Capítulo 5: Redes de Fluxo

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Redes de Fluxo

Tradutores: Aurélio Silva, Cesar de Oliveira F. Silva, Erika Justa, Jonathan T. Lima, José Augusto Correa Martins, Marlian Leão; Carlos Fabiano Rodrigues, Flávia M. F. Nascimento, Stephanie Wischer (ilustradores); Fernando de Mattos Coelho (líder de capítulo); Juliana Gardenalli de Freitas (gerente); Diego Fernandes Nogueira (diagramador); Everton de Oliveira (coordenador).

Transcrito por: Tiago Antonio Morais

5.1 Redes de Fluxo por Construção Gráfica

Vimos no Capítulo 2 que um sistema de fluxo de água subterrânea pode ser representado por um conjunto tridimensional de superfícies equipotenciais e um conjunto correspondente de linhas de fluxo ortogonais. Se uma seção transversal bidimensional significativa pode ser selecionada dentro do sistema tridimensional, o conjunto de linhas equipotenciais e linhas de fluxo assim expostas constituem uma rede de fluxo. A construção de redes de fluxo é uma das ferramentas analíticas mais poderosas para a análise do fluxo de água subterrânea.

Na Seção 2.11 e Figura 2.25, vimos que uma rede de fluxo pode ser interpretada como a solução de um problema bidimensional em estado estacionário. A solução requer conhecimento da região do fluxo, as condições dos contornos nos limites da região e da distribuição espacial da condutividade hidráulica dentro da região. No Apêndice III, é apresentado um método matemático analítico da solução. Nesta seção, aprenderemos que as redes de fluxo também podem ser construídas graficamente, sem recorrer à matemática avançada.

Sistemas Homogêneos Isotrópicos

Vamos, primeiramente, considerar uma região de fluxo que é homogênea, isotrópica e completamente saturada. Para um fluxo em estado estacionário nesta região, três tipos de contorno podem existir: (1) contornos impermeáveis, (2) contornos com carga hidráulica constante, (3) contornos do nível freático. Primeiro, iremos considerar o fluxo nas adjacências de um contorno impermeável, [Figura 5.1 (a)]. Uma vez que não pode haver fluxo através do contorno, as linhas de fluxo adjacentes ao contorno devem ser paralelas a ele, e as linhas equipotenciais devem encontrar-se com o contorno em ângulos retos. Utilizando a lei de Darcy e definindo a descarga específica ao longo do contorno igual a 0, somos levados à fórmula matemática da condição do contorno. Para contornos que são paralelas ao eixo em um plano xz:

\frac{\partial h}{\partial x} = 0 \hspace{1cm} \text{ou} \hspace{1cm} \frac{\partial h}{\partial z} = 0(5.1)

Figura 5.1 Fluxo subterrâneo nas adjacências de: (a) um contorno impermeável. (b) contorno de carga hidráulica constante.

Na verdade, qualquer linha de fluxo em uma rede de fluxo constitui um contorno impermeável imaginário, pelo fato de não existir fluxo através de uma linha de fluxo. Na construção de uma rede de fluxo é geralmente desejável reduzir o tamanho da região de fluxo considerando apenas as porções da região de um lado ou do outro de alguma linha de simetria. Se for claro que a linha de simetria também é uma linha de fluxo, a condição de contorno a ser utilizada será a da Equação (5.1).

Um contorno no qual a carga hidráulica é constante (Figura 5.1 (b)) é uma linha equipotencial. Linhas de fluxo devem (obrigatoriamente) encontrar o contorno em ângulos retos e linhas equipotenciais adjacentes devem (obrigatoriamente) ser paralelas ao contorno. A condição matemática é:

h = c (5.2)

No nível freático, a carga piezométrica, ψ, é igual a zero, e a relação simples da carga é, h = ψ + z, é descrita:

h = z (5.3)

para a condição de contorno. Como mostrado na Figura 5.1 (c), para um caso de recarga o nível freático não é nem uma linha de fluxo nem uma linha equipotencial. Ela é simplesmente uma linha com h variável, porém conhecido.

Se soubermos a condutividade hidráulica K para o material em uma região homogênea e isotrópica, é possível calcular a descarga através do sistema a partir de uma rede de fluxo. A Figura 5.2 é uma rede de fluxo completa para o caso simples anteriormente apresentado na Figura 2.25 (a). A área entre duas linhas de fluxo adjacentes é conhecida como tubo de fluxo ou tubo de escoamento. Se as linhas de fluxo estiverem igualmente espaçadas, a descarga através de cada tubo de fluxo é a considerada a mesma. Considerando o fluxo na região ABCD na Figura 5.2. Se as distâncias AB e BC são ds e dm, respectivamente, e se a queda de carga hidráulica entre AD e BC é dh, a descarga dessa região para uma área transversal, na unidade de profundidade perpendicular a página é:

dQ = K\frac{dh}{ds}dm (5.4)

Figura 5.2 Rede de Fluxo quantitativo para um sistema de fluxo muito simples.

Em condições de estado estacionário, a descarga em qualquer plano de profundidade (por exemplo AD, EH ou FG), dentro do tubo de fluxo também deve ser dQ. Em outras palavras, a descarga através de qualquer parte de um tubo de fluxo pode ser calculada considerando o escoamento em somente um elemento dele.

Se de maneira arbitrária decidimos construir a rede de fluxo em quadrados, onde ds = dm, então a Equação (5.4) se torna:

dQ = K dh (5.5)

Para um sistema com m tubos de fluxo, a descarga total é:

Q = mK dh (5.6)

Se a perda de carga total no decorrer da região de fluxo é H e temos n divisões de carga na rede de fluxo (H = n dh), então:

Q = \frac{mKH}{n} (5.7)

Para a Figura (5.2), m = 3, n = 6, H = 60 m, e da equação. (5.7), Q = 30 K. Para K = 10-4 m/s, Q = 3 × 10-3m 3/s (por metro de seção perpendicular à rede de fluxo).

A Equação (5.7) deve ser usada com cuidado. Somente deve ser aplicada para sistemas de fluxo simples, com somente um contorno de recarga e um contorno de descarga. Para sistemas mais complexos, é melhor simplesmente calcularmos a dQ para um tubo de fluxo e multiplicarmos pelo número de tubos de fluxo para obtermos Q.

A Figura 5.3 é uma rede de fluxo que mostra a infiltração sob uma barragem através de uma fundação de rocha limitada em profundidade por uma camada impermeável. Ela pode ser usada para adicionar três pontos importantes sobre construção de redes de fluxo.

Figura 5.3 Infiltração abaixo de uma barragem com fundação de rocha homogênea e isotrópica.
  1. Os “quadrados” em todas as redes de fluxo, exceto as mais simples, são, na verdade, quadrados “curvilíneos”; ou seja, eles têm dimensões centrais iguais; ou visto de outra maneira, eles contém um círculo, que tangencia todas as 4 linhas de borda.
  2. Não é necessário que as linhas de fluxo tenham contornos finitos em todos os lados; regiões de fluxo que se estendem ao infinito em uma ou mais direções, como a camada infinita horizontal na Figura 5.3, são tratáveis.
  3. Uma rede de fluxo pode ser construída com um tubo de fluxo “parcial” nos seus limites.

Para a rede de fluxo mostrada na Figura 5.3, m = 3\frac{1}{2}. Se H = 100 m e K = 10-4 m/s, então, desde que n = 6, temos Q = 5,8 × 10-3 m3/s (por metro de seção perpendicular à rede de fluxo).

Em meios homogêneos e isotrópicos, a distribuição da carga hidráulica depende somente da configuração das condições de contorno. A natureza qualitativa da rede de fluxo é independente da condutividade hidráulica dos meios. A condutividade hidráulica só entra em jogo quando são feitos cálculos de descarga quantitativa. Vale ressaltar também que as redes de fluxo são adimensionais. As redes de fluxo das Figuras 5.2 e 5.3 são igualmente válidas tanto para regiões de escoamento de poucos metros quadrados a até milhares de metros quadrados.

O esboço das redes de fluxo é de certa forma uma arte. Uma tarefa que envolve tentativa e erro, alguns hidrólogos se tornam extremamente talentosos em encontrar redes de fluxo aceitáveis rapidamente. Enquanto que para outros, encontrar tais redes é um exercício de contínua frustração. Para uma rede em um meio homogêneo e isotrópico, as regras de construção gráfica são enganosamente simples. Podemos resumir da seguinte maneira: (1) linhas de fluxo e linhas equipotenciais devem se cruzar em ângulos retos em todo o do sistema; (2) linhas equipotenciais devem encontrar barreiras impermeáveis em ângulos retos; (3) linhas equipotenciais devem ser paralelas aos contornos com carga constante; e (4) se a rede de fluxo é desenhada de modo que os quadrados sejam criados em uma porção do campo, então, com a possível exceção nas bordas dos tubos de fluxo parcial, quadrados devem existir ao longo de todo esse campo.

Sistemas Heterogêneos e a Lei da Tangente

Quando as linhas de fluxo da água subterrânea cruzam um limite entre duas formações geológicas, com diferentes valores de condutividade hidráulica, elas refratam, assim como a luz quando passa de um meio para outro. Contudo, contrariamente à lei de Snell, que se baseia na lei dos senos, a refração da água subterrânea obedece à lei das tangentes.

Considere um tubo de fluxo mostrado na Figura 5.4. O fluxo passa de um meio com condutividade hidráulica K1 para um meio com condutividade hidráulica K2, onde K2 > K1.

Figura 5.4 Refração das linhas de fluxo no contato geológico.

O tubo de fluxo tem uma unidade de profundidade perpendicular à página e seus ângulos e distância são tais como indicados na Figura. Para fluxo constante, o fluxo de entrada, Q1, deve ser igual ao fluxo de saída, Q2; ou, segundo a lei de Darcy,

K_1a\frac{dh_1}{dl_1} = K_2c\frac{dh_2}{dl_2} (5.8)

onde dh1, é a perda de carga através da distância dl1, e dh2 é a perda de carga através da distância dl2. No caso de dl1e dh2 limitarem essas duas linhas equipotenciais, fica claro que dh1= dh2; e a partir dessas considerações geométricas temos que, a = b cos θ1 e c = b cos θ2. Note que b/dl1 = 1/sin θ1 e b/dl2 = 1/sin θ2, assim, a Eq. (5.8) torna-se:

K_1\frac{\cos \theta_1}{\sin \theta_1} = K_2\frac{\cos \theta_2}{\sin \theta_2} (5.9)

ou

\frac{K_1}{K_2} = \frac{\tan \theta_1}{\tan \theta_2} (5.10)

A Equação (5.10) constitui a lei da tangente para a refração das linhas de fluxo da água subterrânea no contato geológico de meios heterogêneos. Conhecendo K1, K2 e θ1 podemos resolver a Eq. (5.10) para θ2. A Figura 5.5 mostra linhas de fluxo refratando para dois casos com K1/K2 = 10. As linhas de fluxo, como se já soubessem o que é melhor para elas, preferem usar formações de alta permeabilidade como condutoras e tentam atravessar formações de baixa permeabilidade pelo caminho mais curto. Em sistemas aquífero-aquitarde com diferença de permeabilidade de 2 ordens de grandeza ou mais, as linhas de fluxo tendem a se tornarem quase horizontais no aquífero e quase verticais nos aquitardes. Quando se considera a ampla variedade de valores de condutividade hidráulica exibida na Tabela 2.2, fica claro que uma diferença de 2 ordens de grandeza ou mais não é tão incomum assim.

Figura 5.5 Refração de linhas de fluxo em sistemas de camadas (adaptado de Hubbert, 1940).

Se alguém tentar desenhar as linhas equipotenciais para completar os sistemas de fluxo dos diagramas da Figura 5.5, logo ficará claro que não é possível construir quadrados (malhas quadriculadas) em todas as formações. Em sistemas heterogêneos, quadrados (malhas quadriculadas) em uma formação se tornam retângulos (malhas retangulares) em outra.

Podemos resumir as regras para a representação gráfica de redes de fluxo em sistemas heterogêneos e isotrópicos como: (1) linhas de fluxo e equipotenciais devem intersectar ângulos retos ao longo de todo sistema; (2) linhas equipotenciais devem encontrar fronteiras impermeáveis em ângulos retos; (3) linhas equipotenciais devem ser paralelas a fronteiras de carga constante; (4) a lei da tangente deve ser satisfeita nos contatos geológicos; e (5) se a rede de fluxo é desenhada de tal forma que os quadrados (malhas quadriculadas) são criados em uma porção de uma formação, quadrados (malhas quadriculadas) devem existir ao longo de toda formação e ao longo de todas as outras formações de mesma condutividade hidráulica. Retângulos (malhas retangulares) serão criados em formações de condutividades distintas.

As duas últimas regras tornam extremamente difícil a representação quantitativa acurada de redes de fluxo em sistemas heterogêneos complexos. No entanto, redes de fluxo qualitativas, onde a ortogonalidade é preservada, mas não se tenta criar quadrados (malhas quadriculadas), pode ser de grande valia para entender o sistema de fluxo da água subterrânea. A Figura 5.6 é um esquema qualitativo de rede de fluxo para o problema de infiltração de barragem já apresentado na Figura 5.3, porém com uma rocha de fundação que está separada em camadas.

Figura 5.6 Infiltração abaixo de uma barragem com fundação de rochas heterogêneas e isotrópicas.

Sistemas Anisotrópicos e a Seção Transformada

Em meios homogêneos, porém anisotrópicos, a representação de redes de fluxo é complicada pelo fato das linhas de fluxo e as equipotenciais não serem ortogonais. Maasland (1957), Bear & Dagan (1965) e Liakopoulos (1965b) discutem os princípios teóricos que dão base a esse fenômeno, e Bear (1972) apresenta uma revisão teórica extensiva. Nessa seção, examinaremos principalmente a resposta prática que foi desenvolvida para contornar essa condição de não ortogonalidade. Isso envolve a representação de redes de fluxo em seções transformadas.

Considere o fluxo em uma região bidimensional em um meio homogêneo e anisotrópico tendo KX e KZ como principais condutividades hidráulicas. A elipse da condutividade hidráulica (Figura 5.7) tem como semieixos \sqrt{K_x} e \sqrt{K_z}.

Figura 5.7 Elipse da condutividade hidráulica para um meio anisotrópico com Kx/Kz = 5. Os círculos representam duas possíveis transformações isotrópicas.

Vamos transformar a escala da região de fluxo de modo que as coordenadas na região transformada com as direções coordenadas X e Z estejam relacionadas com o sistema xz original por

X = x
(5.11)

Z = \frac{z\sqrt{K_x}}{\sqrt{K_z}}

Para Kx > Kz, essa transformação irá expandir a escala vertical da região de fluxo. Isso também expandirá a elipse de condutividade hidráulica em um círculo de raio \sqrt{K_x} (o círculo exterior na Figura 5.7); e a região expandida fictícia de fluxo irá agir como se fosse homogênea com condutividade KX.

A validade dessa transformação pode ser defendida com base na equação de fluxo em estado estacionário. No sistema de coordenadas xy original, para um meio anisotrópico, temos, da Eq. (2.69),

\frac{\partial}{\partial x}\left(K_x\frac{\partial h}{\partial x}\right) + \frac{\partial}{\partial z}\left(K_z\frac{\partial h}{\partial x}\right) = 0
(5.12)

Dividindo todos os termos por Kx temos:

\frac{\partial^2 h}{\partial x^2} + \frac{\partial}{\partial z} \left(\frac{K_z}{K_x}\frac{\partial h}{\partial x}\right) = 0
(5.13)

Para seção transformada, temos, da segunda expressão da Eq. (5.11)

\frac{\partial}{\partial z} + \frac{\sqrt{K_x}}{\sqrt{K_z}}\frac{\partial}{\partial Z}
(5.14)

Observando a primeira expressão da Eq. (5.11), e aplicação a operação da Eq. (5.14) para as duas derivadas da Eq. (5.13), obtemos:

\frac{\partial^2 h}{\partial X^2} + \frac{\partial^2 h}{\partial Z^2} = 0 (5.15)

que é a equação de fluxo para um meio homogêneo e isotrópico em uma seção transformada.

Uma transformação igualmente válida pode ser feita contrastando a região na direção x de acordo com as relações

X = \frac{x\sqrt{K_z}}{\sqrt{K_x}}
(5.16)

Z = z

Nesse caso, a elipse da condutividade será transformada no círculo menor da Figura 5.7 e o meio transformado fictício irá agir como se fosse homogêneo com condutividade hidráulica KZ.

Com o conceito de seção transformada em mãos, os passos para representação gráfica da rede de fluxo em meio homogêneo e anisotrópico tornam-se intuitivos: (1) executa-se a transformação de coordenadas pela Eq (5.11) ou Eq. (5.16); (2) representa-se uma rede de fluxo fictícia na seção transformada seguindo as regras de um meio homogêneo e isotrópico; e (3) inverte-se a proporção de escala.

Figura 5.8 (a) Problema de fluxo em uma região homogênea e anisotrópica com \sqrt{K_x}/\sqrt{K_z} = 4. (b) Rede de fluxo na seção isotrópica transformada. (c) Rede de fluxo na seção anisotrópica verdadeira. Sendo, T, transformação; I, inversão.

A Figura 5.8 é um exemplo da técnica. O problema de valor de contorno ilustrado na Figura 5.8 (a) é uma secção vertical que representa o fluxo a partir de uma superfície de um lago com h = 100 em direção a um dreno com h = 0. O dreno é considerado apenas um de muitos drenos paralelos posicionados na mesma profundidade e orientados perpendicularmente ao plano da página. As fronteiras verticais impermeáveis são “imaginárias”; elas são criadas pela simetria do sistema global de fluxo. A fronteira inferior é um contorno real; ela representa a base do solo superficial, a qual está subjacente a um solo ou formação rochosa com condutividade inferior em várias ordens de grandeza. Se o eixo vertical for arbitrariamente definido como z = 0 para a posição do dreno e z = 100 na superfície, então a partir de h = ψ + z e também dos valores de h dados, temos que ψ = 0 em ambas as fronteiras. Na superfície, esta condição implica que o solo está apenas saturado. O “lago” é um incipiente; e tem profundidade zero. Ao nível do dreno, ψ = 0 implica condições de fluxo livre. O solo no campo de fluxo possui uma condutividade anisotrópica Kx/Kz = 16. A seção transformada da Figura 5.8 (b) possui, portanto, a expansão vertical de \sqrt{K_x}/\sqrt{K_z} = 4. A Figura 5.8 (c) mostra o resultado da transformação inversa, em que a rede de fluxo homogênea e isotrópica, obtida a partir da seção transformada é trazida de volta à escala real da região de fluxo. Durante a inversão, a carga hidráulica para qualquer ponto (X, Z) na Figura 5.8 (b) torna-se a carga hidráulica no ponto (x, z) na Figura 5.8 (c).

O tamanho da seção transformada obviamente depende se as Eqs. (5.11) ou Eqs. (5.16) são usadas para a transformação, mas a forma da região e a rede de fluxo resultante são as mesmas para qualquer caso.

Se forem necessárias quantidades de descargas ou velocidades de fluxo, em geral é mais fácil realizar estes cálculos na seção transformada. Surge então a questão sobre qual valor de condutividade hidráulica deve ser utilizado nesses cálculos. Claramente, seria incorreto usar Kx para uma seção vertical expandida e Kz para uma seção contraída horizontalmente, como pode ser inferido a partir da Figura 5.7, pois isto produziria dois conjuntos diferentes de cálculos quantitativos para duas representações equivalentes do mesmo problema. Na verdade, o valor correto a ser usado é

K' = \sqrt{K_x \cdot K_z} (5.17)

A validade da Eq. (5.17) baseia-se na condição de que os fluxos em cada uma das duas representações transformadas equivalentes da região de fluxo devem ser iguais. Para provar sua validade é necessária a aplicação da Lei de Darcy para um único tubo de fluxo em cada uma das duas transformações.

A influência da anisotropia na natureza das redes de fluxo de água subterrânea é ilustrada na Figura 5.9 para o mesmo problema de valor de contorno que foi apresentado na Figura 5.8. A característica mais importante das redes de fluxo anisotrópicas [Figuras 5.9 (a) e 5.9 (c)] é a falta de ortogonalidade. Parece-nos que as técnicas de transformação introduzidas nesta seção fornecem uma explanação indireta, porém satisfatória, desse fenômeno.

Figura 5.9 Redes de fluxo para o problema da Figura 5.8 (a) para \sqrt{K_x}/\sqrt{K_z} = (a) ¼, (b) 1, (c) 4 (adaptado de Maasland, 1957).

Existem muitas situações em que se deseja construir uma rede de fluxo com base nos dados piezométricos de campo. Caso a formação geológica seja conhecida por ser  anisotrópica, deve-se ter muita cautela ao inferir as direções de fluxo a partir de dados equipotenciais. Se a intenção é representar uma rede de fluxo completa, a seção transformada será necessária, mas se apenas as direções de fluxo em pontos específicos são necessárias, existe uma construção gráfica que pode ser útil. Na Figura 5.10 a linha tracejada representa a tendência direcional de uma linha equipotencial em algum ponto de interesse dentro do plano xz. Uma elipse de condutividade hidráulica inversa é então construída ao redor do ponto. Esta elipse possui semieixos principais 1/\sqrt{K_x} e 1/\sqrt{K_z} (ao invés de \sqrt{K_x} e \sqrt{K_z}, como na Figura 5.7). Uma linha desenhada na direção do gradiente hidráulico intercepta a elipse no ponto A. Se uma tangente à elipse é desenhada no ponto A, a direção de fluxo é perpendicular a essa linha tangente. Como um exemplo de aplicação dessa construção pode-se comparar os resultados da Figura 5.10 com as intersecções das linhas de fluxo/equipotencial na porção centro-direita da Figura 5.9 (c).

Figura 5.10 Determinação da direção de fluxo em uma região anisotrópica com \sqrt{K_x}/\sqrt{K_z} = 5.

5.2 Redes de Fluxo por Simulação Analógica

Para o fluxo em um meio homogêneo e isotrópico e em um sistema de coordenadas xz, as linhas equipotenciais em uma rede de fluxo são a reflexão contornada da solução, h(x, z), e se refere ao problema do valor de contorno que descreve o regime estacionário da região. A construção da rede de fluxo é uma solução indireta para a equação de Laplace:

\frac{\partial^2 h}{\partial x^2} + \frac{\partial^2 h}{\partial z^2} = 0 (5.18)

Esta equação é uma das equações diferenciais parciais que comumente ocorrem na física matemática. Dentre os outros fenômenos físicos que ela descreve estão o fluxo de calor através de sólidos e o fluxo de corrente elétrica através de um meio condutor. Para este último caso a equação de Laplace toma a forma:

\frac{\partial^2 V}{\partial x^2} + \frac{\partial^2 V}{\partial z^2} = 0 (5.19)

em que V é o potencial elétrico ou voltagem.

A similaridade das Eqs. (5.18) e (5.19) revelam a analogia física e matemática entre o fluxo elétrico e o fluxo de águas subterrâneas. Ambas as equações são desenvolvidas com base em uma lei de fluxo linear, a Lei de Darcy em um caso e a Lei de Ohm no outro; e uma relação de continuidade, a conservação da massa de fluido em um caso e a conservação da carga elétrica no outro. A comparação da Lei de Ohm,

l_x = -\sigma\frac{\partial V}{\partial x} (5.20)

e a Lei de Darcy,

v_x = -K\frac{\partial h}{\partial x} (5.21)

clareia a analogia imediatamente. A descarga específica, vx (descarga por unidade de área) é análoga à densidade de corrente, Ix (corrente elétrica por unidade de área); a condutividade hidráulica, K é análoga à condutividade elétrica específica, σ; e a carga hidráulica, h, é análoga ao potencial elétrico, V.

A analogia entre o fluxo elétrico e o fluxo das águas subterrâneas é a base para dois tipos de modelos análogos que se provaram úteis para a geração de redes de fluxo quantitativas. O primeiro tipo envolve o uso de papel condutor e o segundo utiliza redes de resistências.

Analogia com Papel Condutor

Vamos considerar novamente o problema hidráulico inicialmente apresentado na Figura 5.8 e agora reproduzido na Figura 5.11 (a). A analogia elétrica [Figura 5.11 (b)] consiste de uma folha de papel condutor cortado com a mesma forma geométrica do campo de fluxo de águas subterrâneas. Uma fonte de alimentação é utilizada para estabelecer a diferença de potencial através das fronteiras, e um sensor de detecção é conectada ao circuito através de um voltímetro, que é usada para medir a distribuição do potencial ao longo da folha condutiva. Condições de contorno do tipo carga constante, como V na Figura 5.11 (b), são criadas com pintura de prata altamente condutora; os limites impermeáveis são simulados com as bordas não conectadas do modelo de papel. Geralmente é possível pesquisar as linhas equipotenciais de forma bastante eficiente, de modo que uma rede equipotencial completa pode ser rapidamente gerada.

O método está limitado a sistemas homogêneos e isotrópicos em duas dimensões, mas é capaz de representar geometrias e condições de contorno complexas. Variações na condutividade dos papéis comercialmente disponíveis podem conduzir a erros aleatórios que limitam a acurácia quantitativa do método. Duas das aplicações do método que foram mais bem detalhadas são Childs (1943), onde se aborda a análise teórica de sistemas de fluxo próximo à superfície em um terreno drenado, e a consideração de Tóth (1968) sobre a rede de fluxo regional das águas subterrâneas em um campo em Alberta.

Figura 5.11 Redes de fluxo por simulação elétrica analógica. (a) Problema de valor de contorno hidrogeológico em regime permanente; (b) papel condutor analógico; (c) rede analógica de resistências.

Analogia por Rede de Resistência

O uso de uma rede de resistência como análogo em elétrica é baseado no mesmo princípio da analogia com o papel condutor. Nesta abordagem [Figura 5.11 (c)], o campo de fluxo é substituído por uma rede de resistores conectados entre si nos pontos nodais de uma malha. O fluxo de eletricidade através de cada resistor é análogo ao fluxo de água subterrânea através de um tubo paralelo ao resistor e tendo uma área de seção transversal dada pelo espaçamento entre resistores multiplicado pela unidade de profundidade. Para um fluxo de eletricidade através de um resistor individual, a variável I na Eq. (5.20) agora deve ser vista como a corrente, e σ é igual a 1/R, onde R é a resistência de um resistor. Assim como a analogia do papel, uma diferença de potencial é estabelecida através dos contornos de carga-constante do modelo. Um sensor é usado para determinar a voltagem em cada um dos pontos nodais da rede, e esses valores, quando gravados e contornados, criam a rede equipotencial.

Pela variação das resistências na rede é possível analisar sistemas heterogêneos e anisotrópicos com a analogia por rede de resistência. Esse método tem a acurácia e versatilidade superior ao modelo do papel condutor, mas ele não é tão flexível quanto os métodos numéricos que serão introduzidos na próxima seção.

Karplus (1958) fornece um livro detalhado sobre simulações análogas. Analogia por rede de resistência tem sido usada para gerar redes de fluxos de águas subterrâneas por Luthin (1953) aplicadas a drenagens e por Bouwer & Little (1959) para sistemas saturados e não saturados. Bouwer (1962) utilizou essa abordagem para analisar a configuração de elevações de águas subterrâneas que se desenvolvem abaixo de lagos de recarga.

A utilização mais comum dos métodos análogos elétricos na área de água subterrânea é na forma de redes de resistência-capacitância para análise de fluxo transiente em aquíferos. Essa aplicação será discutida na Seção 8.9.

5.3 Rede de Fluxo por Simulações Numéricas

O campo de carga hidráulica, h(x, z), que permite a construção de uma rede de fluxo, pode ser gerada matematicamente a partir de um problema com condições de contorno permanente em duas maneiras. A primeira abordagem utiliza soluções analíticas como discutido na Seção 2.11 e Apêndice III; a segunda abordagem utiliza solução por métodos numéricos. Os métodos analíticos são limitados a problemas de fluxo nos quais a região do fluxo, condições de contorno e configurações geológicas são simples e regulares. Como iremos ver nesta seção, métodos numéricos são muito mais versáteis, mas para sua aplicação é inevitável o uso de um computador.

Métodos numéricos são aproximações. Eles são baseados na discretização do meio contínuo que compõe a região do fluxo. Na discretização, a região é dividida em um número finito de blocos, cada um com suas distintas propriedades hidrogeológicas, e cada um tendo um nó no seu centro em que uma carga hidráulica é definida para o bloco inteiro. A Figura 5.12 (a) mostra uma malha nodal 7 × 5 bloco-centrada (i = 1 até i = 7 na direção x, e j = 1 até j = 5 na direção z) para uma região retangular de fluxo.

Vamos agora examinar o regime de fluxo nos arredores de um dos nós interiores, no bloco nodal, i = 4, j = 3, e seus quatro vizinhos ao redor. Para simplificar a notação, iremos renumerar os nós como indicado na Figura 5.12 (b). Se o fluxo ocorre do nó 1 para o nó 5, podemos calcular a descarga, Q15, pela lei de Darcy:

Q_{15} = K_{15}\frac{h_1 - h_5}{\Delta z}\Delta x (5.22)

para o fluxo através de uma seção transversal de profundidade unitária perpendicular à página. Na suposição que o fluxo é direcionado para o centro do nó em cada caso, podemos escrever expressões similares para Q25, Q35, e Q45. Para o fluxo em estado permanente, considerando a conservação da massa do fluido, isso implica que a soma desses quatro fluxos deve ser zero. Se o meio é homogêneo e isotrópico, K15 = K25 = K35 = K45 e se selecionarmos, arbitrariamente, uma malha nodal que é quadrada, em que Δx = Δz, o somatório dos quatro termos conduzem a

h_5 = \frac{1}{4}(h_1 + h_2 + h_3 + h_4) (5.23)

Esta equação é conhecida como equação das diferenças finitas. Se convertermos para notação ij da Figura 5.12 (a), isso se torna

h_{i,j} = \frac{1}{4}(h_{i,j-1} + h_{i+1,j} + h_{i,j+1} + h_{i-1,j}) (5.24)

Figura 5.12 (a) Malha nodal centralizada no bloco para simulação numérica de rede de fluxo. (b) Nó interior e seus blocos nodais vizinhos. (c) Representações de estrelas de diferença finita para um nó interior e para nós com contorno impermeável basal e um nó com canto impermeável.

Desta forma, a Eq. (5.24) é válida para todos os nós internos na malha nodal. Isso afirma uma verdade simples e elegante: em fluxo permanente, em meio homogêneo e isotrópico, a carga hidráulica em qualquer nó é a média dos quatro valores circundantes.

Um exercício similar irá revelar que a equação de diferenças finitas para um nó ao longo do contorno basal, assumindo que o contorno seja impermeável, possui a forma

h_{i,j} = \frac{1}{4}(h_{i-1,j} + h_{i+1,j} + 2h_{i,j+1}) (5.25)

e no nó de canto,

h_{i,j} = \frac{1}{4}(2h_{i-1,j} + 2h_{i,j+1}) (5.26)

As Equações (5.24) até (5.26) são esquematicamente representada, de uma maneira autoexplicativa, através das três representações de estrelas de diferenças finitas mostradas na Figura 5.12 (c).

Em suma, é possível desenvolver uma equação de diferenças finitas para cada nó na malha nodal. Se houver N nós, portanto existem N equações de diferenças finitas. Existem também N valores desconhecidos de hem N nós. Portanto, produzimos N equações algébricas lineares em N valores desconhecidos. Se N for muito pequeno, podemos resolver a equação diretamente, usando técnicas como a regra de Cramer, porém se o N é grande, como ocorre em simulações numéricas de rede de fluxo, devemos introduzir um método mais eficiente, conhecido como relaxamento.

Vamos permanecer fiel ao problema de fluxo da Figura 5.11 (a) e assumir que desejamos desenvolver a rede de fluxo por médias numéricas. Na malha nodal da Figura 5.12 (a), os pontos nodais em que a carga hidráulica é conhecida são circundados: h = 0 em i = 1, j = 3, e h = 100 em todos os nós da linha j = 5. O relaxamento envolve repetidas varreduras através da rede nodal, de cima para baixo e da esquerda para direita (ou de qualquer maneira consistente), aplicando a pertinente equação de diferença finita em cada nó onde a carga hidráulica é desconhecida. Devemos assumir algum valor de partida de h em cada nó. Para o problema em análise, h = 50 poderia ser atribuído como um valor inicial em todos os nós não circulados. Na aplicação das equações de diferenças finitas, o valor calculado de h mais recente é sempre usado em todos os nós. Cada passo através do sistema é chamado de iteração, e após cada iteração, os valores de h se aproximarão da resposta final. A diferença dos valores de h em qualquer nó entre duas iterações sucessivas é chamada de resíduo. O resíduo máximo no sistema diminuirá à medida que as interações prosseguem. Uma solução será alcançada quando o resíduo máximo for reduzido abaixo de uma tolerância pré-determinada.

Para testar a compreensão do processo de relaxamento, o leitor poderá realizar um par de iterações na parte superior esquerda da rede. Se o valor atribuído ao nó, i = 2, j = 4, por exemplo, for 50, então o valor após a primeira iteração é 62,5 e depois da segunda iteração é 64. O valor final, atingido após várias iterações, se situaria entre 65 e 66.

A simulação numérica é capaz de manipular qualquer forma da região de fluxo e qualquer distribuição de condições de contorno. É fácil desenvolver novamente uma equação de diferenças finitas para uma malha retangular onde Δx ≠ Δz, e para distribuição heterogênea e anisotrópica da condutividade onde os valores de Kx e Kz variam de nó para nó. Na Eq. (5.22) a técnica usual de cálculo da média seria K15 = (K1 + K5)/2, onde K1 e K5, nesse caso, referem-se às condutividades verticais dos nós 1 e 5, podendo diferir uns dos outros e das condutividades horizontais nesses nós. A simulação numérica permite a construção da rede de fluxo nos casos que são demasiado complexos para construção gráfica ou solução analítica. A simulação numérica é quase sempre programada por computador, e os programas de computador são geralmente escritos em uma forma generalizada de modo que apenas novos cartões de dados são necessários para lidar com problemas de fluxos diferentes. Essa é uma vantagem distinta sobre os análogos de rede de resistência, o qual requer uma completa desmontagem do equipamento para efetuar uma nova simulação.

O desenvolvimento das equações de diferenças finitas apresentadas nesta seção foi bastante informal. Épossível começar com a equação de Laplace e desenvolver matematicamente encontrando-se o mesmo resultado. No Apêndice VI, apresentamos um breve desenvolvimento nesse sentido. Talvez seja interessante notar, de passagem, que o desenvolvimento informal utiliza a lei de Darcy e a relação da continuidade para alcançar as expressões de diferenças finitas. Estas são as mesmas etapas que levaram ao desenvolvimento da equação de Laplace na Seção 2.11.

O método que chamamos de relaxamento (adaptado Shaw & Southwell, 1941) tem diversos nomes. É conhecido como método de Gauss-Seidel, método de Liebmann ou método de deslocamentos sucessivos. É o mais simples, mas longe de ser o mais eficiente, de muitos métodos disponíveis para resolver o conjunto de equações de diferenças finitas. Por exemplo, se as cargas calculadas durante o relaxamento são corrigidas de acordo com:

h_{corr}^k = \omega h^k + (1 - \omega)h_{corr}^{k-1} (5.27)

onde hk é a carga calculada na iteração késima e h_{corr}^{k-1} é a carga corrigida a partir da iteração anterior, então este método é conhecido como sobrerrelaxamento sucessivo e o número de iterações necessárias para alcançar uma solução convergente é significativamente reduzido. O parâmetro ω é conhecido como o parâmetro de sobrerrelaxamento, e deve se estar no intervalo 1 ≤ ω ≤ 2.

Existem muitos textos que ajudarão os modeladores numéricos. McCracken & Dorn (1964) fornecem uma introdução elementar às técnicas de simulação por computador em seu manual Fortran. Forsythe & Wasow (1960) tratam os modelos em um nível matemático mais avançado. Remson et al. (1971) discutem um amplo espectro de técnicas numéricas com particular referência ao fluxo de água subterrânea. Pinder & Gray (1977) tratam o assunto em um nível mais avançado.

Os métodos numéricos foram introduzidos na literatura da hidrologia de águas subterrâneas por Stallman (1956) em uma análise de níveis de água regionais. Fayers & Sheldon (1962) estiveram entre os primeiros a defender a simulação numérica de estado estacionário no estudo hidrogeologia regional. Remson et al. (1965) usaram o método numérico para prever o efeito de um reservatório proposto sobre os níveis de água subterrânea em um aquífero de arenito. Freeze & Witherspoon (1966) geraram muitas redes de fluxo numéricas em seu estudo teórico do fluxo de água subterrânea. O método foi amplamente utilizado, muito tempo antes, na área de drenagem agrícola (ver Luthin & Gaskell, 1950) e na derivação de padrões de infiltração em barragens de terra (Shaw & Southwell, 1941).

Nos últimos anos, o método das diferenças finitas foi igualado em popularidade por outro método numérico de solução, conhecido como método dos elementos finitos. Este método também tem um conjunto de N equações com N incógnitas que podem ser resolvidas por relaxamento, mas os nós no método de elementos finitos são os pontos de uma malha irregular, triangular ou quadrangular, projetada pelo modelador para cada aplicação específica, em vez da malha retangular regular do método das diferenças finitas. Em muitos casos, uma grade nodal menor é suficiente e gera economias resultantes no esforço computacional. O método dos elementos finitos também é capaz de lidar com uma situação que o método das diferenças finitas não pode. O método das diferenças finitas requer que as direções principais de anisotropia, em uma formação anisotrópica, sejam paralelas às direções das coordenadas. Se houver duas formações anisotrópicas em um campo de fluxo, cada uma com diferentes direções principais, o método das diferenças finitas não se aplica, enquanto o método dos elementos finitos pode fornecer uma solução. O desenvolvimento das equações de elementos finitos precisa de sofisticação matemática que não será abordada neste texto introdutório. Caso haja interesse é sugerido Pinder & Gray (1977). Os métodos numéricos, tanto diferenças finitas quanto elementos finitos, são amplamente utilizados como base para a simulação computacional de fluxo transiente em aquíferos. Esta aplicação é discutida na Seção 8.8.

5.4 Redes de Fluxo em Meio Saturado-Não Saturado

Existe outro tipo de rede de fluxo que é extremamente difícil de construir por meios gráficos. Para problemas de fluxo que envolve tanto o fluxo saturado como o não saturado, as redes de fluxo em estado permanente são normalmente derivadas por simulação numérica. Considere a rede de fluxo ilustrada na Figura 5.13. É semelhante ao problema que temos repetidamente analisado nas seções passadas, que envolve o fluxo para um dreno pertencente a um sistema de contornos impermeáveis em três lados, mas se difere em escala vertical de tal forma que a carga hidráulica no topo tenha um valor de carga de pressão inferior à pressão atmosférica. Isto significa que o solo está insaturado na superfície, apesar da existência do fluxo para o dreno, o solo deve estar saturado em profundidade. A rede de fluxo qualitativa na Figura 5.13 foi desenvolvida para um solo não saturado cujas curvas características são aquelas mostradas nos gráficos.

Figura 5.13 Rede de fluxo saturado – não saturada em um solo homogêneo e isotrópico. As inserções mostram as curvas características não saturadas para o solo.

Estas curvas de condutividade hidráulica, K, e teor de umidade θ como função de ψ, são as curvas de molhabilidade tiradas da Figura 2.13.

Como no caso unidimensional saturado-insaturado que foi ilustrado esquematicamente na Figura 2.12, existem três tipos de resultado a partir de uma simulação numérica de duas dimensões, de estado permanente e com rede de fluxo saturado-insaturado. Primeiro, há um padrão de carga hidráulica, h(x, z), que permite a construção de uma rede equipotencial (representada pelas linhas tracejadas na Figura 5.13). Segundo, há um padrão de carga de pressão, ψ(x, z) (representadas pelas linhas pontilhadas na Figura 5.13), que tem um valor particular na definição da posição do nível freático (isóbara the ψ = 0). Terceiro, há o padrão do teor de umidade, θ(x, z), que pode ser determinado a partir do padrão ψ(x, z) com a ajuda da curva θ(ψ), para o solo. Por exemplo, ao longo da linha pontilhada, para ψ = –50 na Figura 5.13, o teor de umidade θ é 27%.

As linhas de fluxo e as linhas equipotenciais formam uma rede contínua sobre toda a região saturada-insaturada. Eles se cruzam em ângulos retos em todo o sistema. Uma rede de fluxo quantitativa poderia ser desenhada com quadrados curvilíneos na porção saturada, isotrópica e homogênea, mas esses tubos de fluxo não apresentariam a forma quadrada à medida que atravessam a zona não saturada, mesmo em solo homogêneo e isotrópico. À medida que a carga de pressão (e o teor de umidade) diminui, a condutividade hidráulica e o aumento do gradiente hidráulico são necessários para liberar a mesma descarga através de um determinado tubo de fluxo. Este fenômeno pode ser observado nos tubos de fluxo no canto superior esquerdo da rede de fluxo na Figura 5.13, onde os gradientes aumentam em direção à superfície.

O conceito de um sistema integrado de fluxo saturado-insaturado foi introduzido na literatura hidrológica por Luthin & Day (1955). Eles utilizaram a simulação numérica e um tanque de areia experimental para derivar o padrão h(x, z). Bouwer & Little (1959) usaram uma rede de resistência elétrica para analisar problemas de drenagem e irrigação semelhantes aos da Figura 5.13. Redes de Fluxo saturadas e não saturadas são necessárias para explicar os níveis freáticos suspensos (Figuras 2.15 e Figura 6.11), e para entender o regime hidrogeológico em uma encosta quanto à geração de fluxo (Seção 6.5). Reisenauer (1963) e Jeppson & Nelson (1970) utilizaram a simulação numérica para observar o regime saturado-insaturado debaixo de lagos e canais. Suas soluções aplicam-se à análise da recarga artificial de água subterrânea (Seção 8.11). Freeze (1971b) considerou a influência da zona não saturada na infiltração através de barragens de terra (Seção 10.2).

5.5 A Superfície de Infiltração e o Fluxo de Dupuit

Face de Infiltração, Ponto de Saída e Superfície Livre

Se existir um sistema de fluxo saturado-insaturado na vizinhança de um contorno com escoamento livre, tal como um córrego ou área a jusante de uma barragem de terra, uma face de infiltração irá se desenvolver no limite do escoamento. Na Figura 5.14 (a), BC é um contorno de carga constante e DC é impermeável. Se não houver fonte de água na superfície, AB também atuará como uma camada impermeável.

Figura 5.14 Desenvolvimento de uma face de infiltração com um contorno de fluxo livre. (a) Rede de fluxo saturado-insaturado; b) Rede de escoamento de superfície livre; (c) Rede de fluxo de Dupuit-Forchheimer.

O nível freático EF intersecta o limite de escoamento, AD, no ponto de saída E. Todo o fluxo deve deixar o sistema através da face de infiltração ED abaixo do ponto de saída E. Acima de E, ao longo da linha AE, as cargas de pressão no meio não saturado, ψ, são menores do que a atmosférica, portanto, o escoamento para a atmosfera é impossível. Como efeito, AE atua como um limite impermeável. A condição em ED é h = z, a mesma encontrada para o nível freático. O problema na preparação de uma rede de fluxo para tais casos reside no fato do desconhecimento inicial da posição do ponto de saída, o qual separa as duas condições de contornos do escoamento. Na simulação numérica, é necessário fornecer uma previsão inicial para a posição do ponto de saída. O ponto de saída correto é então determinado por uma série testes por tentativa e erro para diferentes soluções de estado estacionário.

A construção de uma rede de fluxo quantitativa em um regime saturado-insaturado requer conhecimento tanto da condutividade hidráulica no meio saturado, K, quanto da curva característica do meio insaturado, K(ψ), para o solo. Em muitas aplicações da engenharia, incluindo análises de infiltração através de barragens de terra, os dados mais recentes são raramente disponíveis. Nestes casos, assume-se, normalmente, que o fluxo através da porção insaturada do sistema é desprezível, ou, de outra maneira, que a condutividade hidráulica de uma mistura de solo que contém menor saturação é aproximadamente comparada à condutividade hidráulica em meio saturado. Neste caso, o limite superior da rede de fluxo transforma-se no nível freático e o nível freático torna-se uma linha de fluxo. Sob essas especiais circunstâncias, este limite superior é conhecido como uma superfície livre. Redes de fluxo em sistemas saturados limitados por uma superfície livre podem ser construídas de uma forma usual, mas há uma complicação. A posição de toda a superfície livre (não apenas o ponto de saída) é desconhecida a priori. As condições de contorno numa superfície livre devem satisfazer tanto àqueles pontos do nível freático (h = z) quanto àqueles pontos da linha de fluxo (linhas equipotenciais devem encontrar essa condição em ângulos retos). De forma usual, sua posição é determinada graficamente por tentativa e erro. Textos de engenharia sobre infiltração, como Harr (1962) ou Cedergren (1967), fornecem sugestões sobre a construção gráfica e incluem muitos exemplos de redes de fluxo de escoamento de superfície livre em regime estacionário.

A Figura 5.14 (b) é a rede de fluxo de superfície livre para a rede de fluxo saturado-insaturado mostrado na Figura 5.14 (a). Uma olhada nos dois diagramas confirma que a decisão de especificar o nível freático como uma linha de fluxo é uma aproximação muito boa para este sistema particular de fluxo. O limite do escoamento ED é ainda conhecido como uma superfície de infiltração. Iremos nos defrontar com superfícies de infiltração num sentido prático quando examinarmos hidrologia de encosta (Seção 6.5) e quando considerarmos infiltração através de barragens de terra (Seção 10.2).

Teoria Dupuit-Forchheimer de um Fluxo de Superfície Livre

Para fluxo em sistemas não confinados, limitados por uma superfície livre, uma abordagem pioneira trazida por Dupuit (1863) e posteriormente avançada por Forchheimer (1930) é muitas vezes invocada. Baseia-se em duas premissas: (1) assume-se que as linhas de fluxo são horizontais e equipotenciais verticalmente e (2) assume-se que o gradiente hidráulico é igual à inclinação da superfície livre e não varia com a profundidade. A Figura 5.14 (c) mostra a rede equipotencial para o mesmo problema da Figura 5.14 (a), mas adotando-se as premissas de Dupuit. A construção de linhas de fluxo rigorosas não é mais possível. Esta situação paradoxal identifica a Teoria Dupuit-Forchheimer pelo que ela é, uma aproximação empírica ao campo de fluxo verdadeiro. Na verdade, a teoria despreza os componentes verticais do fluxo. Na prática, seu valor encontra-se em reduzir um sistema bidimensional para unidimensional para o propósito de análise. Os cálculos baseados nas premissas de Dupuit se comparam favoravelmente àqueles baseados em métodos mais rigorosos para a situação quando a inclinação da superfície livre é baixa e quando a profundidade do campo de fluxo não confinado é rasa. A descarga Q através de uma seção transversal de largura unitária perpendicular à página na Figura 5.14 (c) é dada por:

Q = Kh(x)\frac{dh}{dx} (5.28)

onde h(x) é a elevação da superfície livre acima da base do sistema de fluxo em x, e o gradiente dh/dx é dado pela inclinação da superfície livre Δhx em x. Para o fluxo estacionário, Q deve ser constante através do sistema e isso só pode ser verdadeiro se a superfície livre for uma parábola.

A equação do fluxo para a teoria de Dupuit-Forchheimer em um meio isotrópico homogêneo pode ser desenvolvida da relação de continuidade, dQ/dx = 0. A partir da Eq. (5.28), isto leva a:

\frac{d^2(h^2)}{dx^2} = 0 (5.29)

Se um campo de fluxo não confinado tridimensional for reduzido a um campo de fluxo horizontal bidimensional xy por invocação da teoria de Dupuit-Forchheimer, a equação de fluxo em um meio isotrópico homogêneo isotrópico torna-se:

\frac{\partial^2(h^2)}{\partial x^2} + \frac{\partial^2(h^2)}{\partial y^2} = 0 (5.30)

Em outras palavras, h2, ao invés de h, deve satisfazer a equação de Laplace. É possível configurar problemas de valor limite de estado estacionário com base na Eq. (5.30) e resolver para h(x, y) em campos de fluxo horizontal rasos por simulação analógica ou numérica. Também é possível desenvolver uma equação transiente de fluxo se superfície livre de Dupuit em aquíferos não confinados, onde h2 substitui h no lado esquerdo da Eq. (2.77).

Harr (1962) discute os aspectos práticos da teoria de Dupuit-Forchheimer com algum detalhe. Bear (1972) inclui um tratamento teórico muito extenso. Kirkham (1967) examina os paradoxos na teoria e fornece algumas explicações reveladoras. A abordagem é amplamente utilizada em aplicações de engenharia.

Leitura Sugerida

CEDERGREN, H. R. 1967. Seepage, Drainage and Flow Nets. Chapter 4: Flow Net Construction, John Wiley & Sons, New York, pp. 148-169.

HARR, M. E. 1962. Groundwater and Seepage. Chapter 2: Application of the Dupuit Theory of Unconfined Flow, McGraw-Hill, New York, pp. 40-61.

KIRKHAM, D. 1967. Explanation of paradoxes in Dupuit-Forchheimer seepage theory. Water Resources Res., 3, pp. 609-622.

PRICKETT, T. A. 1975. Modeling techniques for groundwater evaluation. Adv. Hydrosci., 10, pp. 42-45, 66-75.

REMSON, I., G. M. HORNBERGER, & F. J. MOLZ. 1971. Numerical Methods in Subsurface Hydrology. Chapter 4: Finite-Difference Methods Applied to Steady-Flow Problems, Wiley Interscience, New York, pp. 123-156.

Problemas

  1. Considere uma seção transversal vertical retangular ABCDA saturada, homogênea, isotrópica, com o limite superior AB, inferior DC, limite esquerdo AD e limite direito BC. Faça à distância DC duas vezes a de AD. Desenhe uma rede de fluxo quantitativamente precisa para cada um dos casos seguintes:
    1. BC e DC são impermeáveis. AB é uma carga constante com h = 100 m. AD é dividido em dois trechos de mesmo comprimento com a porção superior impermeável e a parte inferior com carga constante com h = 40 m.
    2. AD e BC são impermeáveis, AB tem carga constante com h = 100 m. DC é dividido em três trechos iguais, com a parte direita e esquerda impermeáveis e a central de carga constante com h = 40 m.
  2. Considere a seção transversal vertical ABCDA do Problema 1 trapezoidal, elevando B verticalmente, de maneira que as cotas dos pontos D e C sejam 0 m, A = 100 m e B = 130 m. AD, DC e BC são impermeáveis e ABrepresenta um nível freático de inclinação constante (na qual a carga hidráulica é igual à cota).
    1. Desenhe uma rede de fluxo quantitativamente precisa para este caso. Rotule as linhas equipotenciais com seus corretos valores de h.
    2. Se a condutividade hidráulica na região é 10-4 m/s, calcule o fluxo total através do sistema em m-5/s (por metro de espessura perpendicular à secção).
    3. Use a Equação de Darcy para calcular a velocidade de entrada ou saída do fluxo em cada ponto onde a linha de fluxo intercepta o de contorno superior.
    1. Repita os Problemas 2 (a) e 2 (b) para o caso homogêneo, anisotrópico, onde a condutividade hidráulica horizontal é 10-4 m/s e a condutividade vertical é 10-5 m/s.
    2. Desenhe a elipse da condutividade hidráulica para a formação homogênea, anisotrópica na parte (a). Mostre por construções adequadas na elipse que a relação entre a direção do fluxo e a direção do gradiente hidráulico indicada pela sua rede de fluxo é correta em dois pontos na rede de fluxo.
  3. Repita o Problema 2 (a) para o caso onde um dreno de fluxo livre (ou seja., sob pressão atmosférica) está localizado no ponto médio de BC. O dreno é orientado em ângulos retos ao plano da rede de fluxo.
    1. Repita os Problemas 1 (a), 1 (b) e 2 (a) para o caso de duas camadas onde a metade inferior do campo possui um valor de condutividade hidráulica 5 vezes maior que a metade superior.
    2. Repita o Problema 1 (b) para o caso de duas camadas onde a metade superior do campo tem uma condutividade hidráulica 5 vezes maior que a metade inferior.
  4. Esboce um piezômetro que se situa perto do centro do campo de fluxo em cada uma das redes de fluxo construídas nos Problemas 2, 3, 4 e 5, e mostre os níveis de água que existiriam nestes piezômetros de acordo com as redes de fluxo conforme você os desenhou.
    1. Redesenhe a rede de fluxo da Figura 5.3 para uma barragem com 150 m de largura em sua base, sobrepondo uma camada superficial de 120 m de espessura. Considere h1 = 150 m e h2 = 125 m.
    2. Repita o Problema 7 (a) para um caso de duas camadas em que a camada superior de 60 m é 10 vezes menos permeável que a camada inferior de 60 m.
  5. Dois piezômetros, separados por 500 m, fundo a profundidades de 100 m e 120 m em um aquífero não confinado. A cota do nível d’água é de 170 m acima do limite horizontal basal impermeável no piezômetro raso, e 150 m no piezômetro mais profundo. Utilize as premissas de Dupuit-Forchheimer para calcular a altura do nível freático a meio caminho entre os piezômetros, e para calcular a quantidade de infiltração através de uma secção de 10 m na qual K = 10-3 m/s.
  6. Esboce redes de fluxo num plano horizontal através de um aquífero confinado horizontal:
    1. Para fluxo em direção a um único poço de bombeamento de estado estacionário (ou seja, um poço em que o nível de água permanece constante).
    2. Para dois poços de bombeamento de estado estacionário, bombeando em taxas iguais (isto é, produzindo iguais cargas no poço).
    3. Para um poço próximo a um limite linear de carga constante.