6.1 Fluxo de Água Subterrânea Regional de Estado Estacionário
Com os métodos de construção e simulação de redes de fluxo em regime estacionário em mãos, estamos agora aptos a examinar o fluxo natural de água subterrânea em bacias hidrogeológicas.
Áreas de Recarga, Descarga e Divisores de Água Subterrânea
Consideremos a seção transversal vertical bidimensional da Figura 6.1. A seção é tomada em uma direção perpendicular à orientação de um conjunto de cumes e vales longos e paralelos numa região úmida. Os materiais geológicos são homogêneos e isotrópicos, e o sistema é limitado na base por um contorno impermeável. O nível freático é coincidente com a superfície do solo nos vales, e forma uma réplica suavizada da topografia nas colinas. O valor da carga hidráulica em qualquer uma das linhas equipotenciais tracejadas é igual à elevação do nível freático em seu ponto de interseção com a linha equipotencial. As linhas de fluxo e as linhas equipotenciais foram esboçadas de acordo com as regras usuais para a construção gráfica de fluxo em meios homogêneos e isotrópicos.
É claro a partir da rede de fluxo que o fluxo da água subterrânea ocorre das terras altas em direção aos vales. A rede de fluxo deve preencher todo o campo de fluxo, e uma consequência desse fato é a ocorrência de fluxo subterrâneo ascendente sob os vales. A simetria do sistema cria fronteiras verticais abaixo dos vales e cumes (as linhas pontilhadas AB e CD) através das quais não há fluxo. Esses contornos imaginários impermeáveis são conhecidos como divisores de águas subterrâneas. Nos sistemas mais simétricos, como o mostrado na Figura 6.1, estes coincidem exatamente com os divisores superfície-água, e sua orientação é precisamente vertical. Em ambientes topográficos e hidrogeológicos mais complexos, essas propriedades podem ser perdidas.
As linhas de fluxo na Figura 6.1 fornecem água subterrânea das áreas de recarga para áreas de descarga. Em uma área de recarga há um componente da direção do fluxo da água subterrânea perto da superfície que é descendente. Uma área de recarga pode ser definida como aquela porção da bacia de drenagem na qual o fluxo saturado líquido das águas subterrâneas é direcionado para longe do nível freático. Em uma área de descarga há um componente da direção do fluxo de água subterrânea próximo da superfície que é ascendente. Uma área de descarga pode ser definida como aquela porção da bacia de drenagem na qual o fluxo da água subterrânea é direcionado para o nível freático. Em uma área de recarga, o nível freático geralmente fica a alguma profundidade; em uma área de descarga, é geralmente na ou muito perto da superfície. Para a célula sombreada na Figura 6.1, a região ED é a área de recarga e a região AE é a área de descarga. A linha que separa as áreas de recarga das áreas de descarga é chamada de linha de charneira. Para a célula sombreada, sua intersecção com o plano da seção está no ponto E.
A utilização de redes de fluxo estacionário para a interpretação do fluxo regional merece alguma discussão. A abordagem é tecnicamente válida somente no caso um pouco irreal onde o nível freático mantém a mesma posição ao longo de todo o ano. Na maioria dos casos reais, as flutuações no nível d’água apresentam efeitos transientes nos sistemas de fluxo. No entanto, se as flutuações no nível freático forem pequenas em comparação com a espessura vertical total do sistema e se a configuração relativa do nível freático permanecer a mesma ao longo do ciclo de flutuações (ou seja, os pontos altos permanecem os mais altos e os pontos baixos permanecem os mais baixos), estamos dentro do nosso direito para substituir o sistema flutuante por um sistema estacionário com o nível freático fixado em sua posição média. Deve-se pensar no sistema estacionário como um caso de equilíbrio dinâmico no qual o fluxo de água entregue ao nível freático através da zona insaturada a partir da superfície é apenas o fluxo necessário para manter o nível d’água em sua posição de equilíbrio em cada ponto ao longo de sua superfície em todos os momentos. Essas condições estão aproximadamente satisfeitas em muitas bacias hidrogeológicas, e sob essa luz, o exame de redes de fluxo constante pode ser bastante instrutivo. Onde não estiverem satisfeitas, devemos recorrer às análises mais complexas apresentadas na Seção 6.3 para o fluxo de água subterrânea regional transiente.
Hubbert (1940) foi o primeiro a apresentar uma rede de fluxo do tipo mostrado na Figura 6.1 para o contexto do fluxo regional. Ele presumivelmente chegou à rede de fluxo por construção gráfica. Tóth (1962, 1963) foi o primeiro a levar esse trabalho matematicamente à frente. Ele reconheceu que o sistema de fluxo na célula sombreada ABCDA da Figura 6.1 poderia ser determinado a partir da solução para um problema de valor limite. A equação de fluxo é a equação de Laplace [Eq. (2.70)] e as condições de contorno invocam a condição de nível freático em AD e condições impermeáveis em AB, BC e CD. Ele usou a técnica de separação de variáveis, semelhante à descrita no Apêndice III para um caso mais simples, para chegar a uma expressão analítica para a carga hidráulica no campo de fluxo. As soluções analíticas, quando plotadas e contornadas, fornecem a rede equipotencial e as linhas de fluxo podem ser facilmente adicionadas. O Apêndice VII resume as soluções de Tóth.
A abordagem analítica tem três graves limitações:
- É limitado a sistemas homogêneos, isotrópicos, ou sistemas muito simples em camadas.
- Está limitada a regiões de fluxo que podem ser aproximadas com precisão por um retângulo, isto é, para inclinações do nível freático, AD, que forem muito pequenas.
- É limitada a configurações de níveis freáticos que podem ser representadas por funções algébricas simples. Tóth considerou casos com um nível freático inclinado de declive constante, e casos em que uma curva senoidal foi sobreposta a inclinação.
Conforme apontado por Freeze & Witherspoon (1966, 1967, 1968), todas as três limitações podem ser removidas se a simulação numérica, como descrita na Seção 5.3, for usada para gerar as redes de fluxo. Nas subsecções seguintes, examinaremos várias redes de fluxo tiradas dos resultados numéricos de Freeze & Witherspoon (1967), a fim de examinar o efeito da topografia e da geologia sobre a natureza dos padrões de fluxo regional estacionário.
Efeito da Topografia no Sistema de Fluxo Regional
A Figura 6.2 mostra as redes de fluxo para duas seções transversais verticais que são idênticas em profundidade e extensão lateral. Em ambos os casos existe um grande vale perpendicular à página do lado esquerdo do sistema e um platô alto à direita. Na Figura 6.2 (a), a configuração do nível freático do platô, que se assume seguir aproximadamente a topografia, tem uma inclinação suave uniforme tal como se poderia encontrar numa planície lacustre. A Figura 6.2 (b), por outro lado, possui uma configuração de planalto montanhoso, como pode ser encontrado em terrenos glaciais.
O nível freático uniforme produz um sistema de fluxo único. A linha de charneira encontra-se na parede do vale principal; todo o planalto é uma área de recarga. A topografia montanhosa produz numerosos subsistemas dentro do sistema de fluxo principal. A água que entra no sistema de fluxo em uma determinada área de recarga pode ser descarregada no ponto mais baixo da topografia ou pode ser transmitida para a área de descarga regional na parte inferior do vale maior. Tóth (1963) mostrou que à medida que a profundidade para a extensão lateral de todo o sistema se torna menor e à medida que a amplitude das cristas se torna maior, os sistemas locais são mais propensos a alcançar o limite basal, criando uma série de pequenas células independentes tais como aquelas mostradas na Figura 6.1. Tóth (1963) sugere que na maioria das redes de fluxo e na maioria das áreas de campo, podem-se diferenciar entre sistemas locais de fluxo de água subterrânea, sistemas intermediários de fluxo de água subterrânea e sistemas regionais de fluxo de água subterrânea, conforme ilustrado esquematicamente na Figura 6.3. Onde o relevo local é insignificante, somente sistemas regionais se desenvolvem. Onde há um relevo local pronunciado, somente sistemas locais se desenvolvem. Estes termos não são específicos, mas fornecem um quadro qualitativo útil para discussão.
As Figuras 6.2 e 6.3 deixam claro que mesmo nas bacias subjacentes a materiais geológicos homogêneos isotrópicos, a topografia pode criar sistemas complexos de fluxo de água subterrânea. A única lei imutável é que as terras altas são áreas de recarga e as terras baixas são áreas de descarga. Para a maioria das configurações topográficas comuns, as linhas de charneira ficam mais próximas dos fundos do vale do que das linhas do topo topográfico. Em um mapa areal, as áreas de descarga geralmente constituem apenas 5–30% da área de superfície de uma bacia hidrográfica.
Efeito da Geologia nos Sistemas de Fluxo Regional
A Figura 6.4 mostra uma amostra de redes de fluxo que foram simuladas numericamente para sistemas heterogêneos. A comparação das Figuras 6.4 (a) e 6.2 (a) evidência o efeito da introdução de uma camada em profundidade com uma permeabilidade 10 vezes maior do que a camada superior. A formação mais inferior é um aquífero com fluxo essencialmente horizontal o qual é recarregado pela zona superior do aquífero. Observe o efeito da lei da tangente no contato geológico.
Se o contraste de condutividade hidráulica for aumentado [Figura 6.4 (b)], os gradientes verticais no aquitarde sobrejacente aumentam e os gradientes horizontais no aquífero decrescem. A quantidade de fluxo, a qual pode ser calculada a partir da rede de fluxo usando os métodos da Seção 5.1, aumenta. Um resultado do aumento no fluxo é uma maior área de descarga, a qual se torna necessária em virtude dos grandes fluxos no aquífero escapar para a superfície a medida que a influência do contorno esquerdo é sentida.
Em terrenos ondulados [Figura 6.4 (c)], a presença de um aquífero basal cria uma rodovia para o fluxo que passa sob os sistemas sobrepostos locais. Dessa forma, a existência de um canal de alta permeabilidade aumenta a possibilidade de sistemas regionais mesmo em áreas com desnível topográfico pronunciado.
Há uma importância particular no posicionamento, dentro de bacia, de corpos lenticulares sotopostos com alta condutividade hidráulica. A presença de um aquífero basal parcial na metade a montante da área da bacia [Figura 6.4 (d)] resulta numa área de descarga que ocorre no meio do declive uniforme do planalto acima do adelgaçamento estratigráfico. Tal área de descarga não pode ocorrer sob controle unicamente topográfico. Se o aquífero basal parcial ocorrer na metade a jusante do sistema, a área central de descarga não existirá; na verdade, a recarga naquela área será concentrada.
No complexo sistema geológico e topográfico mostrado na Figura 6.4 (e), as duas linhas de fluxo ilustram como a diferença de apenas alguns metros no ponto de recarga pode fazer a diferença entre a entrada de água em um sistema local menor ou em um sistema regional importante. Tais situações têm implicações relevantes na implantação de projetos de disposição de resíduos que possam introduzir contaminantes no regime de fluxo subterrâneo.
A estratigrafia subterrânea e suas resultantes variações subsuperficiais na condutividade hidráulica podem existir em uma variedade infinita. Deveria ser claro a partir desses poucos exemplos que a heterogeneidade geológica pode ter um profundo efeito no fluxo de água subterrânea regional. Ela pode afetar a inter-relação entre os sistemas locais e regionais, pode afetar o padrão superficial das áreas de recarga e descarga e pode afetar as quantidades de fluxo que são descarregadas através dos sistemas. Os efeitos dramáticos mostrados na Figura 6.4 são o resultado de contrastes de 2 ordens de grandeza ou menos. Nos sistema sistemas do tipo aquífero-aquitarde com contrastes maiores, os padrões de fluxo se tornam quase retilíneos, com fluxo horizontal em aquíferos e fluxo vertical através de aquitardes.
Poços Artesianos
Poços jorrantes ou artesianos (juntamente com fontes e gêiseres) simbolizam a presença e o mistério da água subterrânea e, dessa forma, sempre têm atraído considerável interesse do público.
A clássica explicação para poços jorrantes, inicialmente proposta por Chamberlain (1885) e popularizada por Meinzer (1923) em conexão com o arenito de Dakota, propôs um controle geológico relacionado a afloramentos. Se, como mostrado na Figura 6.5 (a), o afloramento de um aquífero ocorre em cota topográfica elevada e ali mesmo ocorrer a recarga, uma malha equipotencial pode se desenvolver onde a carga hidráulica da área bem abaixo da área de recarga é mais alta do que a elevação da superfície. Um poço que alcance o aquífero em tal local, e seja aberto na superfície, jorrará.
Contudo, não é necessário ter este ambiente geológico para obter os poços jorrantes, tampouco um controle particularmente comum. O controle primário para poços jorrantes é a topografia. Conforme mostrado na Figura 6.5 (b), um poço em uma área de descarga com uma tomada de água numa determinada profundidade abaixo do nível freático tocará uma linha de contorno de carga hidráulica com valor de carga situado acima da superfície do terreno, mesmo em um terreno homogêneo e isotrópico. Se houvesse um aquífero horizontal em profundidade abaixo do vale mostrado na Figura 6.5 (b), não seria necessário que o mesmo aflorasse para proporcionar poços jorrantes. Na Figura 6.4 (b), um poço que extraísse do aquífero abaixo do vale à esquerda do diagrama, jorraria.
Qualquer sistema hidrogeológico que produza valores de carga hidráulica em um aquífero que ultrapassem a elevação da superfície, produzirá poços jorrantes. A importância do controle topográfico é refletida no grande número de poços jorrantes que ocorrem em vales com relevo pronunciado. A localização específica das áreas dos poços jorrantes dentro de bacias e vales topograficamente baixos é controlada pela estratigrafia subterrânea.
A configuração do arenito de Dakota da Figura 6.5 (a) também foi utilizada excessivamente como modelo do processo regional de recarga de águas subterrâneas. Aquíferos que afloram em terrenos mais elevados não são encontrados em todos os lugares. Regimes de recarga como aqueles mostrados nas Figuras 6.4 (c), 6.4 (d), e 6.7 (b) são muito mais comuns.
Mapeamento do Sistema de Fluxo
Meyboom (1996a) e Tóth (1966) mostraram por meio de seus trabalhos nas pradarias canadenses que é possível mapear áreas de recarga e de descarga a partir de observações de campo. Existem cinco tipos básicos de indicadores: (1) topografia, (2) padrões piezométricos, (3) padrões hidroquímicos, (4) isótopos ambientais, e (5) características do solo e da superfície.
O indicador mais simples é a topografia. As áreas de descarga são topograficamente baixas e áreas de recarga são topograficamente altas. O indicador mais direto é a medida piezométrica. Se fosse possível instalar piezômetros multiníveis em cada ponto em questão, o mapeamento seria automático. Os multiníveis mostrariam uma componente de fluxo ascendente nas áreas de descarga e uma componente de fluxo descendente em áreas de recarga. Tal possibilidade é claramente não econômica e, de qualquer modo, informações comparáveis geralmente podem ser obtidas a partir dos dados de nível de água disponíveis em poços existentes. Um poço não é um verdadeiro piezômetro porque, geralmente, é aberto em todo o seu comprimento, ao invés de em um único ponto, mas em muitos ambientes geológicos, especialmente aqueles em que um único aquífero está sendo explotado, os dados de nível de água estático de poços podem ser usados como um indicador de condições potenciométricas. Se houver muitos poços de várias profundidades em uma única região topográfica, a plotagem de profundidade dos poços versus a profundidade para o nível estático pode ser instrutiva. A Figura 6.6 define os campos na referida plotagem em que a dispersão dos pontos é esperada que caia em áreas de recarga e áreas de descargas.
A interpretação geoquímica requer um grande número de análises químicas realizadas a partir de amostras de água extraídas de um conjunto representativo de poços e piezômetros de uma área. As águas subterrâneas ao se moverem em um sistema de fluxo sofrem uma evolução geoquímica que será discutida no Capítulo 7. É suficiente ressaltar aqui que a salinidade (medida por sólidos dissolvidos totais) geralmente aumenta ao longo do fluxo subterrâneo. A água das zonas de recarga é relativamente doce; a água das zonas de descarga é com frequência relativamente salina.
As informações sobre os sistemas de fluxo de água subterrânea também são obtidas através da análise de amostras de poço ou piezômetro por meio dos isótopos ambientais 2H, 3H, 18O e 14C. A natureza desses isótopos está descrita na Seção 3.8. O Trítio (3H) é utilizado para identificar a água que percolou pela região subterrânea antes de 1953; ano que se iniciaram os testes de armas atômicas na atmosfera (Figura 3.11). A distribuição de 3H no sistema de fluxo de água subterrânea pode ser utilizada para delinear a zona subterrânea ocupada pela água pós-1953. Na medida em que a zona tritiada se estende para o sistema de fluxo a partir da área de recarga, torna-se possível estimar valores regionais de velocidade linear média do fluxo de águas subterrâneas próximos à área de recarga. Picos de concentração de 3H nas águas subterrâneas algumas vezes podem estar relacionados a picos nos registros de longo prazo da concentração de 3H na água da chuva e na neve.
A distribuição de C14 pode ser utilizada para distinguir as zonas de ocorrência de água mais antiga (Seção 3.8). Esta abordagem é comumente utilizada no estudo do fluxo regional de grandes aquíferos. Em circunstâncias favoráveis o C14 é usado para identificar zonas de água em um intervalo de vários milhares de anos para algumas dezenas de milhares de anos. Estudos de casos sobre a aplicação de C14 no estudo de fluxo regional em aquíferos são descritos por Pearson & White (1967) e Fritz et al. (1974). Os métodos hidroquímicos de interpretação dos dados de C14 são descritos na Seção 7.6.
Particularmente em climas áridos e semiáridos, muitas vezes é possível mapear áreas de descargas através da observação em campo de fontes e nascentes de água, bem como por outros fenômenos de descarga, rotulados genericamente como afloramentos de água subterrânea por Meyboom (1966a). Se a água subterrânea é altamente salina, os “afloramentos” podem assumir a forma de solos salinizados, playas, salinas ou precipitados de sal. Em muitos casos, a vegetação pode fornecer um indício significativo. Nas áreas de descarga, a vegetação frequentemente inclui plantas tolerantes ao sal como o salgueiro, a paineira, a algarrobeira, a grama do litoral e a “greasewood”. A maioria dessas plantas são freatófitas. Estas plantas podem viver com suas raízes abaixo do nível freático e extrair umidade diretamente da zona saturada. As freatófitas foram estudadas no sudeste dos Estados Unidos por Meinzer (1927) e Robinson (1958, 1964) e nas pradarias canadenses por Meyboom (1964, 1967). Em climas úmidos, afloramentos salinos e vegetação típica relacionada a água subterrânea são menos evidentes e o mapeamento de campo deve basear-se em fontes e piezômetros.
Como exemplo de um sistema real, considere o sistema de fluxo perto de Assiniboia, Saskatchewan (Freeze, 1969a). A Figura 6.7 (a) mostra a topografia da região e a evidência de campo da descarga de águas subterrâneas, juntamente com um gráfico de linhas de contorno com os principais valores de carga hidráulica presentes no membro arenoso da Formação Eastend a partir de registros de poços. A posição estratigráfica do membro de areia é mostrada ao longo da seção A-A’ na Figura 6.7 (b). Meyboom (1966a) refere-se a este ambiente hidrogeológico, que é bastante comum na região das Grandes Planícies da América do Norte, como perfil de pradaria.
A abordagem da rede de fluxo estacionário para a análise do fluxo regional de águas subterrâneas já foi aplicada em muitas partes do mundo em uma ampla variedade de ambientes hidrogeológicos. A abordagem geralmente foi aplicada em bacias de drenagem de tamanho pequeno a moderado, mas também foi utilizada em uma escala maior por Hitchon (1969a, b). Sua análise de fluxo de fluidos na bacia sedimentar do oeste canadense considerou sistemas que se estendem desde as Montanhas Rochosas até o Escudo Canadense. A análise foi realizada para lançar novas luzes sobre a natureza da migração e acumulação de petróleo. Este tema será discutido melhor no Capítulo 11.
6.2 Balanço Hídrico em Regime Estacionário
Em regime estacionário, as redes de fluxo regional de águas subterrâneas, sejam elas desenvolvidas a partir de medições piezométricas e observações de campo ou por simulação matemática ou analógica, podem ser interpretadas quantitativamente para fornecer informações importantes para determinação do balanço hídrico de uma bacia hidrográfica.
Interpretação Quantitativa de Sistemas de Fluxos Regionais
A Figura 6.8 mostra uma rede de fluxo quantitativa para uma seção transversal vertical bidimensional através de uma bacia hidrográfica heterogênea. Esta configuração particular do nível freático junto a um conjunto de condições geológicas dá origem a dois sistemas de fluxo separados: um sistema regional maior (subsistema A) e um sistema de fluxo local que é superficial, mas de grande extensão lateral (subsistema B). O sistema local se sobrepõe ao sistema regional de um modo que dificilmente poderia ter sido antecipado por outros meios que não uma rede de fluxo cuidadosamente construída. Com os métodos da Seção 5.1, podemos facilmente calcular a descarga através de cada sistema de fluxo. Para s = 6.000 m, o alívio total é de 100 m, e uma vez que ocorra um aumento potencial de 50, Δh = 2 m. Considerando condutividades hidráulicas de 10–4 e 10–5 m/s, a descarga por meio de cada tubo de fluxo é de 2,010–4 m3/s (por metro de espessura do sistema de fluxo perpendicular ao diagrama). A contagem dos canais de fluxo nos dois subsistemas leva a valores: QA = 2,8 × 10–3 m3/s, QB = 2,0 × 10–4 m3/s. As quantidades calculadas desta forma representam a descarga regional através de uma bacia não-desenvolvida sob condições naturais. Como veremos na Seção 8.10, o desenvolvimento dos recursos hídricos subterrâneos através de poços leva a novos sistemas regionais que podem permitir uma produção total das bacias muito maior do que a taxa das vazões inexploradas.
Também é possível calcular a taxa de recarga ou descarga em qualquer ponto ao longo do comprimento do nível freático. Se as condutividades hidráulicas em cada ponto são conhecidas e o gradiente hidráulico for lido diretamente da rede de fluxo, a lei de Darcy pode ser utilizada diretamente. Se as taxas de recarga e descarga forem plotadas acima da rede de fluxo tal qual na Figura 6.8, a linha suavizada que une os pontos é conhecida como perfil de recarga-descarga. Ela identifica as concentrações de recarga e descarga que seriam difíceis de prever sem o uso de uma rede de fluxo quantitativa. A área hachurada acima da linha zero horizontal no perfil de recarga-descarga representa a recarga total da água subterrânea; enquanto a área hachurada abaixo da linha representa a descarga total da água subterrânea. Para um fluxo constante, os dois devem ser iguais.
O equivalente tridimensional de um perfil de recarga-descarga é um mapa de contorno da bacia de drenagem que mostra a distribuição espacial das taxas de recarga e descarga. A preparação deste mapa no campo exigiria medições da condutividade hidráulica saturada de cada formação geológica próxima à superfície, bem como medições ou estimativas do gradiente hidráulico no nível freático.
Existe um aspecto dos argumentos apresentados nesta seção que conduz a um círculo vicioso. Observamos que as configurações existentes de níveis freáticos, as quais controlam a natureza dos padrões de fluxo da água subterrânea, influenciam as taxas de recarga. Mas também é verdade que os padrões e as quantidades de recarga irão controlar, até certo ponto, a configuração do nível freático. Até o momento, assumimos uma posição fixa do nível freático e desenvolvemos os padrões de recarga e descarga. Na realidade, tanto as configurações de níveis freáticos quanto os padrões de recarga são amplamente controlados pelos padrões espaciais e temporais de precipitação e evapotranspiração na superfície do solo. Nas análises das Seções 6.3 a 6.5, observaremos as interações saturadas-insaturadas que controlam a resposta do nível freático sob várias condições climáticas.
Recarga e Descarga de Águas Subterrâneas como Componentes de um Balanço Hídrico
O regime de recarga e descarga tem importantes inter-relações com os outros componentes do ciclo hidrológico. Por exemplo, na Figura 6.8, todo fluxo regional de um subsistema A tem sua descarga no vale principal à esquerda do diagrama. Para qualquer conjunto de parâmetros topográficos e hidrogeológicos, podemos calcular a taxa média de descarga sobre a área de descarga em cm/s, por exemplo. Em áreas úmidas, essa taxa de águas subterrâneas ascendentes seria suficiente para manter o nível freático elevado satisfazendo as necessidades de evapotranspiração e ainda fornecendo um componente de fluxo de base para um riacho fluindo perpendicularmente à seção transversal. Se tal riacho tivesse um afluente fluindo através da bacia A da direita para a esquerda, paralelo à seção transversal da Figura 6.8, seria de se esperar que o riacho fosse influente (cedendo água para o sistema de subsuperfície) enquanto atravessa a área de recarga, e efluente (recebendo água do sistema subsuperficial) enquanto atravessa a área de descarga.
A quantificação destes conceitos requer a introdução de uma equação de balanço hídrico, que descreva a atuação do regime hidrológico em uma bacia hidrográfica. Se nos limitarmos às bacias hidrográficas em que os divisores de água superficial e os de água subterrânea coincidem, e para as quais não há entradas ou saídas exteriores de águas subterrâneas, a equação do balanço hídrico para um período anual tomaria a seguinte a forma
P = Q + E + ΔSS + ΔSG (6.1)
Em que P é a precipitação, Q é o escoamento superficial, E é a evapotranspiração, ΔSS é a variação na taxa de armazenamento do reservatório de água de superfície, e ΔSG é a variação na taxa de armazenamento de águas subterrâneas (tanto em camadas saturadas como em não saturadas) durante o período de um ano.
Se fizermos a média ao longo de muitos anos de registro, pode-se assumir que ΔSS = ΔSG = 0, e a Eq. (6.1) torna-se
P = Q + E (6.2)
onde P é a precipitação média anual, Q o escoamento anual médio e E é a evapotranspiração média anual. Os valores de Q e E são geralmente expressos em centímetros sobre a bacia de drenagem de modo que suas unidades na Eq. (6.2) são consistentes com aquelas de P. Por exemplo, na Figura 6.9 (a), se a precipitação média anual, P, sobre a bacia de drenagem é de 70 cm/ano e a evapotranspiração média anual, E, é de 45 cm/ano, o escoamento anual médio, Q, medido no rio na saída da bacia hidrográfica, mas expresso como o número equivalente de centímetros de água sobre a bacia de drenagem, seria de 25 cm/ano.
Consideremos uma idealização da bacia hidrográfica mostrada na Figura 6.9 (a), onde a maior parte da bacia hidrográfica compreende uma área de recarga, e a área de descarga que é limitada a uma área muito pequena adjacente ao rio principal. A rede de fluxo da água subterrânea mostrada na Figura 6.8 pode muito bem ser ao longo da seção X – X’. Sendo assim, agora podemos escrever duas equações de balanço hídrico, uma para a área de recarga e outra para a área de descarga.
Na área de recarga [Figura 6.9 (b)],
P = QS + R + ER(6.3)
Em que QS é a componente do escoamento médio anual da água superficial, R é a recarga média anual de água subterrânea, ER é a evapotranspiração média anual.
Na área de recarga [Figura 6.9 (b)],
Q = QS + D – ED (6.4)
Em que D é a descarga média anual de água subterrânea (igual a R) e ED é a evapotranspiração média anual da área de descarga. Para uma área de descarga que constitui uma porcentagem muito pequena da área da bacia, P não precisa aparecer na Eq. (6.4).
Se assumirmos
QG = D – ED (6.5)
A Equação (6.4) torna-se
Q = QS – QG (6.6)
Em que QG é a componente de escoamento médio anual das águas subterrâneas (ou média anual do fluxo base). A Equação (6.5) reflete a afirmação anterior de que a descarga de águas subterrâneas em um vale satisfaz tanto as demandas de evapotranspiração quanto as dos componentes de fluxo subterrâneo. A Equação (6.6) sugere que pode ser possível separar os hidrogramas de escoamento em seus componentes de água superficial e subterrânea. Considerações adicionais deste ponto serão abordados na Seção 6.6.
A aplicação das equações de balanço hídrico no estado estacionário é uma aproximação grosseira do que ocorre no regime hidrológico dentro de uma bacia hidrográfica. Em primeiro lugar, é uma abordagem de parâmetros agrupados (em vez de uma abordagem de parâmetros distribuídos), que não leva em consideração as variações de área em P, E, R e D. Em uma média anual, em uma pequena bacia hidrográfica, as variações de área em P e E podem não ser grandes, mas estamos cientes, com base na Figura 6.8, que as variações de R e D podem ser significativas. Em segundo lugar, a abordagem anual média mascara a importância dos parâmetros dependentes do tempo. Em muitos casos, o regime de águas subterrâneas é bastante próximo de um regime de fluxo em estado estacionário, mas P, E, e Q são fortemente dependentes do tempo.
A discussão anterior sobre os balanços hídricos no estado estacionário é instrutiva, pois esclarece muitas das interações entre o fluxo de água subterrânea e os outros componentes do ciclo hidrológico. A aplicação das Eqs. (6.2), (6.3) e (6.4) na prática, no entanto, está repleta de problemas. São necessários vários anos de registros de precipitação, P, e escoamento superficial, Q, em vários locais. Em princípio, os componentes, R e D, podem ser determinados pela análise da rede de fluxo, mas na prática, a incerteza em torno dos valores de condutividade hidráulica em bacias de águas subterrâneas heterogêneas leva a uma ampla gama de valores R e D viáveis. Os parâmetros evapotranspiração, ER e ED, devem ser estimados com base em métodos de precisão questionável.
De todas estas questões, são as estimativas de evapotranspiração que apresentam maiores problemas. Os métodos de cálculo mais utilizados utilizam o conceito de evapotranspiração potencial (PE), que é definido como a quantidade de água que seria removida da superfície terrestre por processos de evaporação e transpiração se houvesse água suficiente no solo para atender a demanda. Numa área de descarga, onde as águas subterrâneas ascendentes proporcionam um fornecimento contínuo de umidade, a evapotranspiração real (AE) pode aproximar-se da evapotranspiração potencial. Em uma área de recarga, a evapotranspiração real é sempre consideravelmente menor do que a potencial. A evapotranspiração potencial é dependente da capacidade evaporativa da atmosfera. É um cálculo teórico baseado em dados meteorológicos. AE é a proporção de PE que é efetivamente evapotranspirada da água existente no solo úmido. Depende das propriedades de armazenamento de umidade da camada não saturada do solo. Também é também afetado por fatores vegetativos, como tipo de planta e estágio de crescimento. Os métodos mais comuns de cálculo da evapotranspiração potencial são os apresentados por Blaney & Criddle (1950), Thornthwaite (1948), Penman (1948) e Van Bavel (1966). Os dois primeiros são baseados em correlações empíricas entre evapotranspiração e fatores climáticos. Os dois últimos são balanços de energia cujas abordagens possuem melhores embasamentos físicos, mas requerem mais dados meteorológicos. Pelton et al. (1960) e Gray et al. (1970) discutiram os méritos relativos das várias técnicas. A conversão das taxas de PE para taxas de AE numa área de recarga é geralmente realizada com uma abordagem de balanço de solo-umidade. A técnica de Holmes & Robertson (1959) é amplamente aplicada no ambiente de pradarias.
Para o caso específico de evapotranspiração freática de uma área com um nível freático raso, medições diretas das flutuações do nível da água, como descrito na Seção 6.8, podem ser usados para calcular a evapotranspiração real.
Para exemplos de estudos de balanços hídricos em pequenas bacias hidrográficas, em que é dada especial atenção ao componente de águas subterrâneas, o leitor deve se dirigir aos relatórios de Schicht & Walton (1961), Rasmussen & Andreasen (1959) e Freeze (1967).
6.3 Fluxo de Águas Subterrâneas Regional Transiente
Os efeitos transientes nos sistemas de fluxo de águas subterrâneas são o resultado de mudanças dependentes do tempo nos fluxos de entrada e de saída na superfície do solo. Taxas de precipitação, taxas de evapotranspiração e os eventos de derretimento da neve são fortemente dependentes do tempo. Sua influência transiente é sentida mais fortemente perto da superfície na zona não saturada, de modo que qualquer análise do comportamento transiente do fluxo natural de água subterrânea deve incluir zonas saturadas e não saturadas.
Tal como acontece com o fluxo regional de estado estacionário, as principais características do fluxo regional transiente são as mais facilmente ilustradas com a ajuda de simulações numéricas realizadas em bacias hidrográficas hipotéticas. Freeze (1971a), com base no trabalho anterior de Rubin (1968), Hornberger et al. (1969) e Verma & Brutsaert (1970), descreveu um modelo matemático para fluxo tridimensional, transiente e saturado-insaturado em uma bacia de águas subterrâneas. Sua equação de fluxo acopla à equação do fluxo insaturado [Eq. (2.80)] e a equação de fluxo saturado [Eq. (2.74)] em uma forma integrada que permite o tratamento do regime subterrâneo completo. Os resultados numéricos foram obtidos com a aplicação de uma técnica de diferença finita conhecida como sobre-relaxamento sucessivo. O modelo permite qualquer forma geométrica generalizada e qualquer configuração de condições de contorno que variam temporalmente. Aqui, analisaremos a resposta transiente em uma seção transversal bidimensional para um evento de infiltração tipo neve derretida.
A região de fluxo é mostrada na Figura 6.10 (a) (com um exagero vertical 2:1). Os limites compreendem um fluxo AB com carga hidráulica constante, uma base impermeável AFED e a superfície do solo BCD. A região contém um solo homogêneo e isotrópico, cujas curvas características não saturadas são as da Figura 2.13.
Como vimos nas Seções 2.6 e 5.4, as condições de fluxo saturado-insaturado podem ser apresentadas de três maneiras: como campo de carga de pressão, como campo de teor de umidade, e como um campo de carga hidráulica total. A partir do primeiro podemos localizar a posição do nível freático, e a partir do último, podemos fazer cálculos de fluxo quantitativos. A Figura 6.10 (a), (b) e (c) mostra esses três campos no tempo t = 0 para as condições iniciais de fluxo estacionário resultante da imposição de uma carga hidráulica constante ao longo de CD. As condições iniciais apresentam um nível freático profundo e quase plano e as condições de umidade superficial muito secas. Em todos os tempos t > 0, um fluxo de superfície equivalente a 0,09K0 (onde K0 é a condutividade hidráulica saturada do solo), é permitido entrar no sistema de fluxo no limite superior. Conforme mostrado na Figura 6.10 (d), essa taxa de influxo cria uma elevação do nível freático que começa após 100 h e se aproxima da superfície após 400 h. A Figura 6.10 (e) e (f) mostra os campos de umidade e carga hidráulica em t = 410 h.
A Figura 6.11 mostra o efeito no sistema de fluxo em uma configuração geológica heterogênea. A zona não pontilhada tem o mesmo solo com propriedades semelhantes às do caso homogêneo da Figura 6.10, porém foi inserida uma camada de argila perto da superfície e um aquífero basal de alta permeabilidade em profundidade. As relações de permeabilidade e porosidade estão em 6.11 (a). A Figura 6.11 (b) ilustra a resposta transiente do nível freático para as mesmas condições de entrada de superfície que as da Figura 6.10. A Figura 6.11 (c) mostra o padrão total da carga hidráulica em t = 460 h. Este conjunto de diagramas serve para esclarecer os mecanismos saturados-insaturados que operam na formação de um nível freático suspenso.
Se o campo de atuação da carga hidráulica em uma bacia hidrográfica pode ser determinado em várias ocasiões por medição de campo ou simulação matemática, torna-se possível fazer um cálculo direto da quantidade de água que é descarregada do sistema em função do tempo. Se a área de descarga é limitada a um vale de um rio, a taxa transiente de descarga de água subterrânea fornece uma medida do hidrograma de fluxo de base para a vazão do rio. O aumento do fluxo de base é o resultado do aumento dos gradientes hidráulicos na zona saturada próxima ao rio e, como mostram os modelos teóricos, esta é por si só uma consequência do aumento dos gradientes de montante da bacia criados por uma elevação do nível freático. O intervalo de tempo entre um evento de infiltração superficial e o aumento do fluxo de base do rio é, portanto, diretamente relacionado ao tempo necessário para um evento de infiltração induzir a elevação generalizada do nível freático. A Figura 6.12 é uma ilustração esquemática de um tipo de hidrograma de fluxo de base que representa um evento hidrológico na bacia de grandeza suficiente para exercer influência sobre o nível freático em toda a bacia. As taxas dos fluxos de base devem estar compreendidas entre Dmáximo, o fluxo de base máximo possível, o qual ocorreria em condições de bacia totalmente saturada, e Dmínimo, o fluxo de base mínimo provável, o qual ocorreria em condições do menor nível freático registrado.
Cálculos quantitativos também podem ser realizados na extremidade de entrada do sistema para examinar a inter-relação entre a infiltração e recarga de água subterrânea. Os conceitos ficam mais claros, no entanto, quando se trabalha com o sistema unidimensional como apresentado na seção a seguir.
6.4 Infiltração e Recarga de Água Subterrânea
Na Seção 6.1, definidos os termos: área de recarga e área de descarga; na Seção 6.2, inicialmente, calculamos as taxas de recarga e descarga. Vamos formalizar esses conceitos com as seguintes definições para os processos de recarga e descarga.
A recarga de água subterrânea pode ser definida como a entrada para a zona saturada de água tornando-se disponível na superfície do nível freático, associada com fluxo proveniente do nível freático dentro da zona saturada.
A descarga de água subterrânea pode ser definida como a remoção da água da zona saturada através do nível freático, associado com fluxo em direção ao nível freático dentro da zona saturada.
Deve estar claro a partir da seção anterior que esses dois processos que ocorrem na zona saturada estão intimamente relacionados a outros dois processos que ocorrem em paralelo na zona não saturada. Vamos definir o processo de infiltração como a entrada de água disponível a partir da superfície do solo, associado com o fluxo a partir da superfície do solo dentro da zona não saturada.
De modo semelhante, definimos exfiltração como a remoção da água do solo através da superfície do solo, conjuntamente com o fluxo em direção à superfície do solo dentro da zona insaturada. Esse termo foi criado por Philip (1957f), mas ainda não é amplamente utilizado. O processo é geralmente denominado de evaporação, mas isso pode levar a confusão se os processos meteorológicos estão considerados.
A Teoria da Infiltração
O processo de infiltração tem sido amplamente estudado por hidrólogos e por físicos de solo. Na hidrologia, Horton (1933) mostrou que a precipitação, quando atinge a superfície do solo, infiltra-se no perfil do solo a uma taxa que diminui com o tempo. Ele ressaltou que, para qualquer solo, existe uma curva limite que define as taxas máximas possíveis de infiltração versus tempo. Em períodos de chuvas intensas, a infiltração real seguirá essa curva limite que ele denominou de curva de capacidade de infiltração do solo. A capacidade diminui com o tempo após o início da precipitação e, finalmente, atinge uma taxa aproximadamente constante. O declínio é causado, principalmente, pelo preenchimento dos poros pela água. Os testes controlados realizados em vários tipos de solos por hidrólogos ao longo dos anos mostraram que o declínio é mais rápido e a taxa constante final é menor em solos argilosos, com poros pequenos, do que em solos arenoso de textura aberta. Se em qualquer momento durante um evento de precipitação a taxa de precipitação exceder a capacidade de infiltração, o excesso de água se acumulará na superfície do solo. É essa água empoçada que está disponível para o escoamento superficial para drenagens superficiais.
O conceito hidrológico de capacidade de infiltração é um conceito empírico baseado em observações feitas no perfil do solo. Uma abordagem baseada em conceitos físicos pode ser encontrada na literatura sobre a física do solo, onde a infiltração é estudada como um processo de fluxo subterrâneo não saturado. A maioria das análises considerou um sistema de fluxo vertical unidimensional com uma condição de contorno de fluxo de entrada na parte superior. Bodman & Colman (1943) apresentaram as primeiras análises experimentais e Philip (1957a, 1957b, 1957c, 1957d, 1957e, 1958a, 1958b), em seu clássico artigo de sete partes, utilizou soluções analíticas para o problema do valor limite unidimensional e expôs os princípios físicos básicos sobre os quais suas análises posteriores se basearam. Quase todos os tratamentos teóricos mais recentes empregaram uma abordagem numérica para resolver o sistema unidimensional. Essa abordagem é a única capaz de representar adequadamente as complexidades dos sistemas reais. Freeze (1969b) apresenta uma revisão da literatura sobre a infiltração numérica em forma tabular.
Do ponto de vista hidrológico, as contribuições mais importantes são as de Rubin et al. (1963, 1964). O trabalho desses pesquisadores mostrou que as curvas de infiltração versus tempo de Horton podem ser previstas teoricamente, dadas a intensidade da precipitação, as condições iniciais de umidade do solo e as curvas que caracterizam o solo na zona insaturada. Eles mostraram também que, se forem conhecidas as taxas de precipitação, infiltração e as taxas de condutividades hidráulicas, todas expressas em unidades de [L/T], a taxa de infiltração final das curvas de Horton é numericamente equivalente à condutividade hidráulica saturada do solo. Eles também identificaram as condições necessárias para ocorrer acumulação de água na superfície do solo: (1) a intensidade da precipitação deve ser maior que a condutividade hidráulica saturada e (2) a duração da precipitação deve ser maior que o tempo necessário para o solo ficar saturado na superfície.
Esses conceitos tornam-se mais claros quando se avalia um exemplo real. Considerando um sistema vertical unidimensional (digamos, abaixo do ponto A da Figura 6.10) com seu limite superior na superfície do solo e o seu limite inferior logo abaixo do nível freático. A equação de fluxo nesse sistema saturado-insaturado será a forma unidimensional da Eq. (2.80):
(6.7)
em que ψ (= h – z) é a carga de pressão e K(ψ) e C(ψ) são as relações funcionais insaturadas para a condutividade hidráulica K e a capacidade de umidade específica C. Na zona saturada abaixo do nível freático (ou mais precisamente, abaixo do ponto onde ψ = ψa, sendo ψa a carga de pressão de entrada de ar), K(ψ) = K0 e C(ψ) = 0, onde Ko é a condutividade hidráulica saturada do solo.
Vamos especificar uma taxa de precipitação R no limite superior. Da lei de Darcy,
(6.8)
ou
(6.9)
Se a taxa de recarga da água subterrânea para o sistema de fluxo regional for Q, então, por analogia com a Eq. (6.9), a condição na base da zona saturada do sistema é expressa por:
(6.10)
O problema de contorno definido pelas Eqs. (6.7), (6.9) e (6.10) foi solucionado por Freeze (1969b) através de um método numérico de diferença finita que é resumidamente descrito no Apêndice VIII. A Fig. 6.13 mostra os resultados de uma simulação representativa de um evento de infiltração hipotético. Os três perfis mostram a resposta, dependente do tempo, do teor de umidade, da carga de pressão e da carga hidráulica para os primeiros 100 cm de um solo com propriedades hidrológicas não saturadas idênticas às apresentadas na Figura 2.13. O comportamento transiente ocorre como resposta a uma precipitação de intensidade constante que abastece a superfície do solo a uma taxa R = 0,13 cm/min. Esta taxa é cinco vezes maior que a condutividade hidráulica saturada do solo, K0 = 0,026 cm/min. As condições iniciais correspondem às curvas t = 0, e as curvas subsequentes estão identificadas com o tempo em minutos.
O diagrama à esquerda mostra como o teor de umidade aumenta, ao longo do tempo, na direção da profundidade do perfil. A superfície torna-se saturada após 12 minutos, e os poros do solo em todo o perfil estão quase totalmente preenchidos com água após 48 minutos.
O diagrama central mostra as mudanças na carga de pressão. A curva de carga de pressão correspondente a t = 12 minutos não atinge o ponto ψ = 0, portanto os primeiros poucos centímetros de saturação da superfície, indicados pelo perfil de teor de umidade, devem-se à “saturação por tensão”. Na marca de 24 minutos a carga de pressão na superfície atingiu +10 cm, indicando que uma poça com 10 cm de lâmina d’água se acumulou na superfície neste momento. (Nesta simulação, a profundidade máxima permitida da poça foi estabelecida como 10 cm.) Ocorre também um nível d’água invertido a 5 cm abaixo da superfície do terreno, que se propaga ao longo do tempo, se aprofundando no perfil. O nível d’água verdadeiro, que está inicialmente a 95 cm de profundidade, permanece estacionário durante os primeiros 36 minutos, mas a partir de então começa a subir em resposta à infiltração de umidade que ocorre acima dele.
Os perfis de carga hidráulica próximos à superfície, no diagrama da direita, fornecem os valores de gradiente hidráulico que podem ser inseridos na lei de Darcy para calcular a taxa de infiltração, nos diversos tempos considerados. Os valores que aparecem na escala horizontal são relativos a um datum arbitrariamente estabelecido a 125 cm abaixo da superfície do terreno.
Na Figura 6.14 é mostrada a taxa de infiltração na superfície do terreno dependente do tempo para o caso de precipitação constante mostrado na Figura 6.13. Como antecipado por Rubin & Steinhardt (1963), a taxa de infiltração é igual à taxa de precipitação até o solo se tornar saturado na superfície (e a poça de 10 cm de profundidade ter sido preenchida); a partir deste momento a taxa de infiltração decresce assintoticamente até um valor igual a K0. Durante o período inicial, enquanto os poros do solo são preenchidos por água, os teores de umidade, cargas de pressão e cargas hidráulicas aumentam ao longo do tempo e o gradiente hidráulico diminui. Este decréscimo é compensado por um aumento nos valores de condutividade hidráulica sob a influência do aumento das cargas de pressão. A diminuição da taxa de infiltração ocorre no ponto em que a combinação de gradientes e condutividades no solo não podem mais aceitar toda a água que continua a ser fornecida pela chuva. A chuva que não foi absorvida e nem ficou armazenada na poça de 10 cm de lâmina d’água fica disponível para o escoamento superficial.
Uma abordagem semelhante pode ser utilizada para simular casos com evaporação na superfície (R negativa) ou descarga em profundidade (Q negativa), ou para analisar padrões de redistribuição que ocorrem após eventos de precipitação.
A questão se uma determinada entrada de água e um determinado conjunto de condições iniciais e de tipo de solo podem gerar a ocorrência de recarga subterrânea é, na verdade, uma questão se este conjunto de condições vai resultar na elevação do nível freático. A elevação fornece a fonte de reposição que permite que a taxa de recarga tenha continuidade. A possibilidade de elevação do nível d’água é maior para (1) chuvas de baixa intensidade e longa duração do que chuvas de alta intensidade e de curta duração, (2) níveis d’água rasos do que níveis d’água profundos, (3) taxas de recarga baixas do que altas, (4) teores de umidade pré-existentes altos do que baixos, e (5) solos com curvas características que indicam alta condutividade, baixa retenção específica ou alto teor de umidade ao longo de uma faixa considerável de valores de carga de pressão.
Medidas no Campo (in situ)
Em alguns ambientes hidrogeológicos, casos de infiltração que efetivamente resultem em recarga subterrânea (elevação do nível d’água) são isolados no tempo de no espaço. Nesses casos, os tipos de eventos hidrológicos que resultam em recarga são melhor identificados com base em medidas de campo (in situ). No passado, a prática comum era o acompanhamento da flutuação do nível d’água em poços de monitoramento através de hidrógrafas de nível d’água. No entanto, como exposto na Seção 6.8, existe uma variedade de fenômenos que podem influenciar a flutuação do nível d’água e nem todos correspondem a uma recarga subterrânea verdadeira. O caminho mais seguro é complementar os registros de poços de observação com medidas de carga hidráulica acima e abaixo do nível d’água. Na Figura 6.15 é apresentado um conjunto de instrumentações de campo projetadas com essa finalidade. Na Figura 6.16 é apresentado o comportamento do teor de umidade e do nível d’água, registrado em um local instrumentado no centro-leste de Saskatchewan durante uma seca em que ocorreu um evento isolado de chuva intensa. A elevação do nível d’água é resultante da infiltração direta a partir da superfície do terreno.
Em outro local próximo, a mesma precipitação não resultou em infiltração para o nível freático, apesar da condutividade hidráulica na zona saturada ser muito maior do que no local mostrado na Figura 6.16. As curvas características do solo arenoso no segundo local indicaram um nível freático muito profundo e condição de umidade do solo próximas à superfície muito seca. Conforme observado por Freeze & Banner (1970), as estimativas das propriedades de infiltração e recarga de um solo baseadas apenas no conhecimento da condutividade hidráulica da zona saturada do solo e na sua classificação textural podem muitas vezes ser incorretas. Não se deve mapear uma planície de ocorrência de areia ou cascalho como uma área de recarga eficaz sem antes investigar a profundidade do nível freático e a natureza e relação funcional da zona não saturada do solo. Pequenas diferenças nas propriedades hidrológicas de solos semelhantes podem explicar grandes diferenças em resposta ao mesmo evento hidrológico.
Os mecanismos de infiltração e de recarga de água subterrânea nem sempre são unidimensionais. Em áreas de morros, certas partes de uma área de recarga podem nunca receber infiltração direta no nível freático. Em vez disso, a recarga pode ser concentrada em depressões onde se desenvolvem represamentos temporários durante tempestades ou períodos de derretimento da neve. Lissey (1968) referiu-se a este tipo de recarga como focada-em-depressão. Sob tais condições, o nível freático ainda sofre um aumento em toda a extensão da bacia. Tal aumento é devido à infiltração vertical sob esses pontos de recarga e posterior fluxo horizontal em direção às depressões do nível freático criadas entre esses pontos. Uma discussão adicional sobre as interações entre águas subterrâneas e lagoas está contida (na Seção 6.7).
6.5 Hidrologia de Encosta e Geração de Escoamento Superficial
A relação entre precipitação e escoamento está no cerne da hidrologia. No aspecto científico, há uma necessidade de compreender os mecanismos de resposta das bacias hidrográficas. Sob aspecto da engenharia, há necessidade de conhecimento das melhores técnicas para a previsão do escoamento superficial proveniente da precipitação. Sabemos, é claro, que os maiores rios são alimentados por tributários menores, e é essa rede de pequenos tributários que drena a maior percentagem da superfície da área. Por isso, centraremos a nossa atenção nas formas que a água se move para os pequenos canais de rios nos tributários de montante, durante e entre os eventos chuvosos.
O caminho pelo qual a água chega a um riacho depende de parâmetros como clima, geologia, topografia, solos, vegetação e uso do solo. Em várias partes do mundo, e mesmo em várias partes da mesma bacia hidrográfica, processos diferentes podem gerar escoamento superficial, ou até mesmo a importância relativa de cada um dos vários processos pode diferir. No entanto, reconhece-se que existem essencialmente três processos que alimentam os rios. Conforme ilustrado na Figura 6.17, estes são o escoamento superficial, escoamento subsuperficial de tempestade (ou interfluxo) e o escoamento de água subterrânea. Uma visão sobre a natureza do regime de fluxo subterrâneo é necessária para a compreensão da produção de escoamento superficial por qualquer um destes três mecanismos.
O papel do fluxo regional de águas subterrâneas na geração do fluxo de base para um rio foi abordado nas Seções 6.2 e 6.3. Embora possa contribuir para o escoamento superficial durante as tempestades, o seu papel principal é a manutenção da vazão dos rios nos períodos de baixa vazão entre os eventos de chuva ou de derretimento de neve. Nesta seção concentraremos o nosso interesse no escoamento superficial e no escoamento de subsuperfície.
Escoamento Superficial
O conceito clássico de geração de escoamento para a drenagem por via terrestre é devido a Horton (1933). A dependência do escoamento superficial quanto ao regime de infiltração em solos não saturados em uma bacia hidrográfica foi discutido na seção anterior. Os conceitos estão resumidos na Figura 6.14.
Como apresentado originalmente, a teoria de Horton implicava que a maioria dos eventos de chuva excede a capacidade de infiltração e que o escoamento superficial é comum e generalizado em toda a bacia hidrográfica. Posteriormente, pesquisadores reconheceram que a grande heterogeneidade nos tipos de solo superficial em uma bacia hidrográfica e os padrões bastante irregulares de precipitação, tanto no tempo como espaço, criam uma resposta hidrológica muito complexa na superfície terrestre. Isso levou ao desenvolvimento do conceito de contribuição por área parcial (Betson, 1964; Ragan, 1968), em que se reconhece que certas porções da bacia hidrográfica contribuem regularmente com o escoamento superficial para os rios, enquanto outras raramente ou nunca o fazem. A conclusão dos estudos de campo mais recentes é que o escoamento superficial é uma ocorrência relativamente rara no tempo e no espaço, especialmente em bacias úmidas e cobertas de vegetação. A maioria dos hidrogramas de escoamento superficial originam-se de pequenas porções da bacia hidrográfica que constituem não mais do que 10%, e frequentemente tão pouco quanto 1 a 3%, da área da bacia, e mesmo nestas áreas restritas apenas 10–30% das chuvas causam o escoamento superficial.
Freeze (1972b) forneceu um argumento heurístico baseado na teoria da infiltração e os critérios de empoçamento da água de Rubin & Steinhardt (1963) para explicar a escassez de ocorrências de escoamento superficial.
Fluxo de Subsuperfície
O segundo conceito amplamente difundido de geração de vazão promove o escoamento de subsuperfície de tempestade como fonte primária do escoamento. Hewlett & Hibbert (1963) mostraram a viabilidade de tal escoamento experimentalmente, e Whipkey (1965) e Hewlett & Hibbert (1967) mediram os fluxos laterais para as drenagens de fontes de subsuperfície no campo. O requisito principal é um horizonte de solo raso de alta permeabilidade na superfície. Há razão para supor que essas camadas de superfície são bastante comuns na forma do horizonte A do solo, ou como solos preparados para agrcultura ou serrapilheira de florestas.
Com base em simulações com um modelo matemático de fluxo subterrâneo transiente, saturado-insaturado, em uma seção transversal bidimensional, Freeze (1972b) concluiu que o fluxo de subsuperfície pode se tornar um componente de escoamento significativo somente em vertentes convexas que alimentam canais profundos, e somente quando as permeabilidades dos solos na encosta estão nas mais altas faixas de valores possíveis. A Figura 6.18 mostra três simulações de hidrogramas para a seção transversal da vertente mostrada. Os três casos diferem por uma ordem de grandeza na condutividade hidráulica saturada, K0, do solo da vertente. A linha abaixo das regiões pontilhadas representa a contribuição do fluxo de subsuperfície de tempestade. Em cada caso, um resultado do processo na encosta é a elevação do nível freático próxima do vale (como indicado para t = 5 h na Figura). O escoamento superficial da precipitação direta sobre o solo saturado alagado criado nas margens do rio pela elevação do nível freático é mostrado pelas porções pontilhadas dos hidrogramas. Apenas as curvas A e B mostram um domínio do hidrograma pelo fluxo subsuperficial, e os valores de K0 para essas curvas estão na faixa mais elevada da medição de campo relatada. Nas encostas côncavas, os vales saturados alagados tornam-se mais largos mais rapidamente e o escoamento superficial gerado pela precipitação direta nestas áreas geralmente excede o escoamento subsuperficial, mesmo quando os solos da encosta são altamente permeáveis.
Na bacia hidrográfica experimental do Rio Sleepers em Vermont (Figura 6.19), Dunne & Black (1970a, b), trabalhando com um conjunto de instrumentos integrando superfície, subsuperfície e uma trincheira interceptora [Figura 6.19 (b)], puderam mensurar os hidrogramas simultâneos de cada uma das três saídas de componentes da encosta do córrego. O exemplo mostrado na Figura 6.19 (c) exibe a preponderância do escoamento superficial que era a característica recorrente das medições na bacia do Rio Sleepers. A instrumentação auxiliar mostrou que as áreas de contribuição, como no caso C na Figura 6.18, foram limitadas às várzeas criadas topograficamente baixas criadas pela subida do nível de níveis freáticos adjacentes ao canal do rio.
Uma das características do mecanismo gerador de escoamento superficial na bacia hidrográfica do rio Sleepers foi amplamente relatado (Hewlett & Nutter, 1970) em muitas outras bacias hidrográficas de climas úmidos. Referimo-nos à expansão e contração de zonas úmidas sob a influência do sistema de fluxo subsuperficial, durante e após chuvas. A variação resultante do tamanho das áreas contributivas no tempo é muitas vezes referido como o conceito de área de contribuição variável, e difere do conceito de área parcial de duas maneiras: primeiro, as áreas parciais são pensadas como sendo mais ou menos fixas enquanto as áreas variáveis se expandem e se contraem; segundo, as áreas parciais alimentam a água dos rios por meio do escoamento hortoniano, ou seja, pelas águas acumuladas na superfície devido à saturação dos solos vindas de cima, enquanto áreas variáveis são criadas quando a saturação ocorre vinda de baixo. Na bacia hidrográfica do Rio Sleepers, a maior parte do fluxo terrestre que chegou a partir das áreas de contribuição variável foi criada por precipitação direta nas várzeas. Em muitas bacias hidrográficas florestadas (Hewlett & Nutter, 1970), uma proporção significativa da água proveniente de áreas de contribuição variável chega por escoamento subsuperficial. A Tabela 6.1 fornece um resumo dos vários processos de escoamento em relação aos seus principais controles.
Nos últimos anos tem havido um rápido crescimento no desenvolvimento de modelos físicos de previsão hidrológica que acoplam o fluxo superficial ao subterrâneo. Smith & Woolhiser (1971) produziram um modelo para a simulação do fluxo terrestre em uma encosta infiltrante, e Freeze (1972a) produziu um modelo que acoplava o fluxo saturado e o fluxo não saturado. Stephenson & Freeze (1974) relatam o uso deste último modelo para complementar um estudo de campo, de escoamento com neve em uma pequena área de fonte a montante na bacia experimental de Reynolds Creek, em Idaho.
Indicadores Químicos e Isotópicos
Existem três abordagens principais que podem ser usadas em estudos dos processos de geração de vazão e escoamento durante chuvas: (1) monitoramento hidrométrico usando instrumentos como medidores de vazão, pluviômetros, poços de observação e tensiômetros; (2) simulações matemáticas; e (3) monitoramento de componentes dissolvidos e isótopos ambientais, tais como 2H, 3H e 18O. As informações obtidas dos dois primeiros métodos serviram de base para a discussão apresentada acima. A seguir focaremos a abordagem hidroquímica e isotópica.
A equação de equilíbrio de massa química dos constituintes dissolvidos no fluxo de um canal em um ponto de amostragem particular e em um tempo especificado pode ser expressa como
CQ = CpQp + CoQo + CdQs + CgQg (6.11)
em que C é a concentração do constituinte em questão na água corrente, tal como Cl–, SO42-, ou , e Q é a descarga do canal [L3/T]. Qp, Qo, Qs e Qg representam as contribuições para o escoamento oriundas de: precipitação direta no canal, escoamento superficial, escoamento de subsuperfície e fluxo de água subterrânea, respectivamente. Cp, Co, Cs e Cg são as concentrações do constituinte químico nos componentes do fluxo deste canal. A equação de balanço de massa para o escoamento de fluxo na mesma localização é
Q = Qp + Qs + Qo + Qg (6.12)
Valores para Q são obtidos medindo-se a vazão do canal. C é obtido por análise química de amostras do canal no local onde Q é medido. Para riachos estreitos em cabeceiras de bacias, Qp é normalmente desprezível em relação a Q. Isto deixa duas equações com seis quantidades desconhecidas, Co, Cs, Cg, Qo, Qs, e Qg. Uma abordagem pragmática neste ponto consiste em juntar Qo e Qs como um único componente denominado escoamento superficial direto (Qd), que representa o componente da precipitação que se move rapidamente através ou pelo solo para o canal. Cd é definido como a concentração representativa nesta água de escoamento superficial. A substituição desses termos nas Equações (6.11) e (6.12) e combinando-se estas equações fornece
(6.13)
Valores de Cg são normalmente obtidos por amostragem de poços rasos ou piezômetros próximos ao córrego ou por amostragem do fluxo de base do córrego antes ou depois da tempestade. O segundo método é apropriado se o fluxo é alimentado apenas por águas subterrâneas rasas durante os períodos de fluxo de base. Os valores de Cd são obtidos por amostragem da drenagem superficial ou infiltração na zona do solo perto do córrego durante o período de escoamento superficial na tempestade. Se as análises dessas amostras não produzem variação excessiva no espaço e no tempo, a escolha de uma concentração representativa ou média não é indevidamente subjetiva. Em terrenos sedimentares, Cd é geralmente pequeno em relação a Cg porque a água subterrânea fluiu a profundidades muito maiores e tem um tempo de residência muito maior. A substituição dos valores de Cd e Caem conjunto com os parâmetros do canal, C e Q na Eq. (6.13) produz um valor de Qg, para o componente de água subterrânea do canal. Se C e Q são medidos em vários momentos durante o período de escoamento superficial, a variação de Qd pode ser computada, como mostrado esquematicamente na Figura 6.20.
Pinder & Jones (1969) usaram variações de Na2+, Ca2+, Mg2+, Cl–, SO42- e no seu estudo de componentes de chuvas em pequenas cabeceiras de bacias em terrenos sedimentares na Nova Escócia. Em uma investigação semelhante em Manitoba, Newbury et al. (1969) encontraram SO42- e condutância elétrica como os melhores indicadores para a identificação do componente de águas subterrâneas nessa área. Nesta e em muitas outras investigações utilizando o método hidroquímico, é comum que o componente derivado da água subterrânea no curso dos rios em momentos de pico de escoamento superficial seja apreciável. Pinder & Jones, por exemplo, relataram valores entre 32 – 42%.
Uma das principais limitações no método hidroquímico é que as concentrações químicas utilizadas para a água subterrânea rasa e para representar o escoamento superficial direto são parâmetros agrupados que podem não representar adequadamente a água que contribui para a vazão do canal durante a chuva. A química das águas subterrâneas rasas obtida a partir de poços próximos a córregos é comum que apresente grande variação espacial. Escoamento superficial direto é uma entidade muito efêmera que pode variar consideravelmente em concentração em termos de tempo e espaço.
Para evitar algumas das principais incertezas inerentes ao método hidroquímico, os isótopos de ocorrência natural 18O, 2H e 3H podem ser usados como indicadores do componente de águas subterrâneas no fluxo do rio durante os períodos de escoamento superficial de chuva. Fritz et al. (1976) utilizaram o 18O, observando que sua concentração é geralmente muito uniforme em águas subterrâneas rasas e no fluxo de base. Embora os valores anuais médios de 18O na chuva em um determinado local têm pouca variação, o conteúdo de 18O de chuva varia consideravelmente de evento chuvoso para outro e mesmo durante eventos individuais de precipitação. O método do 18O é adequado para tipo de evento de precipitação no qual o conteúdo de 18O da chuva é relativamente constante e muito diferente do da água subterrânea rasa ou do fluxo de base. Nesta situação o 18O da chuva constitui um traçador diagnóstico da água da chuva que cai sobre a bacia durante o evento chuvoso. Das considerações do balanço de massa usadas para a Equação (6.13), obtém-se a seguinte relação:
(6.14)
Onde o 18O denota o teor de 18O em relação ao padrão SMOW (Seção 3.8) e os índices w, g e R indicam água do córrego, águas subterrâneas rasas e água de escoamento superficial derivada da precipitação (Qw = Qg + QR). Esta relação fornece a separação entre o componente derivado da chuva e o componente do fluxo representado pela água que estava armazenada na zona de água subterrânea antes do evento de precipitação. Fritz et al. (1976), Sklash et al. (1976) e Sklash (1978) aplicaram este método em estudos de geração de fluxo em pequenas cabeceiras de bacias hidrográficas em vários tipos de configurações hidrogeológicas. Descobriram que, mesmo durante o escoamento superficial em períodos de pico, o componente do caudal de água subterrânea é considerável, alcançando de metade a dois terços do fluxo total do caudal. A resolução das aparentes contradições entre os mecanismos de geração de fluxo sugeridos pela abordagem hidroquímica e isotópica e aquelas sugeridas por medições hidrométricas continuam a ser objeto de ativa investigação.
6.6 Recessão do Escoamento de Base e Armazenamento de Margens
Agora deve estar claro que os hidrogramas refletem dois tipos muito diferentes de contribuição provenientes da bacia hidrográfica. Os picos, os quais ocorrem no rio por causa do escoamento superficial e subsuperficial e, algumas vezes, pelo fluxo das águas subterrâneas, são o resultado de uma rápida resposta às mudanças de curto prazo no sistema de escoamento subsuperficial em encostas adjacentes aos canais. O escoamento de base, o qual ocorre no rio devido ao escoamento das águas subterrâneas mais profundas, é o resultado de uma lenta resposta às mudanças de longo prazo nos sistemas regionais de fluxo de águas subterrâneas.
É natural questionar se essas duas componentes podem ser separadas apenas com base em apenas uma observação direta do hidrograma, sem recorrer a dados químicos. Hidrólogos de águas superficiais têm colocado esforços consideráveis no desenvolvimento de técnicas tais como as de separação de hidrograma como um meio de melhorar os modelos de previsão de vazão em rios. Hidrólogos de águas subterrâneas estão interessados em evidências indiretas que a separação do hidrograma pode fornecer sobre a natureza do regime de águas subterrâneas na bacia hidrográfica. A abordagem não tem levado a um sucesso incondicional, porém o sucesso que tem sido alcançado tem sido baseado na concepção da curva de recessão do escoamento de base.
Considere o hidrograma do rio mostrado na Figura 6.21. O escoamento varia ao longo do ano de 1 m3/s até mais de 100 m3/s. A linha suave é a curva do escoamento de base. Essa linha reflete as contribuições sazonalmente transientes de águas subterrâneas. Os escoamentos momentâneos acima da linha suave representam a resposta rápida, isto é, as contribuições do escoamento superficial das precipitações. Se a vazão do rio for plotada em escala logarítmica, como está na Figura 6.21, a porção da curva de recessão do escoamento de base muitas vezes tem o formato de uma linha reta ou sequências de linhas retas, como AB e CD. A equação que descreve a linha reta de recessão em um gráfico semi-logarítmico é
(6.15)
Onde Q0 é o escoamento de base no instante t = 0 e Q é o escoamento de base num instante posterior, t.
A validade geral dessa equação pode ser confirmada em bases teóricas. Como mostrado primeiramente por Boussinesq (1904), se for solucionado o problema da condição de contorno que representa o escoamento da superfície livre para um rio em um aquífero não confinado, sob as hipóteses de Dupuit-Forchheimer (Seção 5.5), a expressão analítica para o escoamento do exutório do sistema adquire a forma da Eq. (6.15). Singh (1969) produziu conjuntos de curvas teóricas de escoamento de base baseados nas soluções analíticas para este tipo de condição de contorno. Hall (1968) fornece uma revisão histórica completa sobre recessão do escoamento de base.
Na Figura 6.21 as partes ascendentes do hidrograma do escoamento de base devem se ajustar dentro da estrutura conceitual em conexão com a Figura 6.22. Muitos autores, entre eles Farvolden (1963), Meyboom (1961) e Ineson & Downing (1964), utilizaram curvas de recessão do escoamento de base para obter conclusões interpretativas a respeito da hidrogeologia de bacias hidrográficas.
No limite superior de uma bacia hidrográfica, contribuições superficiais para a vazão do rio contribuem para a formação da onda de cheia. No limite inferior, um tipo diferente de interação entre as águas subterrâneas e a vazão do rio, conhecido como armazenamento de margens do rio, frequentemente modera a onda de cheia. Como mostrado na Figura 6.22 (a), se um grande rio permanente sofre um aumento no seu nível d’água sob a influência da chegada de uma onda de cheia, o escoamento pode ser induzido para dentro das margens do rio. Conforme o nível d’água diminui, o escoamento é revertido. A Figura 6.22 (b), (c) e (d) mostra o efeito desse armazenamento de margens no hidrograma do rio, no volume do armazenamento de margens e nas taxas associadas ao escoamento de entrada e de saída.
Os efeitos do armazenamento de margens podem causar dificuldades interpretativas na separação do hidrograma. Na Figura 6.22 (e) a linha contínua pode representar a atual transferência subsuperficial na margem do rio, incluindo os efeitos do armazenamento de margens. O escoamento de entrada de águas subterrâneas a partir do sistema regional, o qual pode muito bem ser a quantidade desejada, seria como mostrado pela linha tracejada.
A concepção do armazenamento de margens foi claramente descrito por Todd (1955). Cooper & Rorabaugh (1963) forneceram uma análise quantitativa baseada em uma solução analítica para o problema da condição de contorno representando o fluxo de águas subterrâneas em um aquífero não confinado adjacente a um rio de nível d’água variável. As soluções numéricas de Pinder & Sauer (1971) realizaram a análise quantitativa um passo além ao considerarem o par de problemas da condição de contorno, representando ambos o escoamento de águas subterrâneas nas margens e o escoamento livre no rio. Os dois sistemas são acoplados por meio dos termos entrada e de saída do escoamento, os quais representam a passagem de água para dentro e para fora do armazenamento de margens.
6.7 Interações Entre as Águas Subterrâneas e um Lago
Stephenson (1971) mostrou que o regime hidrológico de um lago é fortemente influenciado pelo sistema hidráulico no qual se situa. Grandes lagos permanentes são quase sempre áreas de descarga dos sistemas regionais de águas subterrâneas. As taxas de entrada de águas subterrâneas são controladas pela topografia da bacia hidrográfica e o pelo ambiente hidrológico, como descrito na Seção 6.1. Pequenos lagos permanentes nas porções altas do terreno das bacias hidrográficas são frequentemente áreas de descarga para os sistemas locais de escoamento, porém há configurações geológicas que podem fazer com que esses lagos se tornem locais de recarga localizada (pontual). Winter (1976), com base em simulações numéricas em regime permanente de sistemas com interação entre o lago e os sistemas de fluxo de águas subterrâneas, mostrou que onde o nível freático é mais elevado do que o nível do lago em todos os lados, a condição necessária para a criação de um lago de recarga é a presença de uma formação geológica com elevada permeabilidade em profundidade. As simulações de Winter (1976) também mostram que se existir uma pequena e localizada sobreelevação de nível freático entre dois lagos, há poucas configurações geológicas que levariam ao movimento de águas subterrâneas de um lago para outro.
Um lago de recarga pode permitir a infiltração em parte ou no todo de seu fundo. McBride & Pfannkuch (1975) mostraram, baseando-se em simulações teóricas, que para casos onde a largura do lago é maior do que a espessura dos depósitos superficiais de alta permeabilidade sobre os quais se assenta, a água subterrânea que flui para dentro ou para fora do lago tende a ficar concentrada próximo das bordas. Lee (1977) documentou esta situação em um estudo de campo usando medidores de infiltração instalados no fundo do lago. O projeto e o uso de instrumentos de monitoramento de infiltração em fundo de lagos próximos às suas bordas que sejam simples e de fácil utilização são descritos em Lee & Cherry (1978).
Em muitos casos, uma análise do equilíbrio da interação lago-água subterrânea não é suficiente. Em terrenos glaciais do centro oeste da América do Norte, por exemplo, barragens temporárias são criadas pelo escoamento do degelo causando interações transientes (temporárias). Meyboom (1966b) realizou medidas do fluxo transiente no entorno da pradaria (área a nordeste das Grandes Planícies nos EUA, que contém áreas alagadas rasas resultado da atividade glacial). A Figura 6.23 mostra uma sequência geral para as condições de fluxo que o autor encontrou em tal ambiente. O diagrama superior mostra as condições normais de outono e de inverno com recarga uniforme para um sistema regional. O diagrama intermediário ilustra a formação de elevações no nível d’água sob as barragens temporárias. O terceiro diagrama mostra o nível d’água durante o verão sob a influência do consumo de água do nível freático raso pela vegetação de salgueiros que circundam a barragem. O cuidadoso balanço hídrico de Meyboom no entorno do lago mostrou que um efeito generalizado no comportamento transiente sazonal foi derivado da recarga bruta do sistema de águas subterrâneas regional.
6.8 Flutuações nos Níveis da Água Subterrânea
Medidas das flutuações do nível de água subterrânea em piezômetros e poços de observação são informações importantes em vários estudos. Vimos na Seção 6.4, por exemplo, como um hidrograma de níveis d’água medidos durante um evento de infiltração pode ser usado para analisar a ocorrência de recarga de água subterrânea. Descobriremos no Capítulo 8 a importância de se detectar rebaixamento regional nos níveis piezométricos devido à explotação de um aquífero. O monitoramento dos níveis é um componente essencial dos estudos de campo associados às análises de recarga artificial (Seção 8.11), armazenamento de margem (Seção 6.6) e drenagem geotécnica (Capítulo 10).
As flutuações do nível piezométrico podem ser resultado de uma grande variedade de fenômenos hidrológicos, alguns naturais, outros induzidos pelo homem. Em many casos, podem ocorrer mais de um mecanismo operando simultaneamente e para que se entenda e se interprete corretamente as medições, é importante que sejam entendidos os vários fenômenos. A Tabela 6.2 apresenta um resumo destes mecanismos, classificados como naturais ou induzidos pelo homem; se produzem flutuações no aquífero confinado ou no aquífero livre; e se são de curta duração, diurnos, sazonais ou de longo prazo em seu tempo de uso. Também pode ser observado que alguns mecanismos operam sob a influência do clima, enquanto outros não. Aqueles colocados na coluna “confinado” produzem flutuações na carga hidráulica em profundidade, e deve ser reconhecido que estas flutuações devem ser medidas com um piezômetro verdadeiro, aberto somente no ponto de medição. Aqueles posicionados na coluna “não confinados” produzem flutuações na elevação do nível freático próximo à superfície. Este tipo de flutuação pode ser medida por um piezômetro verdadeiro ou por um poço de observação raso aberto em todo seu comprimento.
Vários dos fenômenos naturais listados na Tabela 6.2 estão detalhados em seções anteriores. Muitos dos fenômenos induzidos pelo homem serão analisados em capítulos posteriores. Nos próximos parágrafos vamos concentrar em quatro tipos de flutuações: aqueles causados por consumo de freatofíticos na área de descarga, aqueles causados pelo aprisionamento de ar durante a recarga da água subterrânea, aqueles causados pela mudança na pressão atmosférica e aqueles causados pelo carregamento externo de aquíferos confinados elásticos.
Não confinado | Confinado | Natural | Induzido pelo homem | Curta duração | Diurnos | Sazonais | Longa duração | Influência climática | |
Recarga de água subterrânea (infiltração para a nível freático) | ✔ | ✔ | ✔ | ✔ | |||||
Aprisionamento de ar durante a recarga | ✔ | ✔ | ✔ | ✔ | |||||
Evapotranspiração e consumo freatofítico | ✔ | ✔ | ✔ | ✔ | |||||
Efeitos do armazenamento de margem próximo aos rios | ✔ | ✔ | ✔ | ✔ | |||||
Efeitos de mare próximos dos oceanos | ✔ | ✔ | ✔ | ✔ | |||||
Efeitos da pressão atmosférica | ✔ | ✔ | ✔ | ✔ | ✔ | ✔ | |||
Carregamento externo de aquíferos confinados | ✔ | ✔ | ✔ | ||||||
Terremotos | ✔ | ✔ | |||||||
Bombeamento da água subterrânea | ✔ | ✔ | ✔ | ✔ | |||||
Injeção por poços profundos | ✔ | ✔ | ✔ | ||||||
Recarga artificial; infiltração por lagoas, lagos e aterros sanitários | ✔ | ✔ | ✔ | ||||||
Irrigação e drenagem para agricultura | ✔ | ✔ | ✔ | ✔ | |||||
Drenagem geotécnica de minas abertas, tuneis, taludes etc. | ✔ | ✔ | ✔ |
Evapotranspiração e Consumo Freatofítico
Na área de descarga é geralmente possível realizar medidas diretas de evapotranspiração baseadas na flutuação do nível do freático pelo uso de poços de observação rasos. A Figura 6.2 (segundo Meyboom, 1967) mostra flutuações diurnas observadas nos dados dos níveis do freático num vale de rio no oeste do Canadá.
Os rebaixamentos acontecem durante o dia como resultado do consumo freatofítico (neste caso pela planta ácer de Manitoba); a recuperação se dá durante a noite, quando os estomatos das plantas estão fechados. White (1932) sugeriu uma equação para o cálculo da evapotranspiração baseado nessas observações. A quantidade de água subterrânea retirada por evapotranspiração durante um período de 24 horas é:
(6.16)
Onde E é a evapotranspiração diária atual ([L]/dia); Sy é o rendimento específico do solo (% por volume); r é a variação horária do fluxo de água subterrânea ([L]/hora); s é a elevação ou rebaixamento total do nível freático durante o período de 24 horas ([L]). Os valores r e s estão graficamente ilustrados na Figura 6.24. O valor de r, que deve representar a taxa de variação do fluxo de entrada da água subterrânea pelo período de 24 horas, precisa ser baseado baseado na elevação do nível do freático entre meia noite e 4 horas da manhã. Meyboom (1967) sugeriu que o valor de Sy na Equação 6.16 deve refletir a rendimento específico prontamente disponível. Ele estima que este valor é 50% do rendimento específico real como definido na Seção 2.10. Se experimentos de drenagem em laboratório são utilizados para se medir o rendimento específico, o valor usado na Equação (6.16) deve estar baseado na drenagem que ocorre nas primeiras 24 horas. Em relação à Figura 6.24, a evapotranspiração total para o período de 2 a 8 julho, de acordo com o método White, é de 0,52 metros (1,73 pés).
Aprisionamento de Ar Durante a Recarga
Muitos técnicos de campo observaram uma elevação anormalmente alta no nível d’água em poços de observação em aquíferos livres rasos durante fortes tempestades. Isso é agora reconhecido como um tipo de flutuação do nível freático que é resultado do aprisionamento do ar na zona não saturada (Bianchi & Haskell, 1966; McWhorter, 1971). Se a precipitação é intensa, uma zona de saturação invertida é criada na subsuperfície do solo e um avanço da frente molhante aprisiona ar entre esta e o nível d’água. As pressões de ar nesta zona elevam-se a valores muito maiores que a pressão atmosférica.
Como uma explanação esquemática do fenômeno, considere as Figuras 6.25 (a) e (b). Na primeira figura, a pressão do ar no solo, pA, deve estar em equilíbrio simultaneamente com atmosfera e com a pressão do fluido, pw. Isso será verdadeiro para todo ponto X sobre o nível freático dentro do meio poroso e no ponto Y no furo de sondagem. Se, como mostrado na Figura 6.25 (b), o avanço da frente molhante cria um acréscimo, dpA, na pressão do ar aprisionado, a pressão do fluído na superfície freática no ponto X deve aumentar de uma quantidade equivalente, dpw. A pressão de equilíbrio no poço de observação no ponto Y é dada por:
(6.17)
Desde que pA = pW e dpA = dpw teremos :
(6.18)
ara dpA > 0, ψ > 0, provando que um aumento na pressão do ar aprisionado leva a uma elevação no nível da água no poço de observação aberto para a atmosfera.
Este tipo de aumento do nível da água não tem nenhuma relação com a recarga de água subterrânea, no entanto, por estar associado com eventos de precipitação, pode ser facilmente confundido. A principal característica é a grandeza da razão entre o aumento do nível de água e a profundidade da frente da precipitação. Meyboom (1976) apresenta valores tão elevados quanto 20:1. A elevação anômala geralmente dissipa-se em poucas horas, ou no máximo em poucos dias, devido ao escape lateral do ar retido para a atmosfera para fora da área de saturação da superfície.
Efeitos da Pressão Atmosférica
Alterações na pressão atmosférica podem produzir grandes flutuações em poços ou piezômetros em aquíferos confinados. A relação é inversa: um aumento na pressão atmosférica cria uma diminuição nos níveis d’água observados.
Para explicar o fenômeno, Jacob (1940) utilizou o princípio da tensão efetiva. Considere as condições apresentadas na Figura 6.25 (c), onde o ponto X de equilíbrio da tensão é dado por:
(6.19)
Nesta equação, pA é a pressão atmosférica, σT é a tensão criada pelo peso do material sobreposto; σe é a tensão efetiva que atua na estrutura do aquífero e pw a pressão do fluido no aquífero. A pressão do fluido, pw, aumenta o potencial de pressão, ψ, que pode ser medida com um piezômetro instalado no aquífero. No ponto Y no furo de sondagem,
(6.20)
Se, como apresentado na Figura 6.25 (d), a pressão atmosférica aumentou por um incremento dpA, a variação é o equilíbrio da tensão em X dada por
(6.21)
donde fica claro que dpA > dpw. No furo de sondagem, temos agora
(6.22)
Substituindo-se a Eq. (6.20) na Eq. (6.22) tem-se
(6.23)
desde que dpA – dpw > 0, então ψ – ψ’ > 0, provando que um aumento na pressão atmosférica provoca diminuição nos níveis de água.
Em um aquífero confinado horizontal, a variação do potencial de pressão, dψ = ψ – ψ’ na Eq. (6.23), é numericamente equivalente à variação na carga hidráulica, dh. A razão
(6.24)
é conhecida como a eficiência barométrica do aquífero. Geralmente encontra-se na faixa entre 0,20 e 0,75. Todd (1959) fornece uma dedução que relaciona a eficiência barométrica, B, com o coeficiente de armazenamento, S, de um aquífero confinado.
Observa-se também que as variações na pressão atmosférica podem causar pequenas flutuações no nível freático em aquíferos não confinados. Como a pressão do ar aumenta, o nível freático baixa. Peck (1960) atribui os efeitos das flutuações a variação de pressões em bolhas de ar aprisionadas na zona de umidade do solo. Com o aumento da pressão, o ar aprisionado ocupa menos espaço, e é substituído pela água do solo, induzindo a um movimento ascendente de umidade a partir do nível freático. Turk (1975) mediu as flutuações diurnas de até 6 cm em aquífero de textura fina com nível freático próximo à superfície.
Cargas Externas
Há tempos tem sido observado (Jacob, 1939; Parker & Stringfield, 1950) que o efeito de cargas externas tais como trens passando, detonação em construções e terremotos podem levar a oscilações de curta duração nas medidas dos níveis d’água em piezômetros instalados em aquíferos confinados. A princípio, estes fenômenos estão alinhados com os efeitos da pressão atmosférica. Seguindo a notação introduzida na Figura 6.25 (c) e (d), note que a passagem de um trem cria mudanças transientes na tensão total, σT. Tais mudanças provocam alterações em pw, que por sua vez são refletidas nas variações dos níveis piezométricos. De forma similar, ondas sísmicas resultantes de terremotos criam uma interação transiente entre σe e pw no aquífero. O terremoto ocorrido no Alasca em 1964 provocou flutuações no nível da água em toda América do Norte (Scott & Render, 1964).
Defasagem de Tempo em Piezômetros
Uma fonte de erro nas medições do nível d’água que geralmente é ignorada é a defasagem de tempo. Se o volume de água que é necessário para registrar uma flutuação de carga no tubo do piezômetro for grande em relação à taxa de entrada de água para seu interior, haverá uma defasagem de tempo introduzida nas leituras piezométricas. Este fator é especialmente pertinente em medições de carga em formações de baixa permeabilidade. Para contornar este problema, muitos hidrogeólogos estão utilizando piezômetros equipados com transdutores de pressão que medem as alterações de carga pontualmente sem uma grande transferência de água. A utilização de redutores que diminuem o diâmetro do tubo vertical acima da entrada de água também foi sugerida (Lissey, 1967). Nos casos em que esses métodos não sejam viáveis, uma correção para a defasagem do tempo entre leituras conforme recomendação de Hvorslev (1951) será necessária.
Leitura Sugerida
FREEZE, R. A. 1969. The mechanism of natural groundwater recharge and discharge: 1. One-dimensional, vertical, unsteady, unsaturated flow above a recharging or discharging groundwater flow system. Water Resources Res., 5, pp. 153–171.
FREEZE, R. A. 1974. Streamflow generation. Rev. Geophys. Space Phys., 12. pp. 627–647.
FREEZE, R. A., & P. A. WITHERSPOON. 1967. Theoretical analysis of regional groundwater flow: 2. Effect of water-table configuration and subsurface permeability variation. Water Resources Res., 3, pp. 623–634.
HALL. F. R. 1968. Baseflow recessions-a review. Water Resources Res., 4, pp. 973–983.
MEYBOOM, P. 1966. Unsteady groundwater flow near a willow ring in hummocky morraine. J. Hydrol., 4, pp. 38–62.
RUBIN, J., & R. STEINHARDT. 1963. Soil water relations during rain infiltration: I. Theory. Soil Sci. Soc. Amer. Proc., 27, pp. 246–251.
TÓTH, J. 1963. A theoretical analysis of groundwater flow in small drainage basins. J. Geophys. Res., 68, pp. 4795–4812.
Problemas
- Considere a região de fluxo tais como ABCDEA na Figura 6.1. Adote BC = 1.000 m e faça o comprimento de CD igual a duas vezes o comprimento de AB. As redes de fluxos para os seguintes casos, homogêneo e isotrópico:
- AB = 500 m, AD uma linha reta.
- AB = 500 m, AD uma parábola.
- AB = 100 m, AD uma linha reta.
- AB = 200 m, AE e ED linhas retas com a declividade de AE duas vezes a de ED.
- AB = 200 m, AE e ED linhas retas com a declividade de ED duas vezes a de AE.
-
- Identifique a recarga e as áreas de descarga para as redes de fluxos no Problema 1 e prepare o perfil de recarga e descarga para cada.
- Calcule a taxa volumétrica de fluxo através do sistema (por metro de seção perpendicular a rede de fluxo) para os casos em que K = 10–8, 10–6 e 10–4 m/s.
- Adote um conjunto de valores reais para P e E nas Eqs. (6.2) e (6.6) e avalie a aceitabilidade dos valores calculados no Problema 2 (b) como componentes de um balanço hídrico em uma pequena bacia hidrográfica.
- Qual seria o efeito qualitativo na posição da linha de combinação, o perfil de recarga – descarga, e o componente de vazão base do escoamento superficial se as seguintes adaptações geológicas foram feitas para o sistema descrito no Problema 1 (d)?
- Uma camada de alta permeabilidade é introduzida na profundidade.
- Uma camada de baixa permeabilidade é introduzida na profundidade.
- Uma película de alta permeabilidade na base da bacia.
- A região consiste de uma sequência aquíferos de camadas horizontalmente finas e aquitarde.
- Com base na informação de rede de fluxo deste capítulo, como você poderia explicar a ocorrência de nascentes quentes?
- Identifique as áreas nas redes de fluxo construídas no Problema 1 onde os poços poderiam produzir condições artesianas de fluxo.
- m grupo de pesquisadores em hidrogeologia procura entender a função de uma série de lagos e pântanos no balanço hidrológico regional. O objetivo em longo prazo é determinar quais corpos d’água superficiais são permanentes e quais podem baixar significativamente durante um longo período de seca. Em curto prazo, o objetivo é avaliar quais corpos d’água superficiais são pontos de recarga e quais são pontos de descarga, e calcular mensalmente e anualmente os ganhos ou perdas para o sistema de água subterrânea. Delinear no campo um programa de medidas que poderiam satisfazer os objetivos imediatos de uma lagoa.
- Na rede de fluxo esquematizada no Problema 1 (b), trace uma série de posições do nível freáticorepresentando um rebaixamento do nível freático no intervalo de 5 a 10 m/mês (ou seja; ponto A continua fixo, ponto D rebaixa a essa taxa). Para K = 10–8, 10–6 e 10–4 m/s, preparar um hidrógrafa de vazão para distribuir no diagrama um fluxo perpendicular no ponto A. Suponha que toda a descarga subterrânea do sistema será convertida em vazão de base.
-
- Prove que uma diminuição na pressão atmosférica cria uma elevação no nível da água em poços de um aquífero confinado.
- Calcule a flutuação do nível da água (em metros) que resultará em uma queda na pressão atmosférica de 5,0 × 103 Pa em um poço perfurado em um aquífero confinado com eficiência barométrica de 0,50.