partir da Eq. (3.113). O afastamento das concentrações de 18O e 2H em relação à reta das águas meteóricas é um aspecto dos isótopos que pode ser usado em várias investigações hidrológicas, incluindo estudos da influência das águas subterrâneas no balanço hidrológico de lagos e reservatórios e efeitos da evaporação na infiltração.

3.9 Medida a Campo de Parâmetros Indexadores

A descrição de técnicas laboratoriais utilizadas para a análise química ou isotópica de amostras de água está além do escopo deste texto. Para esse tipo de informação, sugere-se que o leitor consulte Rainwater & Thatcher (1960) e U.S. EPA (1974b). O nosso propósito aqui é descrever brevemente os métodos a partir dos quais vários importantes parâmetros indexadores são medidos no campo. Esses parâmetros são a condutância elétrica específica, pH, potencial redox e oxigênio dissolvido. Nos estudos envolvendo as águas subterrâneas, cada um desses parâmetros pode ser medido no campo por meio da imersão de sondas em amostras de água ou pela inserção das sondas nos poços ou piezômetros.

A condutividade elétrica é a capacidade de uma substância conduzir corrente elétrica. Possui a unidade de recíproco de ohm-metros, correspondendo no sistema SI a siemens por metro (S/m). A condutância elétrica é a condutividade de um corpo ou massa de fluido por unidade de comprimento e secção transversal numa temperatura específica. Na literatura relacionada às águas subterrâneas, a condutância elétrica tem sido normalmente expressa como o recíproco de miliohms ou o recíproco de microohms, conhecidos como milimhos e micromhos. No sistema SI, 1 milimho é denotado como 1 milisiemen (mS) e 1 micromho como 1 microsiemen (µS).

A água pura no estado líquido tem uma condutância elétrica muito baixa, menor que um décimo de 1 microsiemen a 25 °C (Hem, 1970). A presença de espécies iônicas carregadas em solução torna a solução condutiva. Uma vez que as águas naturais contém espécies iônicas e não iônicas em quantidades variadas, as determinações de condutância não podem ser usadas para a obtenção de estimativas precisas da concentração de íons ou sólidos totais dissolvidos. Contudo, como uma indicação geral dos sólidos totais dissolvidos (TDS), os valores de condutância específica são frequentemente úteis para propósitos práticos. A seguinte relação pode ser empregada para efetuar a conversão entre os valores de condutância e TDS (Hem, 1970):

TDS = AC(3.114)

onde: C é a condutância em microsiemens ou micromhos, TDS é expresso em g/m3 ou mg/, e A é um fator de conversão. Para a maioria das águas subterrâneas, A está entre 0,55 e 0,75, dependendo da composição iônica da solução.

As medidas de condutância elétrica podem ser feitas no campo simplesmente pela imersão de uma célula de condutância nas amostras de água ou pela sua inserção nos poços e registro da condutância num galvanômetro. Equipamentos robustos adequados para uso no campo têm sido disponibilizados por vários fornecedores. Nos estudos envolvendo as águas subterrâneas, as medidas de condutância são geralmente feitas no campo a fim de que as variações nos sólidos dissolvidos possam ser determinadas sem os atrasos associados com o transporte das amostras até o laboratório. Uma vez que as distribuições dos valores de condutância na água subterrânea são mapeadas no campo, programas de amostragem podem ser ajustados de maneira a levar em conta anomalias ou tendências que podem ser identificadas na medida em que o trabalho de campo se desenvolve.

Com o propósito de evitar mudanças ocasionadas pelo escape de CO2 da água, medidas do pH da água subterrânea são normalmente feitas no campo imediatamente após a coleta da amostra. O dióxido de carbono na água subterrânea normalmente ocorre numa pressão parcial muito maior que na atmosfera terrestre. Quando a água subterrânea é exposta à atmosfera, o CO2 escapa e o pH aumenta. O acréscimo do pH para um dado decréscimo em PCO2 pode ser calculado a partir dos métodos descritos na Seção 3.3. Para as determinações de pH no campo, medidores portáteis de pH e eletrodos são geralmente usados. As amostras são usualmente trazidas até a superfície do terreno por bombeamento ou por intermédio de amostradores apropriados ao invés de se realizar a inserção dos eletrodos nos poços. Uma descrição detalhada da teoria e métodos para a determinação de pH nas águas são apresentados por Langmuir (1970).

O oxigênio dissolvido é outro importante parâmetro hidroquímico comumente medido no campo a partir da imersão de uma pequena sonda nas amostras de água ou nos poços. Numa sonda de oxigênio dissolvido, as moléculas do gás oxigênio difundem através de uma membrana para uma célula de medida numa taxa proporcional à pressão parcial do oxigênio na água. Em seu interior, o sensor de oxigênio reage com um eletrólito e é reduzido por uma voltagem aplicada. A corrente gerada é diretamente proporcional à pressão parcial do oxigênio na água externa ao sensor (Back & Hanshaw, 1965). Sondas robustas de oxigênio dissolvido que podem ser conectadas a medidores portáteis estão disponíveis no mercado. Essas sondas podem ser introduzidas diretamente nos poços ou piezômetros para fins de obtenção de medidas representativas das condições in situ. O oxigênio dissolvido também pode ser medido no campo por uma técnica de titulação conhecida como método de Winkler (U.S. EPA, 1974b).

As sondas de oxigênio dissolvido comumente utilizadas possuem um limite de detecção de aproximadamente 0,1 mg/. Sondas de alta precisão podem medir o oxigênio dissolvido em níveis tão baixos quanto 0,01 mg/. Mesmo em concentrações de oxigênio dissolvido próximas desses limites de detecção, a água subterrânea pode conter oxigênio suficiente para realizar a oxidação de muitos tipos de constituintes reduzidos. Os valores de Eh ou pE podem ser determinados a partir dos valores medidos de oxigênio dissolvido por intermédio da Eq. (3.77). A concentração de oxigênio dissolvido pode ser convertida para PO2 por intermédio da Lei de Henry (PO2 = O2 dissolvido/KO2, onde KO2 a 25 °C é 1,28 × 10–3 mol/bar). Em pH 7, os valores de pE obtidos dessa maneira para concentrações de oxigênio dissolvido nos limites de detecção foram 13,1 e 12,9, correspondendo a Eh de 0,78 e 0,76 V, respectivamente. A Figura 3.10 indica que esses valores estão próximos do limite superior do domínio pE-pH para a água. Se a água está saturada com oxigênio dissolvido (isto é, em equilíbrio com o oxigênio na atmosfera terrestre), o valor calculado de pE é 13,6. Para que os valores de pE calculados a partir das concentrações de oxigênio dissolvido possam servir como indicação verdadeira da condição redox da água, o oxigênio dissolvido deve ser a espécie oxidativa controladora na água com condições redox no equilíbrio ou próximas dele. Valores medidos de outros constituintes dissolvidos multivalentes podem também ser usados para uma estimava das condições redox da água subterrânea. Uma discussão adicional deste tópico está incluída no Capítulo 7.

Outra abordagem para se avaliar a condição redox da água subterrânea corresponde à realização da medida do potencial elétrico na água por meio de um sistema de eletrodos que inclui um eletrodo metálico inerte (platina é geralmente utilizado). Os sistemas de eletrodos conhecidos como sondas Eh são comercialmente disponíveis. Com o propósito de registrar o potencial elétrico, eles podem ser acoplados aos mesmos medidores utilizados para as determinações de pH. A fim de que essas leituras apresentem significado, as sondas devem ser introduzidas nos poços ou piezômetros, ou, ainda, imersas diretamente nas amostras armazenadas em frascos isentos de ar. Para muitas zonas de ocorrência de água subterrânea, os potenciais medidos dessa maneira indicam as condições redox reais, porém, em muitos casos, isto não ocorre. Uma discussão detalhada da teoria e significado do uso de eletrodos para as medidas redox é apresentada por Stumm & Morgan (1970) e Whitfield (1974).

Leituras sugeridas

BLACKBURN, T. R. 1969. Equilibrium, A Chemistry of Solutions. Holt, Rinehart and Winston, New York, pp. 93–111.

GARRELS, R. M., & C. L. CHRIST. 1965. Solutions, Minerals, and Equilibria. Harper & Row, New York, pp. 1–18, 50–71.

KRAUSKOPF, K. 1967. Introduction to Geochemistry. McGraw-Hill, New York, pp. 3–23, 29–54, 206–226, 237–255.

STUMM, W., & J. J. MORGAN. 1970. Aquatic Chemistry. Wiley-Interscience, New York, pp. 300–377.

Problemas

Nos problemas listados a seguir que envolvem a realização de cálculos, deve ser negligenciada a ocorrência de associações de íons ou complexos como \ce{CaSO}^{\circ}_4, \ce{MgSO^{\circ}_4}, \ce{NaSO^-_4}, \ce{CaHCO^+_3}, e \ce{CaCO^{\circ}_3}. As informações que podem ser obtidas de algumas figuras deste texto servem como um guia para a resolução de muitos problemas.

  1. Uma análise laboratorial indica que o carbono inorgânico dissolvido total numa amostra de água de aquífero corresponde a 100 mg/ (expressa como C). A temperatura no aquífero é 15 °C, o pH é 7,5 e a intensidade iônica é 0,05. Quais são as concentrações de H2CO3, CO32-, e \ce{HCO^-_3} e pressão parcial de CO2? Está a PCO2 no intervalo de variação típico para as águas subterrâneas?
  1. Água salina é injetada num aquífero que está confinado por uma rocha impermeável subjacente e por uma camada densa de argila não fraturada sobrejacente de 10 m de espessura. Um aquífero de água doce ocorre acima deste aquitardo. A concentração de Cl na água injetada é de 100.000 mg/. Determinar o tempo necessário para o Cl atingir por difusão molecular o aquífero de água doce após passar pelo aquitardo argiloso. Expresse sua resposta em termos do período de tempo que seria razoável em função da informação disponível. Assuma que a velocidade do fluxo hidráulico através da argila é desprezível em relação à taxa de difusão.
  1. Dois estratos horizontais permeáveis de arenito numa bacia sedimentar profunda estão separados por um leito de folhelho montmorilonítico não fraturado de 100 m de espessura. Um dos estratos de arenito possui uma concentração de sólidos totais dissolvidos de 10.000 mg/, enquanto que o outro de 100.000 mg/. Dadas condições hidrodinâmicas favoráveis, determinar a maior diferença de potencial que poderia ocorrer através do folhelho como resultado de efeitos de osmose (para a atividade da água em soluções salinas, consultar Robinson & Stokes, 1965). O sistema está numa temperatura de 25 °C. Quais são os fatores que governariam a diferença de potencial real que se desenvolveria?
  1. A água de chuva infiltra num depósito de areia composto de quartzo e feldspato. Na zona de solo, a água está em contato com o ar no solo que está numa pressão parcial de 10–1,5 bar. O sistema está numa temperatura de 10 °C. Determinar o pH da água do solo. Assumir que as reações entre a água e a areia são tão lentas, de maneira que elas não afetam significativamente a química da água.
  1. Os resultados da análise química de uma água subterrânea são (valores expressos em mg/): K+ = 5,0, Na+ = 19, Ca2+ = 94, Mg2+ = 23, \ce{HCO^-_3} = 334, Cl = 9, e SO42- = 85; pH 7,21; temperatura 25 °C. Determinar os índices de saturação em relação a calcita, dolomita e gipso. A amostra de água provém de um aquífero composto de calcita e dolomita. Está a água apta a dissolver o aquífero? Explique.
  1. Existe alguma evidência de que a análise química relacionada na questão 5 exibe erros que tornariam a análise inaceitável quando se leva em conta a precisão analítica?
  1. Uma água subterrânea numa temperatura de 25 °C e PCO2 de 10–2 bar flui através de estratos enriquecidos em gipso, tornando-se saturada em gipso. A água, então, desloca-se até um aquífero calcário e dissolve calcita até saturação. Determinar a composição da água no calcário depois que a calcita dissolve até atingir o equilíbrio. Assuma que o gipso não precipita na medida em que a calcita dissolve.
  1. Uma amostra de água de um aquífero na temperatura de 5 °C tem a seguinte composição (expressa em mg/): K+ = 9, Na+ = 56, Ca2+ = 51, Mg2+ = 104, \ce{HCO^-_3} = 700, Cl = 26, e SO42- = 104; pH 7,54. O pH foi obtido a partir de medida feita no campo imediatamente após a amostragem. Se é permitido que a amostra entre em equilíbrio com a atmosfera, determinar qual o novo valor de pH. (Nota: A PCO2 da atmosfera terrestre é 10–3,5 bar; assuma que a calcita e outros minerais não precipitam numa taxa significativa na medida em que ocorre o equilíbrio com a atmosfera terrestre).
  1. Medidas em campo indicam que água num aquífero livre possui pH 7,0 e concentração de oxigênio dissolvido igual a 4 mg/. Estimar o pE e Eh dessa água. Assuma que o sistema redox está no equilíbrio e que a água está a 25 °C e 1 bar.
  1. A água descrita na questão 9 possui uma concentração de \ce{HCO^-_3} igual a 150 mg/. Se a concentração de ferro total é governada por equilíbrios envolvendo o FeCO3(s) e Fe(OH)3(s), determinar as concentrações de Fe3+ e Fe2+ na água. Quais são as fontes potenciais de erro nesta determinação?
  1. Uma amostra de água tem condutância específica de 2000 µS na temperatura de 25 °C. Determinar os sólidos totais dissolvidos e a intensidade iônica dessa água. Apresentar a resposta como uma variação esperada para a ocorrência dos valores de TDS e I.
  1. Uma água subterrânea tem a seguinte composição (expressa em mg/): Na+ = 460, Ca2+ = 40, Mg2+ = 2, \ce{HCO^-_3} = 1200, Cl = 8, e SO42- = 20; pH 6,7. Qual a quantidade de água necessária a ser coletada de maneira a se obter suficiente carbono para a determinação de 14C por técnicas convencionais?
  1. Determinar a PCO2 para a água descrita na questão 12. Ela está bem acima do valor da PCO2 para a atmosfera terrestre. Bem como acima do valor típico para a maioria das águas subterrâneas. Sugerir uma razão para a elevada PCO2.
  1. Na variação normal do pH das águas subterrâneas (6–9), quais são as espécies dominantes dissolvidas de fósforo? Explique porque.
  1. Preparar um gráfico de ocorrência percentual em função do pH similar ao da Figura 3.5 para as espécies dissolvidas de sulfeto (HS, S2-, H2S) na água a 25 °C.
  1. Medidas radiométricas numa amostra de carbono inorgânico proveniente de um poço forneceram uma atividade de 14C igual a 12 desintegrações por minuto (dpm). A atividade do ruído de fundo é 10 dpm. Qual é a idade aparente da amostra?
  1. Uma água subterrânea a 5 °C possui pH 7,1. Esta água é ácida ou alcalina?
  1. A precipitação de calcita em zonas abaixo do nível d´água (condições de um sistema fechado) faz com que o pH da água aumente ou diminua? Explique.